O Conselho Florestal Federal foi criado pelo decreto n. 23.793, de 23 de janeiro de 1934, que aprovou o primeiro Código Florestal brasileiro. O órgão, subordinado ao Ministério da Agricultura, tinha como atribuições orientar as autoridades sobre a aplicação dos recursos do fundo florestal; promover e zelar pela fiel observância da legislação florestal; resolver os casos omissos do código e propor alterações; promover a cooperação dos poderes públicos, instituições e particulares na obra de conservação das florestas; difundir a educação florestal; instituir prêmios de animação à silvicultura e por serviços prestados à proteção das florestas; promover eventos, entre outros (Brasil, 1934a).
O governo de Getúlio Vargas, iniciado após um golpe, que ficou conhecido como Revolução de 1930, congregava diferentes grupos e projetos para o país que se contrapunham à política então vigente, voltada predominantemente para os interesses oligárquicos, sobretudo, dos cafeicultores paulistas. A crise política que marcou o final da década de 1920, somada ao impacto provocado pela queda da Bolsa de Nova Iorque, que atingiu o principal produto de exportação do país, abriu espaço para a defesa de um Estado centralizador e intervencionista, capaz de promover o desenvolvimento por meio da diversificação econômica e da industrialização (Draibe, 2004; Bercovici, 2020).
Logo nos primeiros anos de seu governo, observou-se uma crescente expansão da máquina administrativa, com a criação dos ministérios da Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio, e a regulamentação de diversos serviços de utilidade pública relativos à vida econômica (Draibe, 2004, p. 83). Em dezembro de 1930, foi instituída a Comissão Legislativa, no âmbito do Ministério de Justiça e Negócios Interiores, encarregada do estudo e redação de projetos e da reforma de dispositivos legais que favorecessem as transformações políticas e econômicas pretendidas. Tal comissão era constituída por subcomissões destinadas à revisão ou elaboração dos códigos Civil, Eleitoral, Comercial, de Minas, de Águas, Florestal, entre outros.
Um dos primeiros trabalhos concluídos foi o Código Florestal, que pode ser entendido como parte do esforço do Estado em busca da modernização da produção e do controle e ordenamento do próprio território (Carvalho, 2016, p. 422). Além do interesse em regulamentar o uso dos recursos considerados essenciais ou estratégicos, a aprovação deste código também refletiu os debates relacionados às questões ambientais que ganharam destaque nas primeiras décadas do século XX.
A atenção dedicada ao tema resultou, em grande parte, da intensificação do processo de desflorestamento, principalmente nos estados das atuais regiões Sudeste e Sul, consequência da prática das queimadas para plantação de cafezais, da construção de ferrovias e das transformações decorrentes da expansão da urbanização e do incremento da industrialização no país (Dean, 2010, p. 206). Soma-se a isso a divulgação de pesquisas sobre os danos provocados pela destruição de florestas e de experiências realizadas em outros países. Dentre essas, sobressai-se a criação do Serviço Florestal norte-americano, em 1905, sob o comando de Gifford Pinchot, que preconizava um conjunto de ideias, conhecido como conservacionismo, que assinalava a importância da conservação das fontes naturais para a manutenção da vida de uma nação, preocupando-se com aspectos como produção de lenha, garantia de acesso à água potável e irrigação (Hansen, 2023, p. 446). Além do conservacionismo, outra corrente que circulava no país era o preservacionismo, que embasou a criação dos primeiros parques nacionais nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX.
No início do século XX, várias vozes nos meios políticos e científicos se manifestaram em defesa da proteção da natureza, denunciando a destruição ambiental e dos recursos naturais. Dentre esses nomes, vale mencionar o do ex-ministro da Justiça e Negócios Interiores, Alberto Torres. Ainda nesse período, foram observadas diversas iniciativas, como a aprovação dos códigos florestais dos estados do Paraná e Sergipe, em 1907 e 1913, respectivamente (Antunes, 2021, p. 97). No plano federal, foi estabelecido o Serviço Florestal do Brasil pelo decreto legislativo n. 4.421, de 28 de dezembro de 1921, a partir de uma perspectiva conservacionista. Tal perspectiva aparecia expressa na ideia de preservação de florestas para a defesa da salubridade e o aumento da riqueza pública, garantia da pureza dos mananciais de água, diminuição dos efeitos negativos dos agentes atmosféricos, como erosões, entre outros (Serviço..., 2019).
No contexto de reformulação do Ministério da Agricultura no governo de Getúlio Vargas, o Serviço Florestal passou por modificações, e foi extinto pelo decreto n. 22.380, de 20 de janeiro de 1933, tendo grande parte de suas funções transferidas para a 3ª Seção Técnica – Essências Florestais, da Diretoria do Fomento e Defesa Agrícolas. No início da década de 1930, também foram fundadas duas importantes organizações privadas, que atuaram em defesa de uma legislação de proteção à natureza e se engajaram em uma série de ações políticas: a Sociedade dos Amigos das Árvores e a Sociedade de Amigos de Alberto Torres (Andrade Júnior, 2023).
Essas organizações tiveram papel de relevo na elaboração do Código Florestal de 1934, que evidenciava uma concepção conservacionista e a ideia de que a modernização do país e sua consolidação como nação passariam, necessariamente, pela manutenção dos recursos florestais (Antunes, 2021, p. 112). Apoiado em uma visão utilitária, o código classificou as florestas em protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento. Para sua exploração foi fixada uma série de regras, sendo estabelecida uma dissociação entre a propriedade privada da terra e os direitos de uso da flora nativa. O código também instituiu uma polícia florestal; definiu os crimes e contravenções florestais e suas respectivas penalidades; e criou o Fundo Florestal e o Conselho Florestal Federal (Brasil, 1934a).
Além do Código Florestal, outros códigos aprovados em 1934, como o de Caça e Pesca, o das Águas e o de Minas, foram importantes para a construção de um arcabouço legal necessário para exploração e conservação de recursos naturais do país. A Constituição promulgada em julho daquele ano tratou da questão, definindo como competência concorrentemente da União e dos estados a proteção das belezas naturais e dos monumentos de valor histórico ou artístico (Brasil, 1934b). Tal dispositivo foi ampliado na Constituição outorgada em 1937, no período do Estado Novo, que determinou que os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como as paisagens ou os locais “dotados pela natureza”, fossem protegidos e recebessem cuidados especiais da nação, dos estados e dos municípios, fixando que os atentados contra eles seriam equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional (Brasil, 1937).
O Conselho Florestal instituído em 1934 era formado por representantes de instituições públicas e privadas como o Museu Nacional, o Jardim Botânico, a Universidade do Rio de Janeiro, o Serviço do Fomento da Produção Vegetal, o Touring Clube do Brasil, o Departamento Nacional de Estradas, o Serviço de Florestas ou de Matas do Distrito Federal e até quatro pessoas de notória competência. Além disso, contava com um secretário para a execução dos trabalhos administrativos. Essa composição foi mantida até 1942, quando o decreto-lei n. 4.135, de 26 de fevereiro, incluiu o diretor do Serviço Florestal, recriado em 1938. A presença do Touring Clube do Brasil, organização particular voltada para fomentar o turismo e a circulação de automóveis, explica-se, em parte, pela atuação de seus guias, que foram identificados como guardas florestais durante os primeiros anos de funcionamento do Serviço Florestal (Dean, 1995, p. 110).
O órgão foi instalado em julho de 1934, realizando reuniões mensais. Funcionou como espaço de debates sobre assuntos referentes à “causa florestal” e apoiou a criação de conselhos florestais regionais, alcançando êxito nos estados do Amazonas, Sergipe, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. Também concentrou esforços na ação educativa, a partir da publicação de trabalhos sobre temas como a arborização das estradas de rodagem e a utilidade das florestas. Nessa direção, promoveu a organização de premiações, festividades e congressos científicos, e de campanhas contra os balões, que eram comumente responsáveis por incêndios florestais. Outras ações foram voltadas para a defesa da conservação das matas na estrada de ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis e criação de parques nacionais seguindo o modelo norte-americano (Sales, 1945, p. 241; Silva, 2017, p. 5). O primeiro parque nacional estabelecido foi o do Itatiaia, em 1937, compreendendo áreas localizadas nos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Em 1939, mais dois parques foram instituídos, o do Iguaçu, no Paraná, e o da Serras dos Órgãos, no Rio de Janeiro, ambos de 1939.
Apesar de representar um marco na trajetória das políticas relativas à proteção da natureza, a atuação do Conselho Florestal Federal e o cumprimento do Código Florestal ficaram limitados devido à precariedade dos recursos materiais. A polícia florestal prevista não conseguiu ser implantada nesse período e poucos proprietários solicitavam a licença da autoridade florestal competente para cortar árvores em florestas protetoras ou remanescentes existentes em seus domínios. Além disso, a vasta extensão do país dificultava um trabalho mais efetivo de fiscalização (Sales, 1945, p. 233; Dean, 2010, p. 277). A despeito dos obstáculos enfrentados, o órgão teve uma trajetória longeva e passou por transformações, sendo extinto em 1967, dois anos após a instituição no novo Código Florestal no período da ditadura militar.
Angélica Ricci Camargo
Jan. 2025
Fontes e bibliografia
ANDRADE JÚNIOR, José Roberto Porto de. Código Florestal de 1934: aprovação legislativa e inefetividade. Revista Pensamiento Penal, Bueno Aires (Argentina), n. 487, p. 1-25, 2023. Disponível em: https://shre.ink/bFcG. Acesso em: 30 dez. 2024.
ANTUNES, Tayla. 1934, um ano decisivo para a legislação florestal brasileira. Faces da História, Assis, v. 8, n. 1, p. 93-117, 2021. Disponível em: https://shre.ink/bFcA. Acesso em: 2 jan. 2025.
BERCOVICI, Gilberto. A questão agrária na Era Vargas (1930-1964). História do Direito: Revista do Instituto Brasileiro de História do Direito, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 183-226, jul./dez. de 2020. Disponível em: https://shre.ink/8FRp. Acesso em: 27 mar. 2024.
BRASIL. Constituição Federal de 16 de julho de 1934. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934b. Seção 1.
BRASIL. Constituição Federal de 10 de novembro de 1937. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 10 nov. 1937. Seção 1, p. 22.359.
BRASIL. Decreto n. 23.793, de 23 de janeiro de 1934. Aprova o código florestal que com este baixa. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 9 fev. 1934a. Seção 1, p. 2.882-2.887.
CARVALHO, Ely Bergo de. O Código Florestal brasileiro de 1934: a legislação florestal nas disputas pelo território, um estudo de caso. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 43, p. 417-442, jul. 2016. Disponível em: https://shre.ink/bFcb. Acesso em: 3 jan. 2025.
DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
DEAN, Warren. A conservação das florestas no Sudeste do Brasil, 1900-1955. Revista de História, São Paulo, v. 133, p. 103-115, 1995.
DRAIBE, Sonia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do Estado e as alternativas da industrialização no Brasil (1930-1960). 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
HANSEN, Thiago. O “Problema florestal brasileiro” e as bases históricas da constitucionalização da proteção à natureza. Historia Constitucional, [s.l.], n. 24, p. 443-463, 2023. Disponível em: https://shre.ink/bFcT. Acesso em: 30 dez. 2024.
SALES, Apolônio. O Ministério da Agricultura no governo de Getúlio Vargas (1930-1944). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação do Ministério da Agricultura, 1945.
SERVIÇO Florestal do Brasil. In: DICIONÁRIO da administração pública brasileira da Primeira República (1889-1930), 2019. Disponível em: https://shre.ink/bF2O. Acesso em: 30 dez. 2024.
SILVA, Filipe Oliveira da. O Conselho Florestal Federal: um parecer de sua configuração institucional (1934-1967). Historia Ambiental Latinoamericana Y Caribeña (HALAC), [s.l.], v. 7, n. 2, p. 101-129, 2018. Disponível em: https://shre.ink/bFcQ. Acesso em: 2 jan. 2025.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_EH Agência Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_35 Gabinete Civil da Presidência da República
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Agência Nacional, BR_RJANRIO_EH_0_FOT_EVE_02794_D0006DE0008