Víveres levados à cadeia oferecidos pela irmandade do Santíssimo Sacramento, em litografia incluída no álbum Brasil pitoresco, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret
Víveres levados à cadeia oferecidos pela irmandade do Santíssimo Sacramento, em litografia incluída no álbum Brasil pitoresco, publicado em 1839, de Jean-Baptiste Debret

A Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça foi instituída pela lei de 23 de agosto de 1821, no âmbito das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, instauradas durante a Revolução Liberal Constitucionalista, iniciada na cidade do Porto em 24 de agosto de 1820. Nesse contexto, foi estabelecido também um órgão congênere em Portugal, a partir do desmembramento dos negócios que antes estavam sob a competência da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.

Inspirada no movimento ocorrido na Espanha, que culminou na assinatura da Constituição de Cádiz pelo rei Fernando VII, em 1812, a revolução reivindicava, da mesma forma, a constitucionalização da monarquia. Nesse quadro, a convocação das cortes, instituição consultiva que não se reunia desde o século XVII, relacionava-se ao ideal de redefinição do papel político e econômico de Portugal e do Brasil de acordo com princípios constitucionais. O objetivo último do movimento, entretanto, era reverter o panorama de decadência econômica de Portugal diante do processo de autonomização política e econômica da antiga colônia, içada a centro administrativo do império luso desde a transferência da monarquia em 1808, ferindo assim os interesses econômicos da burguesia mercantil lusa, deflagradora do movimento.

No Brasil, a resolução das cortes, criando a Secretaria da Justiça, foi confirmada durante a regência do príncipe d. Pedro I, pelo decreto de 3 de julho de 1822, reafirmando a intenção original da lei aprovada em Portugal de facilitar o expediente “dos multiplicados negócios que pesam sobre a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino” (Brasil, 1887, p. 26). Eram suas atribuições todos os objetos de justiça civil e criminal, os negócios eclesiásticos, a expedição das nomeações de todos os lugares da magistratura, ofícios e empregos sob sua jurisdição, a inspeção das prisões e tudo quanto fosse relativo à segurança pública, bem como a promulgação de todas as leis, decretos, resoluções e demais ordens sobre assuntos de sua alçada, sua comunicação às esferas competentes e sua fiscalização.

Outras deliberações das cortes, entretanto, introduziram sensíveis alterações no ambiente administrativo brasileiro, com a destituição dos governadores nomeados pela monarquia e a transformação das capitanias em províncias dotadas de juntas governativas subordinadas a Portugal. Reduzia-se, dessa forma, a centralidade administrativa do Rio de Janeiro e, por conseguinte, o poder do príncipe regente d. Pedro, cuja volta à metrópole era pleiteada. Simultaneamente, extinguiu-se a Casa de Suplicação e os tribunais superiores instalados após 1808.

Importa mencionar, entretanto, que muitas dessas determinações não tiveram aplicação efetiva em solo brasileiro, uma vez que a decisão n. 40, de 4 de maio de 1822, emitida pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, instalada no Rio de Janeiro e tendo José Bonifácio à frente, estipulava o não cumprimento de nenhuma resolução emanada das cortes portuguesas sem a aprovação do príncipe regente d. Pedro. De qualquer forma, apesar do entusiasmo inicial dos representantes brasileiros em Portugal, o novo arranjo político proposto pelas cortes, ao redundar na perda de grande parcela da autonomia política e econômica conquistada após a vinda da família real, inviabilizou a conciliação de interesses necessária para a materialização do almejado império luso-brasileiro.

Restando a opção pela separação, em 7 de setembro de 1822 a independência da ex-colônia foi formalizada. Tendo herdado muitos traços da organização política e institucional implantada durante o período joanino, o governo do Brasil emancipado manterá em funcionamento a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça por todo o Império, ainda que algumas modificações em suas atribuições originais, especificadas pela lei de 23 de agosto de 1821, tenham ocorrido ao longo do tempo.

Em seus primeiros anos, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça permaneceu desprovida de regulamento interno, sendo impossível, portanto, examinar sua estrutura na época das cortes. Mesmo após a Independência, ainda que a Constituição de 1824 previsse a definição por lei das atribuições das secretarias de Estado, falharam as tentativas iniciais de se aprovar um regulamento para a pasta da Justiça (Calmon, 1972, p. 49), materializado apenas pela decisão n. 77, de 15 de março de 1830, que distribuiu seus trabalhos entre cinco classes, ou seções da secretaria. Apenas a partir de então pode-se vislumbrar a organização interna da secretaria que, segundo a decisão, contaria com um oficial-maior, responsável pela chefia das suas cinco divisões, ou classes, entre as quais o expediente do órgão dividia-se.

Desde sua fundação, e durante todo o Império, a pasta teve como sede a antiga residência de Antônio de Araújo e Azevedo (1754-1817), conde da Barca, situada na rua do Passeio, 42, prédio comprado de seus herdeiros por d. João VI e onde esteve em atividade a oficina da Impressão Régia. Seu primeiro-ministro e secretário de Estado foi Caetano Pinto de Miranda Montenegro, mais tarde marquês da Vila Real da Praia Grande, doutor em direito pela Universidade de Coimbra e dono de ampla experiência administrativa, tendo governado diferentes capitanias ainda no período colonial.


Rodrigo de Sá Netto
Out. 2012

 

Fontes e bibliografia
BERBEL, Márcia R. Os apelos nacionais nas cortes constituintes de Lisboa (1821-1822). In: MALERBA, Jurandir (org.). A independência brasileira: novas dimensões. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2006, v. 1. p. 181-208.

BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. São Paulo: Hucitec/Fapesp; Recife: UFPE, 2006.

BRASIL. Decreto de 3 de julho de 1822. Cria a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 26, 1887.

CABRAL, Dilma (org.); CAMARGO, Angélica Ricci. A casa real, as secretarias de Estado e outros órgãos da administração central. In: ______. Estado e administração: a corte joanina no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2010. p. 47-61.

CALMON, Pedro. História do Ministério da Justiça (1822-1972). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1972.

LACOMBE, Américo Jacobina; TAPAJÓS, Vicente. Organização e administração do Ministério da Justiça no Império. Brasília: Funcep; Ministério da Justiça, 1986. (História Administrativa do Brasil, v. 12).

SÁ NETTO, Rodrigo de. O Império brasileiro e a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça (1821-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011. (Publicações históricas; 100) (Cadernos Mapa; n. 2 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: https://goo.gl/4Vbc8w. Acesso em: 12 set. 2012.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_2H Diversos SDH - Caixas
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo Período Imperial
BR_RJANRIO_25 Decretos S/N
BR_RJANRIO_NP Diversos -SDH -Códices
BR_RJANRIO_2J Eclesiástica
BR_RJANRIO_PM Eusébio de Queirós
BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte
BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
BR_RJANRIO_8T Série Agricultura -Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR_RJANRIO_8V Série Comunicação - Correios (ICC3)
BR_RJANRIO_9R Série Guerra - Guarda Nacional (IG13)
BR_RJANRIO_9U Série Guerra - Pagadoria das Tropas (IG9)
BR_RJANRIO_A1 Série Interior - Administração (IJJ2)
BR_RJANRIO_A3  Série Interior - Culto Público (IJJ11)
BR_RJANRIO_A6  Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR_RJANRIO_AE  Série Interior - Títulos: Títulos de Nobreza - Mercês - Pensões Etc. (IJJ8)
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
BR_RJANRIO_NE Série Justiça - Casa de Correção - (IIIJ7)
BR_RJANRIO_AG Série Justiça - Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)
BR_RJANRIO_AI Série Justiça - Gabinete do Ministro (IJ1)
BR_RJANRIO_AL Série Justiça - Ministério Público Federal - Procuradores Etc. (IJ9)
BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)
BR_RJANRIO_A0 Série Justiça - Prisões – Casas de Correção (IJ7)
BR_RJANRIO_BB Série Saúde - Administração (IS2)
BR_RJANRIO_BD Série Saúde - Clínica Médica - Hospitais - Clínicas Etc. (IS3)
BR_RJANRIO_BE Série Saúde - Gabinete do Ministro (IS1)
BR_RJANRIO_BF Série Saúde - Higiene e Saúde Pública - Instituto Oswaldo Cruz (IS4)
BR_RJANRIO_BY Tesouraria da Fazenda da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_C3 Titulares
BR_RJANRIO_D8 Vara Federal do Rio de Janeiro, 1


Referência da imagem
Jean-Baptiste Debret. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, epoques de l ‘avénement et de I ‘abdication de S.M. D. Pedro 1er. Paris: Firmind Didot Frères, 1834 – 1839. OR_1909_V3_PL22

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822-1889, 1889-1930 e 1930-1945, consulte os verbetes Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, Ministério da Justiça e Negócios Interiores  e Ministério da Justiça e Negócios Interiores