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Delegacia Fiscal de São Pedro do Rio Grande do Sul

Publicado: Quinta, 03 de Março de 2022, 10h13 | Última atualização em Segunda, 04 de Dezembro de 2023, 16h50 | Acessos: 938
Centro de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, s.d.
Centro de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, s.d.

A Delegacia Fiscal de São Pedro do Rio Grande do Sul, atual Rio Grande do Sul, foi criada pelo decreto n. 196, de 1º de fevereiro de 1890, com a finalidade de reprimir o contrabando. Subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, posteriormente denominada de Ministério da Fazenda, era composta por um delegado, dois auxiliares de escrita e uma polícia fiscal, organizada militarmente.

De acordo com o Código Criminal do Império e com o Código Penal aprovado no início da República, o contrabando compreendia tanto a importação ou exportação de gêneros ou mercadorias proibidos, como o não pagamento dos direitos de importação ou exportação dos produtos permitidos (Flores, 2012, p. 130-131). Tal prática era muito comum nessa região desde o período colonial. A longa extensão de suas fronteiras com os territórios da América espanhola, que dariam origem às repúblicas do Uruguai e da Argentina, e as proximidades culturais e econômicas facilitavam a circulação de produtos mais baratos de um país para o outro, ao mesmo tempo que tornavam difícil sua fiscalização (Axt, 2002, p. 1; Flores, 2012, p. 78). Fatores ligados a conjunturas específicas, como secas ou guerras, bem como a capacidade do sistema de transporte ou o regime de tarifas, também interferiam nessa dinâmica comercial, estimulando ou reduzindo o movimento nas fronteiras (Flores, 2012, p. 132; Axt, 2002, p. 5). Destaca-se, ainda, que o foco de interesse sofreu alterações ao longo do tempo. Se na época colonial os principais itens contrabandeados eram as mulas e os couros, no século XIX os produtos manufaturados europeus ganharam importância no comércio ilegal (Flores, 2012, p. 130).

O problema, que acarretava grandes prejuízos aos cofres públicos e aos comerciantes das praças litorâneas do estado, constituiu-se como objeto de atenção das autoridades, refletindo na própria organização da administração fazendária nesse território (Axt, 2002, p. 2). No final do século XIX, havia, em São Pedro do Rio Grande do Sul, três alfândegas, Rio Grande, Porto Alegre e Uruguaiana, e um número expressivo de mesas de rendas se comparado com o das outras províncias (Flores, 2012, p. 143; Brasil, 1876, p. 798-862).

Logo após a Proclamação da República, o assunto voltou à pauta com o decreto n. 196, que estabeleceu a Delegacia Fiscal de São Pedro com o fim de superar a “fraqueza e inércia criminosa dos passados governos” (Brasil, 1890, p. 248), causadora de muitos danos para a cobrança das rendas fiscais, importante fonte de orçamento do Estado.

De acordo com o decreto, ao delegado cabia a superintendência geral da administração fiscal, a criação de postos fiscais nos lugares considerados convenientes, o julgamento em segunda instância dos processos de contrabando, entre outras atribuições. A polícia fiscal seria formada por um comandante com a graduação de capitão, seis oficiais comandantes dos postos fiscais com a graduação de alferes, dez inferiores com a graduação de sargento, 150 praças de cavalaria e dez fiscais paisanos.

Além de conter disposições para a instalação da delegacia, o decreto mencionado equiparou o crime de contrabando ao de moeda falsa, sujeitando-o ao mesmo processo definido pelo Código Criminal, e explicitou procedimentos para o julgamento, o leilão dos objetos apreendidos, entre outros aspectos.

O decreto n. 196 sofreu alterações ainda em 1890, pelo decreto n. 805, de 4 de outubro. Este último determinou que a pena para os crimes de contrabando seria de dois a oito anos de prisão com trabalho no presídio de Fernando de Noronha, perda das mercadorias e multa correspondente à metade do seu valor. O ato também instituiu as zonas fiscais previstas na legislação alfandegária e extinguiu as mesas de rendas de Bagé, Alegrete e Dom Pedrito, criando coletorias nessas cidades.

O estabelecimento das zonas fiscais gerou muitas reclamações dos comerciantes das fronteiras, que viram em tal iniciativa um ataque à liberdade de comércio. Ao mesmo tempo, esta medida foi bem recebida pelos negociantes do litoral, e resultou na elevação da renda das alfândegas (Brasil, 1892, p. 111-112).

Como forma de contornar esses descontentamentos, o governo federal aboliu as zonas fiscais pelo decreto n. 590, de 17 de outubro de 1891. No entanto, foram introduzidas as guias para o trânsito das mercadorias despachadas, que se constituíram como um novo obstáculo à liberdade de comércio (Axt, 2002, p. 3). Por esse ato, a estrutura da delegacia foi reformulada, e divididos seus trabalhos por cinco seções, sediadas em Itaqui, Livramento, Quaraí, São Borja e Uruguaiana.

Apesar das tentativas de incremento da estrutura de repressão, as repartições aduaneiras e os serviços fiscais encontravam-se pouco aparelhados para o exercício de suas funções, sem contar os casos em que os próprios funcionários eram coniventes com as práticas danosas ao erário (Axt, 2002, p. 4). Esse quadro foi agravado no contexto do movimento insurrecional conhecido como Revolução Federalista (1893-1895), que envolveu a disputa dos grupos federalistas e republicanos por reformas políticas no Rio Grande do Sul (Axt, 2002, p. 4).

Em 1897, a repartição foi recriada pelo decreto n. 2.431, de 8 de janeiro, com a denominação de Delegacia Especial do Ministério da Fazenda no Estado do Rio Grande do Sul, distinguindo-se, portanto, da Delegacia Fiscal do Tesouro Federal instituída pelo decreto n. 2.309, de 16 de julho de 1896, e responsável pela administração fazendária federal no âmbito do estado. Segundo o decreto n. 2.431, a delegacia especial teria jurisdição sobre toda a fronteira do Brasil com as repúblicas Oriental do Uruguai e Argentina, e nos vales dos rios Ibicuí, Santa Maria e Uruguai, com a competência de impedir a entrada de mercadorias sujeitas a impostos aduaneiros sem o despacho efetuado pelas alfândegas ou repartições competentes. O ato também definiu mudanças na estrutura da delegacia, que passou a ser formada por um delegado, um amanuense, oito fiscais, dez sargentos e 225 guardas, modificada logo em seguida pelo decreto n. 2.459, de 12 de fevereiro, que extinguiu os lugares de amanuense e fiscais, instituindo os cargos de ajudante e de secretário.

Dois anos depois, os governos federal e do Rio Grande do Sul assinaram um convênio, aprovado pelo decreto n. 3.305, que transferiu para o estado o serviço de repressão ao contrabando, ficando o delegado fiscal do Tesouro Nacional encarregado das funções do delegado especial, relativas ao serviço interno das repartições de julgamento de processos de primeira instância.

O convênio foi encerrado em 1910, pelo decreto n. 7.865, de 17 de fevereiro, que ordenou o retorno do serviço para a esfera do governo federal. A delegacia especial foi restabelecida com a mesma estrutura disposta pelos decretos de 1897, com o acréscimo de oito fiscais de charqueadas. Ainda em 1910, o decreto n. 7.964, de 22 de abril, criou postos fiscais em Itaqui, Jaguarão, Livramento, Quaraí, São Borja e Uruguaiana, sujeitos à delegacia especial.

Um novo regulamento foi aprovado pelo decreto n. 10.037, de 6 de fevereiro de 1913, que incrementou a estrutura do órgão, a partir da criação de três cargos de subdelegados, dez auxiliares e seis revisoras, incumbidas de revistar as mulheres suspeitas de transportarem contrabando, prática que era bastante comum (Axt, 2002, p. 8). Além disso, o ato dobrou o número de guardas que compunham a força repressiva.

O decreto também previu que o cargo de delegado especial fosse acumulado pelo delegado fiscal do Tesouro Nacional, e dispôs sobre outras questões, tais como o trânsito das tropas de gado destinadas às charqueadas localizadas nas fronteiras, e as relações comerciais com os países limítrofes.

Em 1916, no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que exigiu medidas de contenção de despesas do governo federal, a delegacia especial foi extinta e suas atribuições foram absorvidas pela delegacia fiscal do Tesouro no Rio Grande do Sul, pelo decreto n. 12.328, de 27 de dezembro.

Angélica Ricci Camargo
Mar. 2020

 

Fontes e bibliografia

AXT, Gunter. A dimensão política e social do contrabando no Rio Grande do Sul. História em Revista (UFPel), Pelotas, v. 8, p. 1-20, 2002. Disponível em: https://bit.ly/3boogVO. Acesso em: 24 mar. 2020.

BRASIL. Decreto n. 6.272, de 2 de agosto de 1876. Reorganiza as alfândegas e mesas de rendas. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 798-862, 1876.

______. Decreto n. 196, de 1º de fevereiro de 1890. Cria uma delegacia fiscal para a repressão do contrabando no Estado de São Pedro do Rio Grande do Sul. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, p. 248-251, 1890.

______. Decreto n. 2.431, de 8 de janeiro de 1897. Cria uma Delegacia Especial do Ministério da Fazenda no Estado do Rio Grande do Sul. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 53-57, 1897.

______. Decreto n. 3.305, de 2 de junho de 1899. Aprova o convênio celebrado entre o ministro da Fazenda e o presidente do estado do Rio Grande do Sul. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 757, 1899.

______. Decreto n. 7.865, de 17 de fevereiro de 1910. Dá regulamento para o serviço de repressão do contrabando na fronteira do Rio Grande do Sul. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 172-182, 1910.

______. Decreto n. 10.037, de 6 de fevereiro de 1913. Dá novo regulamento para o serviço de repressão de contrabando na fronteira do Estado do Rio Grande do Sul. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 422-444, 1913.

______. Decreto n. 12.328, de 27 de dezembro de 1916. Dá novo regulamento para o serviço de repressão do contrabando na fronteira do estado do Rio Grande do Sul e na foz do Iguaçu, no Estado do Paraná. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 31 dez. 1916. Seção 1, p. 14.800.

______. Relatório apresentado ao vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos negócios da Fazenda Francisco de Paula Rodrigues Alves no ano de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892. Disponível em: https://bit.ly/2UfhJH5. Acesso em: 24 mar. 2020.

______. Relatório apresentado ao vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos negócios da Fazenda Felisbello Firmo de Oliveira Freire no ano de 1894. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894. Disponível em: https://bit.ly/3doSmKt. Acesso em: 24 mar.  2020.

FLORES, Mariana Flores da Cunha Thompson. Crimes de fonteira: a criminalidade na fronteira meridional do Brasil (1845-1889). Tese (Doutorado em História) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2012. Disponível em: https://bit.ly/2WAUglk. Acesso em: 24 mar. 2020.

LOVE, Joseph. O Rio Grande do Sul como fator de instabilidade na República Velha. In: FAUSTO, Boris (coord). História geral da civilização brasileira. t. III: O Brasil republicano. v. 8: Estrutura de poder e economia (1889-1930). 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 111-139.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã, BR_RJANRIO_PH_0_FOT_02736_107

 

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