Diploma de bacharel em matemática expedido pela Escola Militar do Império do Brasil a Manuel da Cunha Galvão, 1847.
Diploma de bacharel em matemática expedido pela Escola Militar do Império do Brasil a Manuel da Cunha Galvão, 1847.

A Academia Real Militar foi criada pela carta de lei de 4 de dezembro de 1810 e tinha por objetivo ministrar na colônia um “curso completo de ciências matemáticas, de ciências de observações, quais a física, química, mineralogia, metalurgia e história natural que compreenderá o reino vegetal e animal, e das ciências militares em toda a sua extensão, tanto de tática como de fortificação e artilharia”. Na Academia Real Militar deveriam ser formados oficiais de artilharia e engenharia, bem como oficiais engenheiros geógrafos e topógrafos, que estivessem habilitados “aos estudos militares e práticos que formam a ciência militar”, capazes de dirigir trabalhos “de minas, de caminhos, portos, canais, pontes, fontes e calçadas” (CABRAL, 2011). Com a independência, em 1822, a exemplo de outras instituições, teve seu nome alterado para Academia Imperial Militar, aparecendo também na legislação como Academia Militar do Império do Brasil ou, simplesmente, Academia Militar da Corte.

No período joanino (1808-1822) os cursos da Academia Real Militar e o da Real Academia dos Guardas-Marinhas constituíram-se como importantes espaços de desenvolvimento da cultura e da prática científica no Brasil, buscando formar oficiais e engenheiros capazes de prover a colônia de condições materiais para exercer seu novo papel de centro político da corte portuguesa. No entanto, o curso da Academia Real Militar suscitava críticas, explicitada no parecer do coronel engenheiro Francisco Villela Barbosa, futuro Marquês de Paranaguá, enviado ao imperador Pedro em outubro de 1823. Barbosa destacava uma contradição fundamental no programa da academia, que não distinguia a formação de oficiais militares e a de engenheiros civis. Decorrente deste fato, o curso não previa a instrução de profissionais voltados para as obras hidráulicas e de pontes e calçadas, o que sobrecarregava engenheiros militares com atividades civis (TELLES, 2003, p. 101-102).

Em 1832, o decreto de 9 de março fundiu as academias Militar da Corte e a dos , formando uma única instituição denominada Academia Militar e de Marinha, que manteve como atribuição o ensino das ciências matemática e militares, além de desenho específico para a formação dos oficiais do Exército, Marinha e Engenharia. Esta união buscou diminuir a longa duração dos cursos voltados para formação profissional de oficiais no Brasil e proporcionar-lhes a instrução necessária para a execução de operações terrestres e navais. O decreto imperial expressou ainda o objetivo de uma futura organização e classificação do Corpo de Engenheiros, que não possuía ainda uma regulamentação própria.

No entanto, o relatório da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra de 1832 informava que a Academia Militar e de Marinha não correspondera ao que se esperava, tendo sido o ministro autorizado a apresentar uma proposta de separação. Assim, pelo decreto de 22 de outubro de 1833, o órgão foi extinto, sendo reinstituída a Academia dos Guardas-Marinhas e a Academia Militar da Corte. O mesmo decreto aprovou estatutos provisórios para a Academia Militar, com o intuito de convertê-la num estabelecimento exclusivamente militar. Para tanto, foi estabelecido um comando militar em sua direção, em substituição à congregação de professores.

Os novos estatutos estabeleceram a existência de dois cursos distintos, o militar e o de oficiais engenheiros de todas as classes. O militar destinava-se aos oficiais das três armas principais do Exército e era composto pelos primeiros três anos de estudos, o completo voltava-se aos oficiais engenheiros e previa mais três anos de curso. O programa completo era formado das seguintes disciplinas: 1º ano, aritmética, geometria, álgebra, e trigonometria plana; 2º ano, desenho; 3º ano, tática de todas as armas, estratégia, castrametação, fortificação de campanha e artilharia, princípios gerais de física, química e mineralogia, e desenho; 4º ano, trigonometria esférica, óptica, astronomia e geodésica, construção e desenho das cartas geográficas, além de aulas no Observatório; 5º ano, arquitetura militar e as cinco ordens da arquitetura civil, fortificação permanente e minas, ataque e defesa das praças, desenho de arquitetura militar e civil; 6º ano, fortificação, mineralogia e desenho; e 7º ano, artilharia teórica e prática, minas e geometria subterrânea.

No entanto, o decreto de 23 de fevereiro de 1835 mandava que ficasse sem efeito estes estatutos, devendo ser observado os de 9 de março de 1832 com algumas alterações, como a criação do cargo de diretor da academia, que serviria pelo prazo de um ano, devendo ser eleito pela congregação de lentes e indicado ao governo em lista tríplice.

Uma nova regulamentação para a academia foi aprovada pelo decreto n. 25, de 14 de janeiro de 1839, que mudou seu nome para Escola Militar e estabeleceu estatutos provisórios, inspirado nos programas da Escola Politécnica e da Escola de Aplicação de Metz, na França. Elaborada na gestão de Sebastião Rego Barros como secretário de Estado dos Negócios da Guerra, a reforma de 1839 procurava reforçar a formação técnico-profissional voltada para as necessidades do Exército, bem como o regime e disciplina militar. A direção e administração da escola ficou a cargo do comandante e do inspetor, escolhidos respectivamente dentre a classe dos oficiais generais e dos oficiais superiores, pertencentes ao Corpo de Engenheiros ou à Artilharia.

Na escola haveria dois cursos: o de infantaria e cavalaria e o de artilharia, de engenheiros militares e do Estado Maior. O curso de infantaria e cavalaria teria a duração de dois anos e estava organizado da seguinte forma: curso elementar de matemáticas puras; operações topográficas e desenhos respectivos; história militar, acompanhada de noções de geografia e cronologia; princípios de administração militar ou economia administrativa; tática, fortificação passageira e castramentação; manobras e exercícios de infantaria e cavalaria; hipiátrica ou arte veterinária, equitação, esgrima a pé e a cavalo.

O curso de artilharia, de engenheiros militares e do Estado Maior, com duração de cinco anos, compreendia os dois primeiros anos do curso de infantaria e cavalaria, acrescido nos três anos restantes do ensino das seguintes matérias: análise finita e infinitesimal; geometria descritiva e analítica; mecânica racional e teórica completa das máquinas; astronomia, física e geodésica; cálculos das probabilidades; levantamento de plantas sobre o terreno; arquitetura e construção militar; reconhecimentos militares, fortificações permanentes, ataque e defesa das praças; descrição e uso das máquinas de guerra e balística; detalhes do material relativo às bocas de fogo e desenhos respectivos cujo ensino seria privativo dos alunos de artilharia; detalhe sobre fortificação permanente; levantamento e construção de cartas com desenhos respectivos, cujo ensino seria privativo dos alunos engenheiros; física, química e botânica elementares; minas e resistência das abóbadas; formação e condução das equipagens de campanha, de sítio e de pontes militares; aplicação das ciências matemáticas e físicas às artes militares.

Ainda que transformada em Escola Militar, sua estrutura o funcionamento continuou a sofrer alterações, o que expressava o embate entre o ensino militar e o civil, ou seja, uma tradição acadêmica versus a tendência à militarização, e que buscava determinar o caráter de sua organização. A partir desta lógica de disputa a Escola Militar seria reformada novamente em 9 de março de 1842, através do decreto n. 140, e seus novos estatutos aprovados passaram a dar mais atenção à formação dos engenheiros paisanos, a partir de medidas como a concessão do grau de doutor em ciências matemáticas aos alunos formados. Além disso, o curso passaria a ter a duração de sete anos, subdivididos em três formações: a primeira destinada aos alunos pertencentes à Cavalaria e Infantaria e constaria das matérias do 1º, 2º e 5º anos, totalizando três anos de estudos; a segunda voltada para a Artilharia, constituída pelos seis primeiros anos de curso; e, por fim, os interessados na obtenção do diploma de engenharia deveriam frequentar sete anos, ou seja, o programa completo.

A reforma criou ainda novas cadeiras, como a de direito civil e militar, arquitetura civil e zoologia, além da repetição da cadeira de desenho em todos os sete anos do curso. Por outro lado, foram extintas algumas cadeiras propriamente militares, como a de aplicação das ciências matemáticas e físicas às artes militares, presente no plano de atividade de 1839. Em 1845 o decreto n. 404, de 1º de março, alterou mais uma vez o programa da Escola Militar em poucos detalhes, reduzindo de 16 para 14 o número de cadeiras e acrescentando algumas novas, como a de geologia, além da substituição de direito civil e militar por outra intitulada ‘princípios de direito natural e das gentes, aplicáveis aos usos da guerra e às capitulações’. O caminho em direção ao ensino paisano de engenharia continuava sendo trilhado e, em 1846, o decreto n. 476 de 29 de setembro, regulou a concessão do diploma de bacharel em matemática na mesma escola.

A coexistência de ensinos distintos – o civil e militar – dentro de uma mesma escola, continuou gerando intensos debates. Os militares, preocupados com a crescente tensão na região do Prata, demandavam uma formação mais específica, sem tantas matérias ditas ‘científicas’ em suas grades curriculares. Por outro lado, o processo de implantação de uma infraestrutura básica no Brasil com estradas, pontes, telégrafos e pavimentação pública, por exemplo, necessitava também da formação específica de profissionais em engenharia civil, independente dos interesses militares. Nesse sentido, em 23 de janeiro de 1855, com os decretos 1.534 e 1.536, foram separadas as matérias militares presentes no 5º e 6º ano da escola, passando o seu curso a contar com uma duração de cinco anos, não mais sete. Por outro lado, criou-se um colégio de aplicação de caráter militar, que contaria com as aulas das disciplinas excluídas do curso da Escola Militar.

Diferentes ministros da guerra continuaram pressionando o imperador pela separação dos dois ensinos. Em 1858 a Escola Militar seria reformada mais uma vez, pelo decreto n. 2.116, de 1º de março, que alterou novamente o seu nome, desta vez para Escola Central. Este regulamento definia que a instituição deveria ser destinada ao ensino das matemáticas físicas e naturais, e das doutrinas próprias da engenharia civil. Contraditoriamente, a escola ainda permaneceria vinculada à estrutura militar, subordinando-se à Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, sob a direção de um oficial militar.

Esta vinculação resultou na alteração do regulamento da escola por três vezes num curto espaço de tempo, nos anos de 1860, 1861 e 1863, nos quais foram adotadas medidas que acabavam mais uma vez favorecendo o ensino militar em detrimento da formação de paisanos. A determinação constante no regulamento de 1858, que dizia ser a escola responsável pelo ensino de matemáticas e doutrinas relativas à engenharia civil, por exemplo, seria suprimida pela reforma de 1863. Em seu lugar, restou apenas a menção em seu artigo n. 179 de que “os alunos paisanos que completassem os seis anos do curso da Escola Central e foram habilitados em seus exercícios práticos, serão considerados engenheiros civis”. Uma mudança aparentemente sutil, mas que apontava a tendência da instituição a funcionar mais como coadjuvante ao ensino militar do que como uma escola de formação de engenheiros civis. Esta visão é corroborada pela apresentação feita pelo ministro da Guerra, Jerônimo Francisco Coelho, em seu relatório ministerial de 12 de maio de 1858, em que afirma que a Escola Central deveria funcionar como o “tronco para o ensino das doutrinas comuns às diferentes especialidades”, atuando em conjunto com as duas outras escolas militares, a Escola de Aplicação e o Curso de Cavalaria e Infantaria da província de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Esta visão, por outro lado, era combatida pelos defensores da separação dos ensinos civil e militar, que ganhou voz na Câmara dos Deputados em sessão de 11 de junho de 1860, através de José Maria da Silva Paranhos, o futuro visconde do Rio Branco, em crítica aos estatutos da escola. Para Paranhos se “(…) o nobre ministro organizasse a Escola Militar e de Aplicação como ela devia ficar, não era preciso na Central todo esse aparato militar que lá vai se montar; não precisamos ali de tambores e cornetas”. E concluindo seu juízo sobre os novos estatutos afirma: “Se S. Ex. quiser realizar plenamente os novos estatutos, (…) há de se sacrificar os destinos civis deste importante estabelecimento a uma mal entendida organização militar” (ASSEMBLEIA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1860, p. 177).

Esta polêmica teria sua resolução apenas em 1873, quando a lei 2.261, de 24 de maio, que fixou as forças de terra para este ano e o seguinte, determinou em seu artigo 3º que a Escola Central saísse do âmbito da Secretaria da Guerra e fosse para a pasta do Império, tornando-a uma instituição plenamente civil. Para a formação de engenheiros militares deveria a nova Escola Militar, antiga Escola de Aplicação, alterar seus estatutos, acrescentando as matérias necessárias à preparação deste profissional e à concessão de grau de bacharel matemáticas em ciências físicas. Em 25 de abril de 1874 os estatutos da Escola seriam publicados, alterando-se a denominação da Escola Central para Escola Politécnica e instituindo um curso geral e seis cursos especiais: o de ciências físicas e naturais, de ciências físicas e matemáticas, de engenheiros geógrafos, de engenharia civil, de minas, e o de artes e manufaturas.


Felipe Almeida

Salomão Pontes Alves
5 maio 2014

 

Bibliografia
ALVES, Cláudia Maria Costa. Cultura e política no século XIX: o Exército como campos de constituição de sujeitos políticos no Império. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2002.

ASSEMBLEIA DA CAMARA DOS DEPUTADOS. Sessão de 11 de Junho de 1860. Anais da Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://goo.gl/ZYXeNp>. Acesso em: 18 nov. 2013.

BRASIL. Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810. Cria uma Academia Real Militar na Corte e cidade do Rio de Janeiro. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 232-246, 1891.

_____. Decreto de 9 de março de 1832. Reforma a Academia Militar da Corte incorporando nela a dos Guardas Marinhas, e dá-lhes novos estatutos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 62-80, 1874.

____ Decreto de 22 de outubro de 1833. Separa a Academia de Marinha e a companhia dos Guardas-Marinhas, da Academia Militar da Corte, e dá a esta novos estatutos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 140-172, 1873.

____. Decreto de 14 de janeiro de 1839. Dando nova organização à Academia Militar. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 1-8, 1839.

____. Decreto n. 5.600, de 25 de abril de 1874. Dá estatutos à Escola Politécnica. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 393, 1875.

CABRAL, Dilma. Academia Real Militar. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822). Disponível em: <https://goo.gl/KkQZxr>.Acesso em: 5 maio 2014.

MOTTA, Jehovah. Formação do Oficial do Exército. Rio de Janeiro: Companhia brasileira de artes gráficas, 1976.

SCHWARTZMANN, Simon. Formação da Comunidade Científica no Brasil. Rio de Janeiro e São Paulo: Cia. Editora Nacional/Finep, 1979.

TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil (Séculos XVI a XIX). Rio de Janeiro: Clavero, 1994.

BARATA, Mario. Escola Politécnica do Largo de São Francisco: berço da engenharia brasileira. Rio de Janeiro: Associação dos Antigos Alunos da Politécnica / Clube de Engenharia / MEC, 1973.

MOREIRA, Helói José Fernandes. Formar bacharéis ou engenheiros, um dilema da Escola Central. In: Livro de Anais do Congresso Scientiarium história IV. v. 1, Fascículo 1. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2011, p. 354-360.

SILVA, Clóvis Pereira da. A matemática no Brasil. Uma história do seu desenvolvimento. São Paulo: Editora Edgard Blücher Ltda., 2003.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 2L – Escola Politécnica do Rio de Janeiro
BR AN,RIO 2H – Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP – Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO OI – Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO OG – Ministério da Guerra
BR AN,RIO 91 – Série Educação – Administração (IE2)
BR AN,RIO 95 – Série Educação – Ensino Superior (IE3)
BR AN,RIO 96 – Série Educação – Ensino Técnico (IE6)
BR AN,RIO 97 – Série Educação – Gabinete do Ministro (IE1)
BR AN,RIO 99 – Série Fazenda – Administração (IF2)
BR AN,RIO 90 – Série Guerra – Escolas (IG3)
BR AN,RIO DA – Série Guerra – Gabinete do Ministro (IG1)
BR AN,RIO AF – Série Justiça – Administração (IJ2)


Referência da imagem
Diversos – SDH – Caixas. BR_RJANRIO_2H_0_0_361

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1808-1822 e 1889-1930, consulte os verbetes Academia Real Militar e Escola Politécnica