"Não mais febre amarela! Está descoberto o bicho!" capa do jornal O Mosquito, 1876.
"Não mais febre amarela! Está descoberto o bicho!" capa do jornal O Mosquito, 1876.

Criada pelo decreto n. 598, de 14 de setembro de 1850, a Junta de Higiene Pública tinha por atribuição propor o que fosse necessário para a salubridade nas cidades, bem como indicar medidas que se convertessem em posturas municipais e exercer a polícia médica nas visitas às embarcações, boticas, lojas de drogas, mercados, armazéns e em todos os lugares, estabelecimentos e casas que pudessem provocar dano à saúde pública.

A salubridade do Rio de Janeiro esteve no centro do debate médico-científico, especialmente a partir de 1849, quando irrompeu o primeiro surto de febre amarela. A partir dessa data, a febre acometeria a cidade e outras províncias do Império de forma recorrente, somando-se a outras epidemias que se manifestavam ciclicamente, como a varíola.

À avaliação da precariedade do quadro sanitário do Rio de Janeiro somava-se, como motivo para as epidemias, a alteração nos serviços de fiscalização do exercício das artes de curar e da inspeção sobre a saúde pública, com a extinção dos cargos de físico-mor, cirurgião-mor e provedor-mor pela lei de 1º de outubro de 1828. Com a transferência dessas funções para as Câmaras Municipais, sob um novo arranjo político em que a ampliação de suas atribuições não se fez acompanhar pelo aumento de receitas, verificou-se a desorganização dos já reduzidos serviços voltados para a saúde pública e a polícia médica.

Essa situação foi revista pelo decreto n. 273, de 25 de fevereiro de 1843, que reorganizou a Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Por esse decreto, os negócios relativos a saúde, instrução, obras públicas, polícia civil e caridade eram conferidos à 2ª Seção dessa secretaria, que ficava responsável pela vacinação e pelas inspeções de saúde na Corte e províncias. Mas foi a epidemia de febre amarela que suscitou a aprovação pelo decreto n. 598, de 14 de setembro de 1850, de um crédito extraordinário para ser despendido exclusivamente na melhoria da salubridade da capital. Nesse sentido foi estabelecida uma comissão composta por oficiais do Corpo de Engenheiros para responder pelas propostas de saneamento e melhoramento urbano, e criada a Junta de Higiene Pública, que incorporou a Inspeção de Saúde dos Portos, criada em 1829, e o Instituto Vacínico do Império, criado em 1846.

Mantinham-se as instruções para o funcionamento desses órgãos, circunscritas as alterações à subordinação à Junta Central, na Corte, ou às Comissões de Higiene, nas províncias, que detinham o poder de deliberar sobre os meios necessários para a polícia sanitária dos portos e sobre as medidas para a regularidade da vacinação. Conforme o regulamento, onde não houvesse comissão constituída, a autoridade sanitária seria o provedor de saúde, que, em caso de ocorrência de doenças infecciosas, comunicava ao presidente de província, que nomearia comissão extraordinária. Os fiscais das Câmaras Municipais passavam a executar suas funções sob as ordens da Junta de Higiene e de seus delegados.

Esse caráter de órgão central da junta fica evidente no regulamento aprovado pelo decreto n. 828, de 29 de setembro de 1851, que alterou sua denominação para Junta Central de Higiene Pública. De acordo com o regulamento, as sessões da Junta Central e das comissões de higiene seriam feitas nas Câmaras Municipais, ao menos uma vez por semana, ou quando o serviço público ou a Junta Central o exigisse. O órgão tinha autoridade imediata sobre o município da Corte e a província do Rio de Janeiro. Nas províncias do Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul seriam constituídas comissões de higiene pública, e nas outras províncias somente provedores de saúde pública. As comissões seriam compostas de três membros, nomeados pelo governo imperial, que indicava ainda o seu presidente e os provedores designados pelos presidentes de província.

As comissões seriam integradas pelos comissários vacinadores, os provedores de saúde dos portos e os delegados do cirurgião-mor do Exército – onde houvesse – e os provedores seriam escolhidos dentre esses profissionais. O governo central e as províncias poderiam ainda nomear delegados de saúde pública em caso de reconhecida necessidade, sob proposta da junta e das comissões de higiene. As comissões e os provedores deveriam enviar à Junta Central todos os anos, até o fim de janeiro, um relatório do estado sanitário das respectivas províncias, que seria remetido ao governo.

Para o exercício legal das chamadas ‘artes de curar’, era necessário que os médicos, cirurgiões, boticários, dentistas e parteiras fizessem matrícula na junta, no caso da Corte, e nas comissões, nas províncias, sendo necessário possuir título conferido pelas escolas de medicina do Brasil ou, no caso dos formados em escolas estrangeiras, validar seus diplomas conforme disposto no regulamento. Assim, as Câmaras Municipais perdiam a prerrogativa de conferir matrícula a esses profissionais, conferida pela lei de 1º de outubro de 1828.

Em 1857 o regulamento da Junta Central foi alterado pelo decreto n. 2.052, de 12 de dezembro, que transferiu para o presidente do órgão as atribuições de investigar as causas da insalubridade e o curso das moléstias, bem como inspecionar e visitar os locais de manipulação de remédios ou quaisquer outras substâncias que servissem para a alimentação e pudessem causar danos à saúde, examinar as localidades das fábricas cujos trabalhos fossem nocivos à saúde, fiscalizar as fábricas de águas minerais e proceder à matrícula dos droguistas. O presidente da junta ficava ainda afastado da comissão de direção do Hospital Marítimo de Santa Isabel, criado em 1853 para o tratamento dos acometidos por doenças infecciosas que aportassem no Rio de Janeiro, cuja presidência passava para o provedor de saúde do porto. Ficavam ainda extintas as comissões de higiene pública, cujas tarefas foram transferidas para o inspetor de saúde pública, cargo que passou a ser criado em cada província. Somente em casos extraordinários os presidentes de província poderiam nomear comissões que auxiliassem na adoção de medidas que a saúde pública pudesse exigir.

O decreto n. 6.378, de 15 de novembro de 1876, mandava executar provisoriamente medidas concernentes ao melhoramento sanitário da cidade do Rio de Janeiro, a partir de parecer da comissão especial nomeada para indicar as providências necessárias para conter o avanço da febre amarela. Por esse ato a Junta Central de Higiene teria o auxílio de médicos efetivos e adjuntos nomeados para as freguesias da cidade, além de aumentado o número de ajudantes do inspetor de saúde do porto. Ficava estabelecido ainda um lazareto flutuante provisório, instalado num navio ancorado na enseada de Jurujuba, destinado à quarentena dos passageiros procedentes de portos onde houvesse a ocorrência da febre amarela, cólera ou peste. Tais medidas seriam extensivas às províncias de Bahia, Pernambuco, Maranhão, Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul.

Duas novas epidemias de febre amarela castigaram a cidade do Rio de Janeiro, o que mais uma vez impôs o debate sobre a salubridade da cidade. Resultado dessa conjuntura foi o decreto n. 6.406, de 13 de dezembro de 1876, que expediu novas instruções para os serviços sanitários na cidade e no porto do Rio de Janeiro. O trabalho a cargo da Junta Central de Higiene Pública foi dividido em áreas específicas, sendo o presidente responsável pela primeira área e por designar a atribuição dos outros integrantes. A divisão ficava da seguinte forma: 1º, estudo das epidemias, moléstias reinantes e epizootias, e dos meios de preveni-las e combatê-las; 2º, inspeção das bebidas e dos gêneros alimentícios expostos à venda; bem como dos estabelecimentos e casas onde fossem fabricados, preparados, ou vendidos; 3º, estudo sobre as condições higiênicas dos edifícios públicos e particulares que se construíssem; 4º, administração de socorros médicos à pobreza; 5º, vigilância sobre a higiene dos quartéis, arsenais, asilos e outros estabelecimentos públicos, e a inspeção sanitária dos cemitérios e depósitos de cadáveres.

A cidade e as paróquias urbanas foram divididas em distritos, sob a responsabilidade do médico efetivo da área, cuja direção ficava sob o encargo dos membros da junta. Os postos vacínicos das freguesias urbanas foram extintos, passando a função de vacinação e revacinação para os médicos efetivos da paróquia.

Um novo regulamento para o serviço de saúde publica foi expedido pelo decreto n. 8.387, de 19 de janeiro de 1882, e alterou a organização e o funcionamento da Junta Central, que passou a ser composta por nove membros efetivos, compreendidos o presidente, o vice-presidente, o inspetor de saúde do porto e dois químicos, além de membros honorários em número ilimitado e sete adjuntos. Eram membros honorários o diretor da Faculdade de medicina do Rio de Janeiro, os lentes de higiene, medicina legal e farmacologia da mesma faculdade e os cirurgiões-mores do Exército e da Armada. Os membros adjuntos deveriam ser o presidente da Câmara Municipal, o capitão do porto, o chefe de polícia e os inspetores das obras públicas e da Alfândegas, além de um engenheiro arquiteto e um veterinário que a junta poderia convidar para auxiliar. Para execução dos trabalhos, a junta contava com um lugar de organizador da estatística demógrafo-sanitária, que deveria ser médico; dois farmacêuticos, que tomariam parte na inspeção das boticas e drogarias; um secretário, doutor em medicina; um oficial da secretaria; três amanuenses; um porteiro e um ajudante e dois serventes. Nas províncias, a Junta de Higiene seria composta por três membros nomeados pelo presidente de província, da qual faria parte o inspetor de saúde do porto.

O regulamento criou ainda uma comissão de higiene pública em cada uma das paróquias do município da Corte, uma junta na capital de cada uma das províncias do Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, ficando estabelecido o cargo de inspetor de higiene pública nas províncias restantes. Nos municípios e paróquias das províncias poderiam também se constituir comissões semelhantes às da Corte ou delegados das juntas ou dos inspetores de higiene. A autoridade da Junta Central seria exercida de forma imediata no município do Rio de Janeiro por intermédio das comissões sanitárias e, nas províncias, pelas estruturas que fossem organizadas. Nas províncias, as juntas e os inspetores teriam atribuições análogas às da Junta Central, orientando-se por seu regulamento.

As comissões sanitárias do município da Corte seriam integradas por membros efetivos e adjuntos, médicos nomeados pelo governo a partir de uma lista apresentada pela Junta Central. Compunham as comissões nas paróquias urbanas: um membro efetivo na Candelária, Lagoa, Gávea e Engenho Novo; dois no Sacramento, S. José, Santo Antônio, Espírito Santo, Engenho Velho e São Cristóvão; três em Santa Rita, Sant’Anna e Glória. O número dos membros adjuntos seria o dobro do dos efetivos.

Nas paróquias suburbanas as comissões eram constituídas por um membro efetivo e dois adjuntos. Nas províncias, as comissões sanitárias seriam compostas de um membro efetivo e um ou dois adjuntos, ou de dois efetivos e dois adjuntos, conforme a importância das paróquias onde servissem.

O regulamento não alterava o serviço de vacinação, que continuava a cargo do Instituto Vacínico, executado segundo o regimento em vigor. Ficava alterada apenas a estrutura do órgão, já que o lugar de inspetor-geral do instituto ficava extinto, cabendo a direção do órgão a um dos membros efetivos da Junta Central de Higiene Pública, que teria o título de inspetor de vacinação. No caso da Inspeção de Saúde dos Portos e de seu inspetor, as funções não sofreriam alterações, continuando a reger-se pelo seu regimento específico.

Confirmando a tendência de centralização político-administrativa ao longo do Segundo Reinado, o decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro de 1886, realizou a última grande reforma nos serviços sanitários do Império. O ato criou um Conselho Superior de Saúde Pública, presidido pelo secretário e ministro dos Negócios do Império, e extinguiu a Junta Central de Higiene Pública e seus órgãos subordinados. Com essa reorganização, a nova estrutura passava a compreender o serviço sanitário terrestre, de competência da Inspetoria-Geral de Higiene, responsável pelas atividades de propagação da vacina, e o serviço sanitário dos portos, então a cargo da Inspetoria-Geral de Saúde dos Portos.

 

Dilma Cabral
17 nov. 2014

 

Bibliografia
BRASIL. Decreto n. 598, de 14 de setembro de 1850. Concede ao Ministério do Império um crédito extraordinário de duzentos contos para ser exclusivamente despendido no começo de trabalhos, que tendam a melhorar o estado sanitário da capital e de outras províncias do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 299-301, 1851.

____. Decreto n. 828, de 29 de setembro de 1851. Manda executar o Regulamento da Junta de Higiene Pública. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 259, 1852.

____. Decreto n. 2.052, de 12 de dezembro de 1857. Aprova o Regulamento desta data pelo qual se alteram algumas disposições da Junta Central de Higiene Pública de 29 de setembro de 1851. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 492-495, 1857.

____. Decreto n. 6.378, de 15 de novembro de 1876. Manda executar provisoriamente medidas tendentes ao melhoramento do serviço sanitário em diversos portos e cidades marítimas do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 1137, 1876.

____. Decreto n. 6.406, de 13 de dezembro de 1876. Manda observar instruções relativas ao serviço sanitário. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 1243, 1876.

____. Decreto n. 8.387, de 19 de janeiro de 1882. Manda observar o Regulamento para o serviço da saúde pública. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, v. 1, p. 97, 1883.

____. Decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro de 1886. Reorganiza o serviço sanitário do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 57-103, 1886.

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996. 2.a ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

PIMENTA, T. S. Transformações no exercício das artes de curar no Rio de Janeiro durante a primeira metade dos Oitocentos. Hist. cienc. saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, sup. 1, p. 67-92. 2004.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR AN,RIO 1R – Conselho de Estado
BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 25 – Decretos S/N
BR AN,RIO 99 – Série Fazenda – Administração (IF2)
BR AN,RIO AD – Série Interior – Saneamento Básico: Esgoto e Chafarizes (IJJ15)
BR AN,RIO BE – Série Saúde – Gabinete do Ministro (IS1)
BR AN,RIO BF – Série Saúde – Higiene e Saúde Pública – Instituto Oswaldo Cruz (IS4)


Referência da imagem
O MOSQUITO: jornal caricato e crítico. Rio de Janeiro: Typ. Fluminense, 1876, n. 364, v. 8. J 350