Criado em 1886, pelo decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro, que reorganizou o serviço sanitário do Império, o Conselho Superior de Saúde Pública tinha por atribuição emitir parecer acerca das questões de saúde pública em que fosse consultado pelo governo.
A última grande reorganização dos serviços sanitários no país, a reforma Mamoré, procurava fazer frente ao estado sanitário do Rio de Janeiro, que, apesar dos esforços do governo, comprometia seu papel de sede do Império brasileiro. O regulamento anterior, aprovado pelo decreto n. 8.387, de 19 de janeiro de 1882, não havia alterado substancialmente a organização administrativa responsável pelo serviço de saúde pública. A Junta Central de Higiene Pública teve alterada sua composição e mantidas suas atribuições nas paróquias da Corte, e na capital das províncias de Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul foram criadas comissões de higiene pública. Nas províncias restantes ficava instituído o cargo de inspetor de higiene pública.
No relatório ministerial de 1885, o secretário de Estado dos Negócios do Império, Ambrósio Leitão da Cunha, o barão de Mamoré, manifestava preocupação com o reaparecimento da cólera na Europa e a presença da febre amarela no Rio de Janeiro, cuja proximidade com a estação mais quente poderia trazer graves consequências para a saúde pública. Além disso, apontava uma série de outros fatores que concorriam para agravar as precárias condições de salubridade da cidade, como a irregularidade na remoção do lixo e irrigação das vias públicas, a necessidade de aterramento de áreas pantanosas e valas, os cortiços e estalagens que se multiplicavam pela cidade (BRASIL, 1888, p. 85-110).
Se à Junta Central competiam amplas atribuições e uma alçada que se estendia da Corte às províncias, seu reduzido orçamento e pessoal limitaram sua atuação à cidade do Rio de Janeiro. E, ainda, a sobreposição de funções da junta e seus representantes nas províncias com as Câmaras Municipais, em especial na fiscalização das habitações populares, não raro criava conflitos entre autoridades administrativas. A constatação de tais dificuldades apontava para a urgente necessidade de reformar os serviços sanitários do Império, o que fora autorizado pela lei n. 3.271, de 28 de setembro de 1884.
Assim, a organização sanitária aprovada em 1886 extinguiu a Junta Central de Higiene Pública, substituindo-a pela Inspetoria-Geral de Saúde Pública, responsável pelo serviço sanitário terrestre, e tornou autônomas as Inspeções de Saúde dos Portos da Corte e províncias, encarregadas do serviço sanitário marítimo. Na Corte ficava instituído o Conselho Superior de Saúde Pública, órgão colegiado que reunia a representação das mais importantes autoridades administrativas e médico-científicas. Sua composição incluía o secretário de Estado do Império, como seu presidente, os inspetores-gerais de higiene e saúde dos portos, os cirurgiões-mores do Exército e da Armada, o diretor e os lentes de higiene e de farmacologia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, os presidentes da Câmara Municipal da Corte e da Academia Imperial de Medicina, o inspetor da Alfândegas, o inspetor-geral das obras públicas, dois engenheiros, designados pelo ministro do Império, e um delegado, que deveria ser médico da Santa Casa da Misericórdia.
O Conselho de Saúde deveria reunir-se uma vez por mês e, extraordinariamente, quando o secretário do Império determinasse. Ficava prevista ainda a publicação, ao fim de cada ano, das sinopses dos seus trabalhos, com o registro dos pareceres do conselho e as resoluções do governo com relação aos assuntos discutidos. Ainda em 1886, foram nomeados para o conselho os engenheiros Luiz Rafael Vieira Souto e Ernesto Marcos Tygna da Cunha e, pelo Conselho Provedor da Santa Casa de Misericórdia, o médico Augusto Ferreira dos Santos. O conselho foi instalado em reunião em 19 de março de 1886, ano em que houve convocação extraordinária para que desse parecer acerca das medidas concernentes à epidemia de coléra morbus que acometeu as cidades de Montevidéu e Buenos Aires.
O Conselho Superior de Saúde Pública logo após sua instalação dedicou-se ao estudo de um dos temas mais relevantes para as condições sanitária da cidade, a habitação das camadas populares. O conselho produziu recomendações para conter o aumento de moradias coletivas no centro urbano, os chamados cortiços, considerados em grande parte responsáveis pelas graves epidemias que se abatiam sobre o Rio de Janeiro, bem como a gradual ocupação dos morros no entorno do centro urbano. Ainda em 1886, o conselho também foi ouvido sobre a suspensão das medidas preventivas em relação à cólera, que havia estabelecido um cordão sanitário para os navios procedentes de Buenos Aires, Assunção e Montevidéu. Após o ano de 1886, não encontramos mais referências ao conselho na legislação ou nos relatórios ministeriais. Em 1890, pelo decreto n. 169, de 18 de janeiro, houve a constituição do Conselho de Saúde Pública, no âmbito da reorganização do serviço sanitário terrestre da República.
Dilma Cabral
Jun. 2019
Bibliografia
BRASIL. Decreto n. 8.387, de 19 de janeiro de 1882. Manda observar o Regulamento para o serviço da saúde pública. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, v. 1, p. 97, 1883.
____. Decreto n. 9.554, de 3 de fevereiro de 1886. Reorganiza o serviço sanitário do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 57-103, 1886.
____. Relatório de 1885 apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da vigésima legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios do Império Barão de Mamoré. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888.
Barbosa, J. Plácido; Rezende, Cassio Barbosa (org.). Os serviços de saúde pública no Brasil, especialmente na cidade do Rio de Janeiro de 1808 a 1907: esboço histórico e legislação. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909.
CONSELHO SUPERIOR DE SAÚDE PÚBLICA. Pareceres sobre os meios de melhorar as condições das habitações destinadas às classes pobres (apresentados pelos membros do Conselho Superior de Saúde Pública na sessão de 8 de julho de1886). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886.
SANTOS FILHO, Lycurgo de Castro. História da medicina no Brasil (do século XVI ao século XIX). São Paulo: Editora Brasiliense, 1947. 2v.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional:
BR AN,RIO 22 - Decretos do Executivo - Período Imperial
BR AN,RIO 23 - Decretos do Executivo - Período Republicano
BR AN,RIO 25 - Decretos S/N
Referência da imagem
Praia de d. Manuel. Ponte de desembarque. BUVELOT, Louis Abraham; MOREAU, Auguste. Rio de Janeiro pitoresco. São Paulo: Livraria Martins, 1943. LIV ACG13974
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Conselhos de Saúde Pública.