A Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça manteve no período pós-Independência as mesmas atribuições definidas pela lei de 23 de agosto de 1821, que transferiu para o novo órgão os assuntos antes sob a alçada da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, disposição confirmada pelo decreto de 3 de julho de 1822. Assim, pertenciam à secretaria todos os assuntos relativos à justiça civil e criminal, aos negócios eclesiásticos, à expedição das nomeações dos magistrados e demais empregados do Judiciário, à segurança pública, à inspeção das prisões e à promulgação das leis, decretos, resoluções e outras determinações legais referentes aos objetos sob sua responsabilidade.
A Constituição de 1824 foi o primeiro grande marco legal do processo de construção do Estado independente, promovendo a estruturação do aparato político- institucional sob o molde do liberalismo constitucional e da separação dos poderes, o que significou um esforço sistêmico de regulamentar a estrutura e o funcionamento das secretarias de Estado, suas áreas de atuação, a responsabilidade dos secretários e os empregos públicos, a partir de um novo paradigma administrativo.
Nesse sentido, a primeira reestruturação da Secretaria de Justiça após a outorga da Constituição foi feita pela decisão n. 77, de 15 de março de 1830, que organizou os trabalhos em cinco unidades administrativas denominadas ‘classes’, em função de grandes grupos temáticos que correspondiam, grosso modo, às suas principais competências: justiça civil, criminal e negócios eclesiásticos. Ao oficial-maior competia a direção e distribuição dos serviços internos, bem como a comunicação com o secretário de Estado. Nas chamadas ‘classes’ os trabalhos estruturaram-se da seguinte forma: 1ª Classe, da correspondência das províncias; 2ª Classe, dos Negócios da Magistratura; 3ª Classe, dos Negócios Eclesiásticos; 4ª Classe, dos Ofícios de Justiça; 5ª Classe, da Correspondência com as autoridades da Corte e Câmaras Legislativas. Ainda em 1830, a lei de 4 de dezembro, que extinguiu a Chancelaria-Mor do Império e a Superintendência dos Novos Direitos, transferiu para a Secretaria de Justiça a administração do selo do Império (grande e pequeno) nos documentos oficiais, definindo ainda que o ministro e secretário de Estado da Justiça ficava sendo o chanceler do Império.
Ficaram ainda, sob a alçada da secretaria, temas nevrálgicos no conturbado período do Primeiro Reinado (1822-1831), como a segurança pública, a justiça criminal e as prisões, a Guarda Nacional e o tráfico negreiro. A organização da polícia e da justiça criminal esteve no centro do embate político entre o governo central e as províncias. A criação do cargo de juiz de paz e a ampliação das atribuições do Tribunal do Júri acabaram por reforçar a descentralização do poder e o caráter liberal das mudanças introduzidas a partir de 1827. Além disto, o Ato Adicional de 1834 acentuou tal tendência, ao conferir às províncias a competência de legislar sobre uma gama variada de assuntos, como a divisão civil, judiciária e eclesiástica, a polícia judiciária ou a suspensão e demissão de magistrados. Posteriormente, ficaram a cargo da Secretaria de Justiça a condução da discussão sobre a necessidade de revisão do Ato Adicional, bem como o processo de codificação que se verificou ao longo do Segundo Reinado (1840-1889), com a aprovação de importantes instrumentos legais.
A centralização da organização do Judiciário e da estrutura da polícia foi assegurada com a aprovação da Lei de Interpretação do Ato Adicional, em 1840, e a aprovação da reforma do Código de Processo Criminal, em 1841. Com isso, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça assumiu as funções criminais e judiciais exercidas pelos chefes de polícia, delegados e juízes municipais, antes a cargo dos juízes de paz. À secretaria caberia ainda a nomeação e demissão de todos os funcionários da Justiça e da Polícia, o que aumentava o seu poder de ingerência na questão da segurança pública. Resultado deste rearranjo foi que o regimento n. 120, de 31 de janeiro de 1842, que regulou a parte policial e criminal do Império, estabeleceu que caberia à secretaria organizar os mapas gerais recebidos dos chefes de polícia e apresentar à Assembleia Geral Legislativa, remetendo-os aos juízes e tribunais.
Até o final da década de 1840 não houve qualquer legislação que reorganizasse a administração imperial, em especial as secretarias de Estado, tendo ocorrido apenas mudanças e ajustes bastante pontuais. A maior estabilidade política durante o Segundo Reinado permitiu que se ampliasse o controle sobre a burocracia e seus quadros, numa perspectiva que procurava conferir maior especialização às instituições. Assim, em 1842 e 1844, a Secretaria de Justiça passou por duas regulamentações, que tiveram uma função complementar. A primeira reestruturou seus serviços e a segunda regulamentou a atividade burocrática de suas unidades administrativas e de seus empregados.
O decreto n. 178-b, de 30 de maio de 1842, dividiu o expediente da secretaria em três seções: a primeira responsável pelos negócios eclesiásticos e todos os despachos da magistratura; a segunda pela contabilidade e a organização do orçamento, por onde eram expedidas todas as ordens relativas à despesa, além de todo o expediente relativo à Guarda Nacional e ao Corpo Municipal Permanente; e a terceira pelo registro da Chancelaria, a expedição dos decretos do Poder Moderador, a segurança pública, e a organização dos mapas. O decreto n. 347, de 19 de abril de 1844, colocou em ação um plano de organização para a secretaria, definindo suas atribuições e o número e de seus empregados, seus ordenados e procedimentos administrativos. No entanto, os relatórios ministeriais dos anos subsequentes às reformas de 1842 e 1844 criticam o alcance de tais mudanças, que não teriam contribuído para melhor divisão do trabalho.
Na década de 1850 verificaram-se importantes avanços no ordenamento jurídico do Império, permitindo que o governo enfrentasse o dilema da modernização política e econômica do Estado (CARVALHO, 2010). A adequação do arcabouço legal teve início com a aprovação do Código Comercial (1850); da Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico de escravos; e da Lei de Terras (1850). O início deste processo de modernização se fez acompanhar também por mudanças na organização da administração imperial. Em 1859 se fez a primeira grande reforma na Secretaria de Justiça, realizada pelo decreto n. 2.350, de 5 de fevereiro. A estrutura da Secretaria passou a contar, além do oficial-maior, com dois consultores, responsáveis por emitir pareceres sobre matérias jurídica e eclesiástica. Seus trabalhos se organizaram por seis seções: 1ª Seção, Central, a cargo da Chancelaria-mor do Império, do processo ou preparo para a sanção das leis e propostas legislativas, e o assentamento dos empregados; a 2ª Seção, de Justiça e Estatística; a 3ª Seção, de Negócios e Benefícios Eclesiásticos; a 4ª Seção, de Polícia, Prisões e Força Pública; a 5ª Seção, do Orçamento; e a 6ª Seção, do Arquivo.
Incluída neste processo de modernização estava a criação, pelo decreto n. 2.747, de 16 de fevereiro de 1861, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, voltada para administração dos objetos relacionados à expansão econômica e a estrutura produtiva do Império. Este novo arranjo administrativo se deu a partir da passagem de atribuições da Justiça para a nova secretaria, para onde foram os negócios relativos à Iluminação Pública da Corte, os telégrafos e os bombeiros. Esta reestruturação também transferiu para a Secretaria de Estado dos Negócios do Império competências antes pertencentes à Secretaria de Justiça, como os negócios eclesiásticos e o montepio dos servidores do Estado. Complementar a este ato foi promulgado o decreto n. 2.750, também de 16 de fevereiro de 1861, que adequava a estrutura da secretaria à diminuição de suas atribuições. O órgão passou a contar então com apenas um consultor e quatro seções, a saber: 1ª Seção, Central; 2ª Seção, de Justiça e Ofícios de Justiça; 3ª Seção, de Polícia e Força Pública; e 4ª Seção; do Orçamento e Contabilidade.
Esta perda de atribuições pode ser analisada como um esvaziamento da Secretaria de Justiça, quando questões relacionadas à difusão de um projeto civilizador do Estado imperial se sobrepuseram à necessidade de manutenção da ordem (SÁ NETTO, 2011). Por outro lado, podemos também compreender esta reordenação administrativa como parte do processo de especialização das secretarias de Estado por áreas de governação, que ganharam um caráter mais sistêmico na segunda metade do século XIX. Este processo exigiu a adaptação das atribuições das secretarias às demandas colocadas pelas mudanças político-econômicas do Império, o que implicou uma contínua alteração da estrutura destes órgãos e de suas atividades administrativas.
A partir da década de 1860 verificou-se a especialização das funções das grandes unidades administrativas – as secretarias de Estado – o que ocorreu em consonância com o aprimoramento da divisão do trabalho das seções, das atividades burocráticas e dos direitos e deveres dos empregados, processo semelhante ao que ocorreria em Portugal nesse período (ALMEIDA, 1995). Nesse contexto, o decreto n. 2.445, de 12 de abril 1865, normatizou os trabalhos da Secretaria de Justiça e, ainda que não se tenha verificado nenhuma alteração em suas estrutura e competências, procurou estabelecer as atribuições de cada seção e os trabalhos comuns a todos os chefes. O regulamento deliberou também sobre as funções de cada servidor e o processo de serviço, além de matérias como horário, faltas e assiduidade, direitos dos empregados, aposentadoria e sanções disciplinares.
Em 1867, a lei n. 1.507, de 26 de setembro de 1867, que aprovou o orçamento para os exercícios 1867-1868 e 1868-1869, autorizou o governo imperial a reformar as secretarias de Estado, o que incluiu os quadros e vencimentos dos empregados. Tal proposição teve por objetivo a redução de despesas destes órgãos, tendo por base a diminuição de pessoal, tendo sido assegurados os direitos garantidos pela legislação e os ordenados, mas regulava as gratificações. Esta reforma pretendeu fazer face à conjuntura econômica iniciada em 1864, marcada por crise comercial e bancária, endividamento e inflação, agravada ainda pelo aumento do gasto do governo com a Guerra do Paraguai (1864-1870).
Todas as secretarias de Estado passariam pelas adequações necessárias ao orçamento do governo. No caso da Justiça, nova regulamentação foi aprovada pelo decreto n. 4.159, de 22 de abril de 1868, quando foi suprimido o cargo de consultor, mantidas suas estrutura e atribuições. A reforma de 1868 apresentou a mesma preocupação de 1865, ou seja, regulamentar o serviço interno da secretaria, normalizando matérias como atribuições dos empregados, nomeações e substituições, licenças, aposentadorias, demissões e medidas disciplinares. Uma importante padronização estabelecida por este decreto foi a obrigatoriedade de que a comunicação de nomeações, remoções, demissões, aposentadorias e licenças passassem a ser realizadas através do Diário Oficial. Assim, as duas reformas tiveram por objeto a organização interna dos trabalhos da secretaria, um processo que procurava ajustar os instrumentos de regulação da arquitetura institucional do Estado e suas práticas administrativas.
Uma nova reforma da secretaria foi autorizada pela lei n. 2.670, de 20 de outubro de 1875, mas acabou por não ser realizada. Nesse período a Secretaria de Justiça voltou-se para assuntos como o funcionamento do Judiciário, com a criação, em 1873, de sete novos tribunais da Relação, a condução do projeto de elaboração de um código civil, previsto na Constituição de 1824, além da regulamentação dos empregos, fixando suas atribuições e cargos vitalícios. Ocupou-se ainda de temas como os Negócios Eclesiásticos, o que envolveu a chamada Questão Religiosa e que colocaria em confronto Estado e Igreja (1872-1875), a criação do Instituto dos Advogados Brasileiros (1880), além da organização e regulamentação de seus órgãos subordinados, como a Casa de Correção da Corte, o Asilo de Mendicidade da Corte, o Presídio de Fernando de Noronha e o Corpo Militar de Polícia da Corte, dentre outras questões (SÁ NETTO, 2011).
Após a promulgação da República, em 1889, a lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, promoveu a primeira grande reforma da administração brasileira, o que transformou a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça em Ministério da Justiça e Negócios Interiores, a partir da incorporação das atribuições das extintas Secretarias de Estado dos Negócios do Império, da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Dilma Cabral
Jun. 2014
Fontes e bibliografia
ALMEIDA, Pedro Tavares de. A Construção do estado Liberal. Elite Política e Burocracia na Regeneração (1851-1890). 1995. 484 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 1995.
Ministério da Justiça 190 anos: justiça, direitos e cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombra: a política imperial. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
LACOMBE, Américo Jacobina; TAPAJÓS, Vicente. Organização e administração do Ministério da Justiça no Império. Brasília: Funcep; Ministério da Justiça, 1986.
SÁ NETTO, Rodrigo de. O Império brasileiro e a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça (1821-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011. (Publicações históricas; 100) (Cadernos Mapa; n. 2 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: <https://goo.gl/58g7u8> . Acesso em: 12 mai. 2014.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO 1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO 22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_25 Decretos S/N
BR_RJANRIO_2H Diversos – SDH - Caixas
BR_RJANRIO_NP Diversos – SDH - Códices
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_2J Eclesiástica
BR_RJANRIO_PM Eusébio de Queiróz
BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte
BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
BR_RJANRIO_8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR_RJANRIO_8V Série Comunicação - Correios (ICC3)
BR_RJANRIO_9R Série Guerra - Guarda Nacional (IG13)
BR_RJANRIO_9U Série Guerra - Pagadoria das Tropas (IG9)
BR_RJANRIO_A1 Série Interior - Administração (IJJ2)
BR_RJANRIO_A3 Série Interior - Culto Público (IJJ11)
BR_RJANRIO_A6 Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR_RJANRIO_AE Série Interior - Títulos: Títulos de Nobreza - Mercês - Pensões Etc. (IJJ8)
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
BR ANRIO NE Série Justiça – Casa de Correção – (IIIJ7)
BR ANRIO AG Série Justiça – Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)
BR ANRIO AI Série Justiça – Gabinete do Ministro (IJ1)
BR ANRIO AL Série Justiça – Ministério Público Federal – Procuradores Etc. (IJ9)
BR ANRIO AM Série Justiça – Polícia – Escravos – Moeda Falsa – Africanos (IJ6)
BR ANRIO A0 Série Justiça – Prisões – Casas de Correção (IJ7)
BR ANRIO BB Série Saúde – Administração (IS2)
BR ANRIO BD Série Saúde – Clínica Médica – Hospitais – Clínicas Etc. (IS3)
BR ANRIO BE Série Saúde – Gabinete do Ministro (IS1)
BR ANRIO BF Série Saúde - Higiene e Saúde Pública - Instituto Oswaldo Cruz (IS4)
BR ANRIO BY Tesouraria da Fazenda da Província de São Paulo
BR ANRIO C3 Titulares
BR ANRIO D8 Vara Federal do Rio de Janeiro, 1
Referência da imagem
Ministério da Justiça e Negócios Interiores. BR_RJANRIO_4T_0_MAP_188
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1808-1822, 1889-1930 e 1930-1945, consulte os verbetes Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, Ministério da Justiça, Negócios Interiores e Ministério da Justiça e Negócios Interiores