Pavilhões destinados aos passageiros de terceira classe no Lazareto da Ilha Grande, instalado nas antigas fazendas do Holandês e de Dois Rios, situadas na enseada do Abraão no Rio de Janeiro.
Pavilhões destinados aos passageiros de terceira classe no Lazareto da Ilha Grande, instalado nas antigas fazendas do Holandês e de Dois Rios, situadas na enseada do Abraão no Rio de Janeiro.

O Lazareto da Ilha Grande teve seu projeto de regimento interno aprovado pela decisão n. 114, em 5 de novembro de 1886. No entanto, desde 1884, a lei n. 3.228, de 3 de setembro, já havia autorizado a Secretaria de Estado dos Negócios do Império a empregar recursos na construção de um lazareto de quarentena como uma medida de prevenção contra a invasão no Império do cólera-morbo, que já se propagava do Mediterrâneo para diversos países.

No alvará de 22 de janeiro de 1810, que deu regimento ao provedor-mor de Saúde da Corte e Estado do Brasil, o sistema de quarentena foi adotado para combater a disseminação das doenças epidêmicas na então sede da corte portuguesa na América. Mas enquanto não se construísse um estabelecimento apropriado para essa finalidade, foi previsto por esse mesmo regimento que a “quarentena seria feita no sítio da Boa Viagem, devendo aí ser ancoradas as embarcações impedidas pelos oficiais da saúde”. Já os navios que transportavam escravos cumpriam o período de quarentena no ancoradouro da Ilha do Bom Jesus. No regulamento da Inspeção de Saúde Pública do Porto do Rio de Janeiro, baixado pelo decreto de 17 de janeiro de 1829, as embarcações a serem inspecionadas deveriam atracar no ancoradouro de Jurujuba, mas no caso das embarcações que traziam escravos, e tendo “suspeita de contágio [estes] serão desembarcados em lugar distante e fora da cidade, para serem colocados em quarentena”. O decreto n. 268, de 29 de janeiro de 1843, regulamentando às Inspeções de Saúde dos Portos, determinou que em cada porto haveria um ancoradouro de quarentena, sendo as embarcações identificadas por uma bandeira amarela.

No século XIX, a política pública de saúde de caráter preventivo voltada para o combate das epidemias que se propagavam rapidamente pelo país a partir das cidades portuárias recomendava a construção de centros de triagem e isolamento dos passageiros e imigrantes.

Em meados do século XIX, o governo imperial, visando impedir a propagação do cólera-morbo através do porto do Rio de Janeiro, mandou construir um edifício para alojar os doentes e passageiros suspeitos ou infeccionados procedentes da Europa. O lazareto provisório da Ilha de Maricá recebeu os escravos e os migrantes do norte do país que foram os mais atingidos por essa doença infectocontagiosa. Com o crescimento do número de doentes acometidos pelo cólera, a Junta de Higiene decidiu construir um barracão para receber os escravos e os passageiros, reservando o edifício do lazareto propriamente dito somente para os doentes. Nessa mesma época, o governo comprou um edifício num local denominado Várzea, na Jurujuba, onde foram alojados os passageiros do vapor Imperatriz, que entrou no porto do Rio de Janeiro em 18 de julho de 1855, trazendo a bordo doentes com febre amarela. Nos anos 1870, foi criado provisoriamente na enseada de Jurujuba um lazareto flutuante estabelecido num navio, para quarentena da febre amarela, cólera-morbo e peste do Oriente, sendo seu administrador subordinado ao inspetor de Saúde do Porto conforme o decreto n. 6.378, de 15 de novembro de 1876. As instruções que regularam o serviço do lazareto flutuante foram estabelecidas pelo decreto n. 7.120, de 28 de dezembro de 1878 (BARBOSA; REZENDE, p. 303-4).

No entanto, o estado precário de tais estabelecimentos mostrava a necessidade de se construírem, o quanto antes, lazaretos de quarentena no porto do Rio de Janeiro, para melhoria de suas condições de salubridade, com a finalidade de receber os passageiros das embarcações sem lhes causar grandes transtornos (BARBOSA; REZENDE, 1909, p. 299-300).

A comissão nomeada para definir o local mais apropriado para a construção do lazareto decidiu que a enseada do Abraão, na Ilha Grande, no litoral do estado do Rio de Janeiro, possuía inúmeras vantagens, desde o clima favorável até espaço suficiente para mais de um ancoradouro, além de terrenos disponíveis para edificação de diversos edifícios, permitindo a realização da desinfecção das bagagens, do isolamento dos internos, dos serviços administrativos etc. (SANTOS, 2007, p. 1174).

Em 1885, a Secretaria de Estado dos Negócios do Império recebeu créditos extraordinários para a conclusão das obras do Lazareto da Ilha Grande, que foram iniciadas em julho de 1844 e concluídas em fevereiro de 1886. O Lazareto ficou subordinado à Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, conforme definido pelo decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro de 1886, que reorganizou o serviço sanitário do Império. Ao inspetor-geral de Saúde dos Portos coube organizar e submeter à aprovação da Secretaria do Império um projeto de regimento interno para o Lazareto da Ilha Grande, fixando o número e as atribuições dos empregados, bem como definir as “medidas de polícia a que ficam sujeitos os quarentenados” (BRASIL, 1886c, p. 96).

Em julho de 1886, o governo imperial baixou um ato, com base na proposta do inspetor-geral de saúde, considerando os portos de Triestre e Fiume infeccionados, devido ao aparecimento do cólera-morbo, e suspeitos os portos austríacos do Adriático até o Golfo de Cataro. Em novembro de 1886, outra norma do governo declarou que todos os portos nacionais seriam fechados aos navios procedentes da República Oriental do Uruguai, da Argentina, Paraguai e Chile, devido ao aparecimento do cólera-morbo na América do Sul (BRASIL, 1887, p. 105, 106). Essas embarcações só poderiam ser recebidas nos portos do Império após passarem pela “quarentena de rigor” no Lazareto da Ilha Grande. As quarentenas podiam ser de observação ou de rigor, estas últimas eram aplicadas aos navios que registrassem casos de moléstia pestilencial durante a viagem, chegando ao porto com doentes a bordo. O desembarque de passageiros e cargas era obrigatório, sendo os navios detidos durante o tempo necessário para a sua completa desinfecção (BRASIL, 1886c, p. 91, 92).

Cabe destacar dois aspectos importantes do centro de triagem e isolamento que o governo imperial construiu na Ilha Grande. O primeiro deles é o isolamento dos internos, obtido por meio da separação seguindo o critério de classes dos passageiros dos navios. Assim, foram construídos pavilhões para receber separadamente a primeira, a segunda e a terceira classes, com o propósito de manter durante o período quarentenário os privilégios inerentes das duas primeiras. O segundo se refere à vigilância que foi instituída segundo o modelo utilizado nas demais instituições de controle de grande número de indivíduos por um reduzido corpo de vigilantes como as prisões, os asilos e os hospícios. Para tanto, a comissão encarregada de escolher o terreno propôs que os edifícios fossem construídos distantes uns dos outros, aproveitando não só as antigas instalações da Fazenda do Holandês comprada pelo governo, mas também que se instaurasse um arranjo arquitetônico que permitisse a vigilância constante dos internos. Assim, um pequeno destacamento de policiais atuava junto com os guardas da alfândega para manter a ordem durante o período de isolamento forçado e evitar fugas, utilizando, para isso, quaisquer meios de repressão num estabelecimento que podia acomodar até 1500 quarentenários por vez (SANTOS, 2009, p. 74, 75, 77, 83).

Após a Proclamação da República, o lazareto continuou em funcionamento, sendo mantido seu primeiro regulamento aprovado pela decisão n. 114, em 5 de novembro de 1886.


Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
6 out. 2014


Bibliografia

BRASIL. Lei n. 3.228, de 3 de setembro de 1884. Autoriza o Ministério dos Negócios do Império a despender até a quantia de 500:00$000 com medidas preventivas contra a invasão do Cólera-Morbus no Império. Coleção das leis do Império do Brasil, parte 1, p. 4, 1885.

____. Decreto Legislativo n. 3.271, de 28 de setembro de 1884. Determina que as leis n. 3.229 e 3.230, de 3 de setembro de 1884, que orçam a receita e fixam a despesa geral do Império para o exercício de 1884-1885, continuem em vigor durante o exercício de 1885-1886, com diversas alterações. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 20, 1886a.

____. Decreto n. 9.535, de 12 de dezembro de 1885. Eleva a 1.322:817$425 os créditos extraordinários, na importância de 850:000$, concedidos ao Ministério dos Negócios do Império pela lei n. 3.228, de 3 de setembro de 1884, e decreto legislativo n. 3.271, de 28 de setembro do corrente ano. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 790-791, 1886b.

____. Decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro de 1886. Reorganiza o serviço sanitário do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 57-103, 1886c.

____. Decisão n. 114, em 5 de novembro de 1886. Aprova o projeto de regimento interno do Lazareto da Ilha Grande. Coleção das decisões do Governo do Império do Brasil, p. 86-95, 1886d.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 2ª sessão da 20ª legislatura. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887. Disponível em:<https://goo.gl/B1QpbV>. Acesso em: 5 set 2014.

BARBOSA J. Plácido; REZENDE, Cassio Barbosa. (org.). Os serviços de saúde pública no Brasil especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907: esboço histórico e legislação. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909.

SANTOS, Myrian Sepúveda dos. Lazareto da Ilha Grande: isolamento, aprisionamento e vigilância nas áreas de saúde e política (1884-1942). História, Ciência, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 1173-1196, out.-dez. 2007. Disponível em: <https://goo.gl/g1MbzW>. Acesso em: 27 jan. 2014.

____. Os porões da república: a barbárie nas prisões da Ilha Grande: 1894-1945. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 4T – Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR AN,RIO BF – Série Saúde – Higiene e Saúde Pública – Instituto Oswaldo Cruz (IS4)


Referência da imagem

J. Plácido Barbosa; Cassio Barbosa Rezende. (org.) Os serviços de saúde pública no Brasil especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907: esboço histórico e legislação. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. OR_4498