Criadas pelo decreto n. 2.662, de 9 de outubro de 1875, as juntas comerciais, sucederam as conservatórias do comércio, instituídas pelo decreto n. 1.597, de 1º de maio de 1855, e instaladas nas províncias que não tivessem Tribunais do Comércio. Por sua vez, as conservatórias substituíram as Juntas do Comércio, previstas pelo Código Comercial de 1850 e criadas pelo decreto n. 738, de 25 de novembro desse mesmo ano.
Essa sucessão de órgãos voltados para a jurisdição mercantil evidencia a preocupação do Estado em regular e arbitrar sobre a questão, especialmente a partir da aprovação do Código Comercial, em 1850. Parte do processo de ordenamento que se deu após a Independência brasileira – necessário para o estabelecimento do contorno político-jurídico do Estado – a instalação dos tribunais do comércio foi decorrência da aprovação do Código Comercial e da gradual organização do aparato institucional que se deu após a Constituição de 1824, quando o governo imperial procurou ampliar o controle sobre a burocracia e seus quadros.
O Código Comercial regulamentou as atividades comerciais e a profissão de comerciante, além de estabelecer os tribunais e prever as juntas do comércio, instituições voltadas exclusivamente para as causas mercantis. Os tribunais foram instalados nas principais praças comerciais do país: Rio de Janeiro, capital do Império, Bahia, Pernambuco e Maranhão. No caso das juntas, a proposta era que se organizassem nas províncias do Pará, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, mas já em 1851 foram estendidas a todas as províncias marítimas que não tivessem tribunais.
Constituindo-se como uma seção dos tribunais da Relação, as juntas acumularam funções administrativas e jurisdicionais até 1855, quando foram extintas e substituídas pelos conservadores do comércio. Esta reorganização foi resultado da lei n. 799, de 16 de setembro de 1854, que conferiu aos tribunais do comércio o julgamento em segunda instância das causas comerciais com alçada até cinco contos de réis, criando ainda os juízes de direito especiais, que atuavam no primeiro grau do contencioso em matéria comercial.
A figura do juiz do comércio procurava minimizar a discussão em torno do formato assumido pelo Tribunal do Comércio, que, além das atividades administrativas, passara a exercer a função de jurisdicional de primeira instância, a partir de 1851, e de órgão de recurso, a partir de 1855. Segundo seus críticos, tal acúmulo de papéis corroborava a falta de autonomia do Judiciário e, por consequência, a grande concentração de poderes do Executivo. Além disso, a forma de organização do Tribunal do Comércio colocava nas mãos dos deputados comerciantes eleitos, sem formação jurídica, a decisão na solução de litígios (NEVES, 2007, p. 94-107).
Previstas nas províncias que não tivessem tribunais do comércio, em 1855, as conservatórias tiveram sua instalação determinada em São Pedro do Rio Grande do Sul, na cidade de Rio Grande e, em 1862, em Porto Alegre; Paraná, em Paranaguá; São Paulo, em Santos; Piauí, Paranaíba. Nas capitais marítimas, a função de conservador seria exercida pelos inspetores das Alfândegas e administradores das Mesas de Rendas; nas outras capitais, pelos inspetores das tesourarias provinciais. Aos conservadores do comércio cabiam funções administrativas como a rubrica dos livros dos comerciantes e agentes auxiliares do comércio; o registro dos documentos que os comerciantes eram obrigados a inscrever no Registro Público do Comércio; multar e suspender, com recurso para o tribunal do comércio do distrito respectivo, os corretores e agentes auxiliares do comércio; propor a demissão ou destituição dos agentes auxiliares do comércio e multar, com recurso para os mesmos tribunais, os trapicheiros, armadores e capitães de navios.
Finalmente, em 1875, os tribunais e as conservatórias do comércio foram extintos e suas atribuições foram transferidas às juntas e inspetorias comerciais. Esses órgãos tiveram sua atuação delimitada à função administrativa, afastando-se definitivamente do modelo que vigorara desde 1808, quando foi instalada no Brasil a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em que tal encargo convivia com a função jurisdicional. A disputa de poder entre comerciantes e a burocracia que se constituía após a Independência revela as fraturas dessa elite em torno do projeto de Estado que se consolidava, em que se chocam interesses privados e aparelho governativo (LOPES, 2007). A nova regulamentação testemunhava a necessária ampliação do aparato burocrático para fazer face ao crescimento das atividades comerciais e o surgimento de novos centros econômicos regionais, cujo indicador seria o próprio estabelecimento das juntas comerciais.
Além das atividades atribuídas às juntas comerciais, a da capital do Império era especialmente incumbida das atividades mencionadas nos artigos 21, 22, 23 e 27, do decreto n. 738, de 1850, sendo remetidos à Repartição Geral da Estatística os esclarecimentos compilados para a organização da estatística anual do comércio, agricultura, indústria e navegação mercantil.
Em 1876, pelo decreto n. 6.384, de 30 de novembro, as juntas e inspetorias comerciais foram organizadas, tendo como suas as atribuições administrativas dos Tribunais do Comércio, definidas pelo Código Comercial e pelos decretos n. 738, de 25 de novembro de 1850, e 1.597, de 1º de maio de 1855. Aos juízes de direito nas suas comarcas, conforme o decreto n. 6.385, de 30 de novembro de 1876, cabiam a reabilitação dos falidos, conceder ou denegar moratória, nomear administradores e fiscais das heranças, destituir liquidantes das sociedades mercantis dissolvidas, obrigar os trapicheiros e administradores de armazéns a assinar termo do fiel depositário nas comarcas fora das sedes de juntas e inspetorias comerciais.
Foram propostas sete juntas comerciais, cada uma exercendo jurisdição sobre determinado distrito, organizando-se da seguinte forma: a da capital do Império compreendia o Município Neutro e as províncias de Espírito Santo, Rio de Janeiro, S. Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; a de Belém, as províncias de Pará e Amazonas; a de São Luiz, as províncias de Maranhão e Piauí; a de Fortaleza, as províncias de Ceará e Rio Grande do Norte; a de Recife, as províncias de Pernambuco, Paraíba e Alagoas; a de Salvador, as províncias de Bahia e Sergipe; a de Porto Alegre, as províncias de São Pedro e Santa Catarina.
Nas províncias que não tivessem juntas comerciais seriam instaladas inspetorias, previstas em Piauí, São Paulo, Paraná e Mato Grosso, com sede respectivamente nas cidades da Parnaíba, Santos, Paranaguá e Corumbá; e nas outras capitais das respectivas províncias. Tal como os conservadores de comércio, o cargo de inspetor comercial seria exercido nas cidades marítimas pelos inspetores das alfândegas ou pelos administradores das mesas de rendas, e nas outras cidades pelos inspetores das tesourarias provinciais.
A Junta Comercial do Rio de Janeiro era composta de presidente, secretário, seis deputados comerciantes e três suplentes comerciantes. Nas outras juntas comerciais seriam presidente, secretário, quatro deputados comerciantes e dois suplentes comerciantes. Os cargos de presidente e deputado das juntas comerciais eram honoríficos, bem como o de inspetor comercial. Deputados e suplentes eram eleitos por um colégio de comerciantes e teriam assento por quatro anos, composição alterada a cada dois anos, quando metade do quadro de deputados era renovada. Os presidentes e secretários eram nomeados pelo governo imperial, sendo os primeiros escolhidos dentre os três comerciantes eleitos pelos colégios comerciais.
Essa organização das juntas e inspetorias comerciais manteve-se ao longo das décadas finais do Império, sofrendo alteração somente no início da República, pelo decreto n. 596, de 19 de julho de 1890, que deu novo regulamento aos órgãos.
Dilma Cabral
Abr. 2016
Fontes e bibliografia
CABRAL, Dilma. Tribunais do Comércio. In: Dicionário online da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/GkHwH1> Acesso em: 11 abr. 2016.
____. Código Comercial. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/wJVo6A>. Acesso em: 11 abr. 2016.
____. Juntas do Comércio. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/NhWj5D>. Acesso em: 11 abr. 2016.
____. Conservadores/Conservatórias do Comércio. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: https://goo.gl/RvSpBM>. Acesso em: 11 abr. 2016.
LOPES, José Reinaldo de Lima. A formação do direito comercial brasileiro. A criação dos tribunais de comércio do império. CADERNOS DIREITO FGV, v. 4 n. 6: novembro 2007.
Neves, Edson Alvisi. O Tribunal do Comércio (1850-1875). 2007. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2007.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR_RJANRIO_46 Junta Comercial do Rio de Janeiro
BR_RJANRIO_9X Série Indústria e Comércio – Comércio – Junta e Tribunal, Etc. (IC3)
Referência da imagem
Pierre-Emile Levasseur. Le Brésil. Paris: H. Lamirault et Cie., Éditeurs, 1899. OR_1452
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Juntas e inspetorias comerciais