Planta no estilo panóptico da Casa de Correção da Corte, 1834.
Planta no estilo panóptico da Casa de Correção da Corte, 1834.

A Casa de Correção do Rio de Janeiro, também chamada Casa de Correção da Corte, foi criada em 6 de julho de 1850 pelo decreto n. 678, que também aprovou o seu primeiro regulamento, com o objetivo de ser uma prisão modelo do Império, onde se executaria a pena de prisão com trabalho, sendo considerada uma das “obras mais úteis e necessárias ao País pela influência do sistema penitenciário sobre os hábitos e a moral dos presos” (BRASIL, 1836, p. 28).

A Constituição brasileira, outorgada por d. Pedro I em 25 de março de 1824, determinou que as instituições prisionais do Império seriam “seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme as circunstâncias e natureza dos seus crimes” (Constituição do Império do Brasil, (1824) art. 179 parágrafo 21). Com isso, adotava-se um modelo de prisão baseado nos preceitos recomendados pela medicina social do século XIX, quando médicos passaram então a divulgar, por meio de teses acadêmicas e pareceres, uma estratégia de recuperação em que os reclusos deviam se empregar em trabalhos úteis, impedindo assim a disseminação do crime e o planejamento de futuros atos ilícitos, e condenando as condições das instituições prisionais então existentes, cuja insalubridade e aglomeração dos indivíduos incentivavam a reincidência criminal. (MACHADO et al., 1978, p. 318-9).

Na Corte, por exemplo, destacava-se a prisão do Aljube. Essa antiga prisão eclesiástica construída junto à Ladeira da Conceição pelo bispo d. Antônio de Guadalupe entre os anos 1735 e 1740 se tornou, posteriormente, uma cadeia civil subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça e funcionou até a criação da Casa de Detenção pelo decreto n. 1.774 de 2 de julho de 1856. Em 1828, a comissão nomeada pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro para visitar as prisões civis, militares e eclesiásticas e os estabelecimentos públicos de caridade chamou o Aljube de “sentina de todos os vícios” onde se encontravam aglomerados trezentos e noventa prisioneiros num edifício cuja capacidade se restringia a vinte indivíduos (FAZENDA, 2011, p. 439). Conforme a avaliação do ministro da Justiça, a prisão do Aljube era “um anacronismo vergonhoso na capital do Império” (BRASIL, 1850, p. 46).

Com a promulgação do Código Criminal do Império do Brasil, sancionado pela lei de 16 de dezembro de 1830, ficou evidente a necessidade de se construir uma casa de correção e trabalho. O primeiro código do Império representou, de fato, uma mudança na legislação criminal, pois, ao contrário do então vigente livro V das Ordenações Filipinas, a pena de privação da liberdade acrescida da obrigação do trabalho foi aplicada na maior parte dos crimes, obrigando “aos réus a ocuparem-se diariamente no trabalho, que lhes for destinado dentro do recinto das prisões, na conformidade das sentenças” (art. 46). No entanto, o artigo 46 do código não indicava a forma como o trabalho prisional deveria ser organizado e com a promulgação do Ato Adicional de 1834, a construção das “casas de prisão, trabalho e correção” e a organização de seu regime disciplinar ficaram a cargo das Assembleias Legislativas Provinciais (art. 10). No Município Neutro da Corte, sede política do governo imperial, a casa de correção e trabalho ficou subordinada diretamente à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça.

O projeto de uma casa de correção e trabalho na Corte surgiu inicialmente como proposta da Sociedade Defensora da Independência e Liberdade Nacional (1831-35), concebido num período marcado pelas revoltas regenciais após a abdicação de d. Pedro I. Na capital do Império ocorreram intensas agitações com cinco levantes no período de 1831 a 1832 protagonizados por tropa e povo (CARVALHO, 1996, p. 230). No seu periódico oficial, a Sociedade afirmava que este era um projeto eminentemente moral que converteria homens “perdidos na ociosidade e no deboche em cidadãos industriosos, de bons costumes e úteis à pátria” (O Homem e a América, 14 de janeiro de 1832). Em meio às turbulências políticas daquele período, a Casa de Correção projetada pela Sociedade possuía uma finalidade suplementar, atuando na repressão e controle social da população urbana que “tinha tudo a ganhar nas desordens e motins, servindo de instrumentos das facções” (O Homem e a América, 14 de janeiro de 1832). A Sociedade arrecadou doações e recebeu contribuições de particulares, mas o custo considerável do empreendimento tornou inviável sua iniciativa. Coube então à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça comprar o terreno e dar início às obras (SANT’ANNA, 2009, p. 289). Foi adquirida uma chácara no Catumbi em local arejado e saudável, conforme parecer da comissão médica que avaliou o terreno, próxima à cidade, com suficiente abastecimento de água e grande pedreira (BRASIL, 1834, p. 19).

A planta da Casa de Correção do Rio de Janeiro reproduziu um modelo de prisão publicado em 1826 por uma comissão da Sociedade Inglesa para o Melhoramento das Prisões (MORAES, 1923, p. 12). Esse modelo era baseado num projeto de construção arquitetônica no estilo panóptico, uma construção circular que permitia a visibilidade das populações submetidas à vigilância e controle totais, possibilitando ao diretor “ ver tudo, saber tudo e cuidar de tudo” conforme o Relatório da Comissão Inspetora da Casa de Correção da Corte (BRASIL, 1874, p. A-209). O panoptismo, como princípio de vigilância central, se tornou referência na arquitetura penitenciária do século XIX (PERROT, 2000, p. 130).

Em 1849, o primeiro raio da Casa de Correção, com as duzentas celas previstas e as oficinas, não estava concluído. O ministério estimou que seriam necessários ainda mais dois anos para o término das obras. Depois de concluída, a penitenciária da Corte teria quatro raios cada um com duzentas celas destinadas ao isolamento noturno. No entanto, o ministério decidiu que a Casa de Correção poderia ser inaugurada porque a planta original possuía “dimensões um pouco exageradas”, sendo apenas um raio com duzentas celas um número suficiente para suprir às demandas por vagas daquele momento (BRASIL, 1850, p. 48). Nesse mesmo ano, os condenados a pena de prisão com trabalho passaram a ser recolhidos nesse primeiro raio ainda em construção. Em 1850, quando o regulamento foi aprovado, a Casa de Correção possuía cem celas, e sessenta condenados trabalhavam nas oficinas de carpinteiros, marceneiros, sapateiros e alfaiates. Em 1852, as duzentas celas foram concluídas. A partir de 1856, a Casa de Detenção passou a funcionar provisoriamente nesse primeiro raio da Casa de Correção “para detenções curtas por pequenos crimes, ou por réus sendo processados na justiça” (SOARES, 1994, p. 96).

O responsável por organizar o trabalho carcerário na Casa de Correção foi seu primeiro diretor, Antonino José de Miranda Falcão (1855-1863). Em 1854, Miranda Falcão foi designado pela Secretaria dos Negócios da Justiça para visitar as penitenciárias de Cherry Hill (1821), na Pensilvânia, bem como a prisão de Auburn (1821) e a penitenciária de Sing-Sing (1825), ambas em Nova York. Essas prisões inauguraram o sistema penitenciário norte-americano adotando o princípio do isolamento conhecido respectivamente por modelos pensilvânico e auburniano. A prisão de Cherry Hill adotou o isolamento celular absoluto, herdado da experiência religiosa dos quakers na prisão de Walnut Street (1790), acrescentado do trabalho individual na cela. Já as prisões de Auburn e Sing-Sing adotaram o isolamento celular noturno, mas o trabalho carcerário foi organizado nos moldes do sistema de fábrica, onde os prisioneiros trabalhavam em comum durante o dia nas oficinas, sob rigoroso silêncio. Esse modelo admitia diversas formas de exploração pelo capital da força de trabalho encarcerada.

A Casa de Correção do Rio de Janeiro adotou o modelo auburniano de organização do trabalho e a escolha das oficinas recaiu entre as que apresentavam a melhor rentabilidade para seus produtos (art. 32 do decreto n. 678, de 6 de julho de 1850). A política do Ministério da Justiça para as casas correcionais estabeleceu ainda que a renda proveniente do trabalho carcerário fosse destinada à sustentação dos presidiários e ao custeamento da instituição (art. 88 decreto n. 678, de 6 de julho de 1850). O pecúlio era formado por ¼ do valor da mercadoria ou pelo valor da diária do preso que se orientava pelo critério da divisão das classes (art. 44).

Os condenados à prisão com trabalho da Casa de Correção foram classificados em duas divisões, a correcional e a criminal. A divisão correcional era composta por duas classes. Na primeira estavam “os menores de quatorze anos que cometeram crimes, obrando com discernimento” conforme definido pelo artigo 13 do Código Criminal de 1830 e, na segunda, os vadios e mendigos detidos pelas autoridades policiais para cumprimento da pena de prisão simples ou com trabalho pelo período de oito a vinte e quatro horas (arts. 295 e 296 do Código Criminal de 1830), assim como quaisquer outros condenados pelas autoridades policiais a trabalho na Casa de Correção. Na divisão criminal estavam os condenados a pena de prisão com trabalho. Nessa divisão havia três classes distintas que usufruíam de vantagens concedidas de acordo com o comportamento dos presidiários. O regulamento de 1850 foi minucioso quanto às regras disciplinares que deviam ser observadas pelos classificados na divisão criminal, determinando as rotinas e os horários do cotidiano dentro da prisão. As tarefas das oficinas iniciavam todas os dias, após as orações, às 5 horas no verão e às 6 no inverno. O trabalho era interrompido no almoço e no jantar e terminava antes da ceia. Cada oficina só admitia no máximo turmas de vinte presidiários. Acima disso, as turmas eram divididas em dez, pois um número excessivo de presos impossibilitaria a observância do silêncio. Nas oficinas, o silêncio podia ser interrompido nos casos em que o prisioneiro precisasse de alguma explicação ou de algum objeto pertinente à tarefa que deveria ser realizada. Os castigos disciplinares previstos nos casos de infração a essa regra eram o trabalho solitário, a restrição alimentar ou jejum e a cela escura.

A rentabilidade das oficinas da Casa de Correção ficou aquém da expectativa do governo, que pretendia usar essa fonte de renda para custear as despesas com a penitenciária e o sustento dos presos. A secretaria nomeou então uma comissão de inquérito para averiguar as condições das oficinas e a qualidade de seus produtos, bem como a receita arrecadada nos anos 1860-1862. Essa comissão avaliou que o aumento dos custos para os cofres públicos com a manutenção da Casa de Correção relacionava-se à introdução de serviços estranhos à disciplina penitenciária e não ao baixo rendimento proveniente da comercialização dos produtos. A comissão referiu-se especificamente aos seguintes serviços que funcionavam na penitenciária da Corte: o depósito de africanos livres, a prisão do Calabouço, destinada aos escravos, e o Instituto de Menores Artesãos, criado pelo decreto n. 2.745 de 13 de fevereiro de 1861.

O regulamento da Casa de Correção instituiu uma Comissão Inspetora, que possuía inúmeras atribuições relativas à execução das regras disciplinares, bem como indicar medidas de aperfeiçoamento a serem adotadas no estabelecimento (Art. 109, decreto n. 678, de 6 de julho de 1850). Em 1874, seu relatório apontou algumas dificuldades relativas ao funcionamento do modelo auburniano. As mais importantes se referiram à impossibilidade de cumprir a regra do silêncio durante o trabalho em comum e à execução incorreta da planta em estilo panóptico, porque os corredores haviam sido “fechados em abóbodas” impossibilitando completamente a visibilidade (MORAES, 1923, p. 13).

O último regulamento do governo imperial para a Casa de Correção – decreto n. 8.386, de 14 de janeiro de 1882 – manteve a maior parte das disposições do regulamento de 1850, como o encarceramento celular durante a noite e o trabalho em comum durante o dia sob o regime de rigoroso silêncio, isto é, o modelo auburniano. No que diz respeito à gestão orçamentária, a renda proveniente do trabalho carcerário passou a ser recolhida aos cofres públicos deduzido primeiramente o valor da matéria-prima. A sustentação dos presidiários e o custeamento da Casa de Correção passaram a ser efetuados por meio de verba votada pelo Poder Legislativo.

 
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
18 ago. 2014

 
Bibliografia
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____. Decreto n. 1.774, de 2 de julho de 1856. Dá regulamento para a Casa de Detenção estabelecida provisoriamente na Casa de Correção da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 294, 1857.  Disponível em: <https://goo.gl/nGNpcS> Acesso em: 18 ago. 2014.

____. Decreto n. 8.386, de 14 de janeiro de 1882. Dá novo Regulamento para Casa de Correção da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 50-86, 1883.  Disponível em: <https://goo.gl/rF1eKQ> Acesso em: 18 ago. 2014.

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____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 8ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário de N. L. Vianna, 1850. Disponível em: <https://goo.gl/15TQWY>. Acesso em: 4 dez. 2013.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 15ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Americana, 1874. Disponível em: <https://goo.gl/2dAFq9>. Acesso em: 4 dez. 2013.

BENTHAM, Jeremy. O Panóptico. Org.e trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

CABRAL, Dilma. Constituição de 1824. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/91GQmQ> Acesso em: 18 ago. 2014.

CARVALHO, José Murilo de. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Relume-Dumará, 1996.

MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.

MORAES, Evaristo de. Prisões e instituições penitenciárias no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Editora Conselheiro Cândido de Oliveira, 1923.

SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. 2ª. Edição. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.

SANT’ANNA, Marilene Antunes. Trabalho e conflitos na Casa de Correção do Rio de Janeiro. In: MAIA, Clarissa Nunes [et al.]. História das prisões no Brasil, volume 1, Rio de Janeiro: Rocco, 2009, p. 283-309.

SOARES, Carlos Eugênio Libânio. A negregada instituição: os capoeiras no Rio de Janeiro 1850-1890. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1994.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 4O Ministério da Fazenda
BR AN,RIO 4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR AN,RIO 0E Polícia da Corte
BR AN,RIO 9S Série Guerra – Hospitais, Corpo de Saúde (IG6)
BR AN,RIO AF Série Justiça – Administração (IJ2)
BR AN,RIO NE Série Justiça – Casa de Correção – (IIIJ7)
BR AN,RIO AG Série Justiça – Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)
BR AN,RIO A0 Série Justiça – Prisões – Casas de Correção (IJ7)

 

Referência da imagem
BRASIL. Relatório do ano de 1873 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 15ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Americana, 1873, p. A-SN. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1867/000262.html>

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Casa de Correção do Rio de Janeiro