Constituição política do Império do Brasil [capa]. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.
Constituição política do Império do Brasil [capa]. Rio de Janeiro, 25 de março de 1824.

A primeira Constituição brasileira foi outorgada por d. Pedro I em 25 de março de 1824, e conferiu as bases da organização político-institucional do país independente. Em 1822 d. Pedro convocou uma assembleia constituinte com a tarefa de elaborar uma Constituição para o Brasil. Instalada em 3 de maio de 1823, a assembleia foi dissolvida pelo imperador em 12 de novembro deste mesmo ano, devido ao descontentamento de d. Pedro com as propostas de limitação de seus poderes e de definição das atribuições do Poder Executivo. A tarefa de elaborar uma constituição para o Brasil foi conferida, então, ao Conselho de Estado, tomando por base o projeto que esteve em discussão na assembleia constituinte que fora dissolvida.

Apoiada numa pluralidade de matizes teóricas, como a experiência constitucional da Espanha (1812) e da França (1814), bem como o pensamento político de Benjamin Constant, o modelo expresso na Constituição de 1824 resultou da tentativa de conciliar os princípios do liberalismo à manutenção da estrutura sócio-econômica e da organização política do Estado monárquico e escravocrata que emergira da Independência. A Constituição outorgada não apenas modelou a formação do Estado, como teve importante papel na garantia da estabilidade institucional necessária à consolidação do regime monárquico.

A Carta Magna definiu como forma de governo a monarquia hereditária, constitucional e representativa que, em acordo com os princípios liberais, tinha no imperador e na Assembleia Geral os representantes da ‘nação brasileira’. Foi estabelecido um governo unitário, onde os poderes concentravam-se no governo central, e o território brasileiro foi dividido em províncias, cujos presidentes subordinavam-se ao chefe do Poder Executivo, o imperador. Nas cidades e vilas o governo econômico e administrativo competia às câmaras, compostas por vereadores eleitos, cujas atribuições deveriam ser definidas por lei complementar (BRASIL. Constituição (1824), art. 167 e 169).

A Constituição definia juridicamente aqueles que usufruiriam a condição de cidadão, a quem ficava assegurada a inviolabilidade dos direitos civis e políticos, tendo por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade. Estava constitucionalmente assegurada a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, o direito à propriedade, a instrução primária gratuita, a independência do poder judicial, o fim do foro privilegiado, o acesso ao emprego público por mérito, entre outros direitos (BRASIL. Constituição (1824), Título VIII). Dentre os cidadãos, o texto constitucional incluiu os ingênuos e libertos nascidos no Brasil, os filhos de pai brasileiro, os ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior que fixassem domicílio no Império e os filhos de pai brasileiro em serviço em país estrangeiro, ainda que não se estabelecessem no Brasil, além de todos os nascidos em Portugal e suas possessões que residissem no país por ocasião da Independência (BRASIL. Constituição (1824), art. 6º).

O sistema eleitoral estabelecido pela Constituição baseou-se numa acepção de cidadania que distinguiu os detentores dos direitos civis dos que usufruíam também direitos políticos, os cidadãos ‘ativos’, que possuíam propriedade, dos ‘passivos’. As eleições seriam indiretas, ficando definidos dois tipos de eleitores, os de paróquia e os de província. Os eleitores de paróquia elegiam os de província, que votavam nos deputados à Assembleia Geral. A Constituição qualificou os eleitores, bem como os que poderiam ser votados, segundo o critério censitário. Podiam votar os maiores de vinte e cinco anos, com renda líquida anual de cem mil réis para as eleições paroquiais, e de duzentos mil réis para as de província. No caso do limite de idade imposto para o voto, de 21 anos, abria-se exceção aos que fossem casados, bem como para militares e bacharéis formados. Podiam votar nas eleições de paróquias os libertos, desde que nascidos no Brasil e obedecendo ao critério censitário. Ficavam excluídos do direito ao voto os criados e religiosos, as mulheres, os escravos, os indígenas e os filhos que viviam na companhia dos pais, isto é, dependentes economicamente.

A Constituição reconheceu quatro poderes políticos: Legislativo, Moderador, Executivo e Judicial. Princípio caro ao constitucionalismo liberal do século XIX, que funcionaria como um freio ao poder real e garantia dos direitos individuais dos cidadãos, a concepção da separação de poderes sofreria os ajustes necessários à construção de uma nova ordem.

O Poder Legislativo ficava delegado à Assembleia Geral, que se compunha de duas câmaras, a dos Deputados e o Senado. Sua configuração obedecia à visão de que este poder funcionaria como uma delegação da nação “com a sanção do imperador”, o que denota o caráter da centralização política na figura do soberano.

A legislatura teria a duração de quatro anos e a sessão anual reunir-se-ia por quatro meses. O imperador tinha a prerrogativa do veto sobre as resoluções da Câmara e o poder de dissolvê-la, privilégio exercido através do Poder Moderador que lhe ficava privativamente delegado, como um fiel do equilíbrio entre os poderes (BRASIL. Constituição (1824), art. 98). No Senado os cargos eram de escolha do imperador, sua função era defender a monarquia e fortalecer o Executivo, funcionando como freio à Câmara, que, por sua vez, era eletiva e temporária. Como atribuição exclusiva do Senado estava o de convocar a Assembleia, no caso do imperador não o fazer ou para a eleição da Regência, e o de conhecer dos delitos cometidos pelos membros da família imperial, ministros, conselheiros, senadores e deputados, durante a legislatura (BRASIL. Constituição (1824), art. 47).

À Câmara dos Deputados cabia a privativa competência de legislar sobre temas como impostos, a apreciação das propostas apresentadas pelo Executivo e a acusação dos ministros e conselheiros de Estado em caso de delitos (BRASIL. Constituição (1824), art. 36). Já à Assembleia Geral competia questões como a elaboração, suspensão e revogação das leis, a eleição da Regência ou do regente e o estabelecimento dos limites da sua autoridade, a decisão de questões sobre sucessão da Coroa, a fixação anual das despesas públicas, expedir autorização ao governo para contrair empréstimos e estabelecer meios para pagamento da dívida pública (BRASIL. Constituição (1824), art. 15).

Nas províncias funcionavam os conselhos gerais, cujos membros eram eleitos da mesma forma e simultaneamente aos deputados, com mandato também de quatro anos. Os conselhos reunir-se-iam anualmente, cada legislatura duraria dois meses, podendo estender-se por mais um, e tinham a prerrogativa de propor projetos e deliberar sobre matérias de interesse de suas províncias. Suas resoluções seriam remetidas, por intermédio do presidente da província, ao Poder Executivo central, podendo ser aprovadas pela Assembleia Geral ou pelo imperador (BRASIL. Constituição (1824), art. 72, 81, 84 a 88).

A chefia do Poder Executivo seria exercida pelo imperador através dos seus ministros de Estado, sendo a sua figura inviolável e sagrada (BRASIL. Constituição (1824), art. 99). O Executivo concentrava amplos poderes e era uma prerrogativa do imperador, sendo suas as atribuições de nomear bispos, magistrados, comandantes das forças de terra e mar, embaixadores e mais agentes diplomáticos e comerciais; prover os empregos civis e políticos; conduzir negociações políticas com nações estrangeiras, fazer tratados de aliança, de subsídio e comércio; declarar a guerra e fazer a paz; conceder cartas de naturalização; conceder títulos, honras, ordens militares e distinções; expedir decretos, instruções e regulamentos; decretar a aplicação dos rendimentos destinados pela Assembleia aos vários ramos da administração pública; conceder ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras constituições eclesiásticas, e; prover a segurança interna e externa do Estado (BRASIL. Constituição (1824), art. 102, 103 e 104).

A proeminência do Executivo central fica mais clara ao analisarmos a estruturação do Poder Judiciário ou, como definido pela Constituição, Poder Judicial. Este seria composto pelos juízes de direito, jurados, relações provinciais e o Supremo Tribunal de Justiça, além de a Carta constitucional ter previsto a criação do cargo de juiz de paz (BRASIL. Constituição (1824), art. 151 e 163). A administração dos negócios da Justiça foi, desde a época moderna, a função suprema do rei e a sua área por excelência, ocupando um lugar central na administração do Estado (CABRAL, CAMARGO, 2010). A Constituição de 1824 rompeu parcialmente com esse paradigma ao adotar aspectos do ideário liberal e incorporar instituições identificadas a um Judiciário independente, como o juiz de paz e o Tribunal do Júri, ainda que não definisse sua organização.

O Judiciário funcionaria em duas instâncias, a primeira cabia ao juiz de direito, ao juiz de paz e ao Júri, que ficavam sob a jurisdição da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. Para a justiça de segunda instância a Constituição previu a criação de tribunais da Relação nas províncias em que se fizessem necessários e na Corte, onde funcionaria ainda o Supremo Tribunal de Justiça. A este tribunal competia conceder ou denegar revistas nas causas; julgar os delitos e erros que cometessem os ministros, os empregados das Relações, do corpo diplomático, e os presidentes das províncias; bem como apreciar e decidir sobre os conflitos de jurisdição e competência das relações provinciais (BRASIL. Constituição (1824), art. 164).

No entanto, a autonomia do Judiciário, essencial para a garantia dos direitos políticos e civis do cidadão, foi limitada pela autoridade conferida ao imperador de suspender e remover magistrados, bem como perdoar ou moderar as penas impostas nas sentenças e conceder anistia (BRASIL. Constituição (1824), art. 101, 151, 153 e 155). Suas atribuições esbarravam também na competência atribuída à Assembleia Geral de fazer as leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, o que acabava por conceder aos juízes somente a faculdade de aplicá-las (NOGUEIRA, 1999).

A Constituição previu ainda a existência de um Conselho de Estado, composto por até 10 membros vitalícios, nomeados pelo imperador (BRASIL. Constituição (1824), art. 137 e 138). Os conselheiros deveriam prestar juramento de fidelidade ao soberano e aconselhá-lo “segundo as suas consciências, atentando somente o bem da nação” (BRASIL. Constituição (1824), art. 141). Os conselheiros seriam ouvidos em todos os negócios graves e ações gerais da administração pública, especialmente em questões relativas à declaração da guerra, ajustes de paz, negociações com as nações estrangeiras e em todas as ocasiões em que o imperador se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do Poder Moderador (BRASIL. Constituição (1824), art. 142). O Conselho funcionava ainda como árbitro em contenciosos administrativos e conflitos de competências, especialmente em relação aos recursos contra as decisões dos presidentes das províncias e dos ministros de Estado, ressaltando-se ainda seu papel de guardião da constitucionalidade e da legalidade dos atos do Executivo (NOGUEIRA, 1999).

No entanto, foi o Poder Moderador a base da organização política do Estado, delegado privativamente ao imperador, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilibro, e harmonia dos mais Poderes Políticos” (BRASIL. Constituição (1824), art. 98). Além das prerrogativas em relação ao Judiciário, a Constituição conferia ao imperador o direito de exercer o Poder Moderador ao nomear os senadores, convocar extraordinariamente a Assembleia Geral, sancionar decretos e resoluções do Legislativo, aprovar e suspender interinamente as resoluções dos conselhos provinciais, prorrogar ou adiar a Assembleia Geral e dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir livremente os ministros de Estado, suspender os magistrados nos casos previstos, perdoar e moderar as penas impostas e os réus condenados por sentença e conceder anistia. (BRASIL. Constituição (1824), art. 101). Assim, a Carta constitucional, ao estabelecer o Poder Moderador, conferiu ao imperador um importante instrumento que lhe permitia intervir nos outros poderes, além de constituí-lo como o verdadeiro árbitro da organização política do Império brasileiro (BRASIL. Constituição (1824), art. 98).

A Constituição de 1824 cumpriu o papel de conferir a modelagem liberal ao Estado que se forjara com a Independência, instituindo princípios norteadores como a separação dos poderes e um Executivo forte e centralizado. Suas determinações refletiam um amplo consenso entre as elites regionais na organização da forma de governo, balizados em torno do sistema político monárquico. Ao longo do período imperial, algumas alterações provocadas pelo Ato Adicional de 1834 e pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840, mostraram que a Constituição pode se adaptar a conjunturas políticas distintas, o que garantiu sua vigência até 1891, com o advento da República.


Dilma Cabral
23 maio 2014

Bibliografia
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