A lei n. 16, de 12 de agosto de 1834, também conhecida como Ato Adicional, alterou a Constituição de 1824 e ampliou a dimensão das reformas liberais até então empreendidas. Sua elaboração foi permitida pela lei de 12 de outubro de 1832, que conferiu aos deputados da legislatura seguinte, 1834-1837, a faculdade de realizar alterações na Carta Magna, definindo os artigos a serem revistos.
A Constituição não apenas modelou a formação do Estado, como também teve um importante papel no projeto de instituição e manutenção do império brasileiro.
Os anos iniciais do Primeiro Reinado foram caracterizados por intensa atividade legislativa, resultado do empenho em assegurar a governabilidade do novo corpo político, numa tentativa em conciliar o modelo do constitucionalismo liberal ao Estado monárquico e escravocrata. No entanto, o arranjo político-institucional centralizado e unitário definido pela Constituição, com grande concentração de poder no governo central, sofreu duras críticas das elites locais, que identificavam no Poder Moderador e na centralização político-administrativa exercida pelo Rio de Janeiro um obstáculo à autonomia das províncias.
O enfrentamento entre governo central e províncias adquiriu novos contornos com a abertura da Assembleia Geral em 1826. Mas, foi a abdicação de d. Pedro, em 1831, que permitiu um rearranjo político e abriu espaço para execução dos projetos das elites liberais, garantindo a ampliação de representatividade das províncias na arquitetura institucional do Estado brasileiro.
A relação do governo central com as províncias foi então redimensionada a partir da década de 1830, quando reformas de cunho liberal foram realizadas, especialmente com a aprovação de importantes marcos legais como a criação da Guarda Nacional, pela lei de 18 de agosto de 1831, a aprovação do Código Criminal, através da lei de 16 de dezembro de 1830, e a aprovação do Código de Processo Criminal, pela lei de 20 de novembro de 1832. Mas foi o Ato Adicional o resultado mais evidente dos acordos políticos e das concessões realizadas em nome da unidade nacional e da manutenção da ordem, que ampliou a autonomia político-administrativa conferida às províncias em detrimento do centralismo excessivo da Corte. O projeto convertido no Ato Adicional, de autoria de Bernardo Pereira de Vasconcelos, é considerado pela historiografia como o realizador das aspirações federalistas que vigoraram até 1840, quando teve início a fase conhecida como Regresso.
Pelo Ato Adicional a sede da Corte foi transformada em município neutro, constituindo-se numa unidade administrativa distinta da província fluminense. Ficava suprimido o Conselho de Estado, órgão profundamente identificado ao centralismo político e à preponderância do Poder Executivo sobre os demais poderes.
Numa conjuntura de revisão do projeto de centralização consagrado na Constituição, o Conselho de Estado não se adequava ao arranjo federativo proporcionado pelo Ato Adicional, que garantiu às províncias autonomia na condução dos assuntos político-institucionais sob sua jurisdição. O Poder Moderador, igualmente identificado com o conservadorismo político, ficava mantido, mas algumas de suas atribuições foram conferidas à Regência pela lei de 14 de junho de 1831. Com o Ato Adicional, a regência trina permanente, instalada em 1831, que governava o império durante a menoridade de d. Pedro, foi substituída por uma regência una, eletiva e temporária, com mandato de quatro anos.
Mas foi a transformação dos conselhos gerais de províncias em assembleias legislativas provinciais a maior alteração promovida pelo Ato Adicional. As províncias passaram a contar com duas esferas distintas de decisão político-administrativa, a presidência da província, cuja nomeação cabia ao governo central, e as assembleias legislativas, cujos membros eram escolhidos em eleições censitárias. A eleição se faria nos moldes da realizada para a Assembleia Geral Legislativa, sendo a legislatura nas províncias de dois anos, prevista a reeleição. A composição das assembleias variava, sendo 36 membros em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo; 28 nas do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e 20 deputados nas demais.
O Ato Adicional atribuiu às assembleias legislativas autonomia de legislar sobre uma gama variada de assuntos como a divisão civil, judiciária e eclesiástica da província; a instrução pública; a desapropriação por utilidade municipal ou provincial; a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, bem como o estabelecimento dos seus ordenados; a suspensão ou demissão de magistrados; obras públicas; prisões; estatística; catequese dos indígenas; colonização; casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas (BRASIL. Ato Adicional (1834), arts. 10, 11 e 12).
As assembleias passaram também a ter controle sobre impostos e as despesas municipais e provinciais, bem como a autorização da contratação de empréstimos pelas câmaras e províncias, a distribuição da contribuição dos municípios e a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas de sua receita e despesa. Com isso, ficava definida, pela primeira vez, uma competência fiscal específica para as províncias, o que permitiu distinguir as despesas e rendas do governo central e das províncias.
Se as províncias ganharam autonomia no arranjo institucional previsto no Ato Adicional, o mesmo não se deu no âmbito da administração municipal. A lei de 1º de outubro de 1828 redefiniu o formato institucional das câmaras, suprimindo-lhes as atribuições judiciais e tornando-as corporações meramente administrativas. Pelo regimento de 1828, as câmaras ficavam submetidas, nas províncias, aos conselhos gerais e, na Corte, à Secretaria de Estado dos Negócios do Império. O Ato Adicional reforçou esta tendência ao transferir para as assembleias provinciais, que substituíram os Conselhos Gerais, a ampla jurisdição sobre as Câmaras Municipais. Assim, a independência política que o Ato Adicional conferiu às províncias teve como contraponto o atrelamento das câmaras municipais à autoridade das assembleias provinciais, que prescindia da sanção do presidente de província para deliberar sobre temas como receita, despesa municipal e empregos municipais. O presidente também não tinha poder de veto sobre a suspensão e a demissão de magistrados, ou a representação movida pela assembleia contra outras províncias.
A conturbada conjuntura política do período regencial (1831-1840), especialmente as revoltas que ocorreram em várias províncias, geraram o temor da desintegração da unidade territorial e política do Império, e serviu de mote para congregar a elite brasileira em torno de uma revisão no projeto de descentralização que vinha sendo experimentado desde a instalação da Assembleia Geral e que teve seu ápice no Ato Adicional. Essa situação tem sido considerada pela historiografia como um dos principais elementos propulsores das medidas adotadas após 1840, em especial a lei n. 105, de 12 de maio de desse ano, também conhecida como Lei de Interpretação do Ato Adicional, que deu início ao predomínio de uma política conservadora. No entanto, a discussão sobre os limites deste regresso conservador ainda suscita um grande debate e questões como a vitória do centralismo sobre o federalismo, ou a submissão das províncias ao governo central, têm sido revisitadas e relativizadas por trabalhos mais recentes que colocam em discussão o alcance e dimensão desta reação conservadora.
Dilma Cabral
5 maio 2014
Bibliografia
CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996. 2.a ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MATTOS, Ilmar. O Tempo Saquarema. São Paulo, Hucitec/ INL, 1987.
DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século. XIX. São Paulo: Globo, 2005.
Referência da imagem
S. A. Sisson. Galeria dos brasileiros ilustres. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 1999, v. 1. ACG14793