Praia de Santa Luzia, próxima ao centro do Rio de Janeiro, onde a partir da década de 1850 funcionou provisoriamente um abrigo para mendigos fiscalizado pela Polícia
Praia de Santa Luzia, próxima ao centro do Rio de Janeiro, onde a partir da década de 1850 funcionou provisoriamente um abrigo para mendigos fiscalizado pela Polícia

O Asilo de Mendicidade teve seu primeiro regulamento aprovado pelo decreto n. 9.274, de 6 de setembro de 1884. No entanto, desde 1875, a lei orçamentária n. 2.670, de 20 de outubro, já havia autorizado o governo a despender até cem mil réis com a aquisição ou construção de um edifício para a sua instalação. O asilo foi inaugurado em 10 de julho de 1879, sob a imediata direção do chefe de Polícia, e subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça (Brasil, 1879, p. 99).

Nos anos 1830, a mendicância se tornou crime passível de punição com a pena de prisão simples, ou com trabalho, por um período que podia variar de oito dias a um mês. Em casos de pena de prisão com trabalho, devia ser considerado “o estado das forças do mendigo” conforme previa o artigo 296 do Código Criminal de 1830. Datam desse mesmo período as primeiras iniciativas de repressão à mendicância do então chefe de Polícia, Eusébio de Queirós, que herdou as atribuições da Intendência-Geral de Polícia (Holloway, 1997, p. 109).

Com o crescimento urbano do Rio de Janeiro, impulsionado pelo desenvolvimento do setor cafeeiro na região sudeste, as questões concernentes à segurança pública e à manutenção da ordem tornaram-se prementes na capital do Império, onde a população crescia, atraída pelas oportunidades criadas com a ampliação dos serviços comerciais e financeiros, do desenvolvimento dos meios de transportes e dos setores administrativos do governo (Holloway,1997, p. 109).

Assim, o chefe de Polícia baixou uma instrução para recolher os mendigos das ruas, determinando que, após o término do período de tolerância inicialmente estipulado, os juízes de paz estariam autorizados a detê-los e a incluí-los no artigo 296 da codificação criminal do Império. Visando o êxito da empreitada, o chefe de Polícia ofereceu aos agentes policiais uma recompensa em dinheiro por mendigo capturado em boas condições de saúde. As medidas repressivas contra o ato de andar mendigando nas ruas do Rio de Janeiro consistia na detenção dos indivíduos em prisões comuns, mas, a partir daquela data, os mendigos recolhidos em boas condições físicas seguiam para a Casa de Correção da Corte (Holloway, 1997, p. 130). Classificados na divisão correcional da penitenciária, os detidos deviam se tornar socialmente úteis por meio da disciplina do trabalho, seguindo o exemplo das casas correcionais europeias surgidas no século XVI.

A casa de Correção de Amsterdã, por exemplo, inaugurou um modelo de instituição penal com assistência aos pobres e trabalho obrigatório nas oficinas, onde a mão de obra de toda a sorte de indesejáveis – mendigos aptos, vagabundos, desempregados, prostitutas e pequenos ladrões – devia adquirir hábitos industriosos e treinamento profissional por meio do trabalho forçado, com vistas a uma incorporação voluntária, após a liberdade, no mercado de trabalho (Rusche, 1999, 62-3).

Seguindo essa linha, em 1854 o secretário de Estado dos Negócios da Justiça, em aviso de 14 de agosto, estabeleceu provisoriamente num alpendre situado na praia de Santa Luzia um abrigo para mendigos sob a inspeção do chefe de Polícia. No entanto, a inexistência de acomodações suficientes para abrigar os indivíduos de ambos os sexos ali recolhidos levou o governo a transferi-los em 1879 para o edifício do futuro Asilo de Mendicidade, que ainda se encontrava em construção, situado à rua Visconde de Itaúna (Brasil, 1884, p. 157).

Conforme o relatório da Secretaria de Estado da Justiça, uma instituição dessa natureza tinha por finalidade abrigar “os inúmeros mendigos, valetudinários e maltrapilhos que vagueiam ociosos pelas ruas da cidade importunando os transeuntes e até alguns especulando fingidamente com a caridade pública” (Brasil, 1883, p. 145). Além de mendigos de ambos os sexos, o asilo era destinado aos menores de 14 anos de idade encontrados nas ruas abandonados ou na ociosidade, aos que tivessem o hábito de esmolar por seu estado físico ou idade avançada, não podendo trabalhar para atender às primeiras necessidades da vida, e aos que, provando a sua absoluta indigência, solicitassem sua entrada no estabelecimento. Além desses, abrigou ainda “os idiotas, imbecis e alienados” que não fossem recebidos no Hospício de Pedro II.

Além de abrigar os que andavam mendigando na capital do Império, o asilo devia servir também como local de recolhimento dos indigentes enfermos e loucos que a Santa Casa de Misericórdia rejeitava devido à insuficiência de recursos e espaço para abrigá-los.

No entanto, o asilo, subvencionado pelo Estado, mas também auxiliado pela beneficência privada para completar sua receita, apresentou desde sua inauguração um quadro orçamentário deficitário, o que contribuiu para transformá-lo num estabelecimento pouco digno de elogios (Brasil, 1882, p. 130; BRASIL, 1883, p. 146). Em 1883, um ano antes de o asilo receber seu primeiro regulamento, aprovado pelo decreto n. 9.274, de 6 de setembro de 1884, as obras não tinham sido concluídas e não havia oficinas de trabalho para os asilados, que se aglomeravam na parte do edifício em funcionamento, sofrendo toda sorte de privações materiais desde a escassez de vestuário até alimentar (Brasil, 1883, p. 146).

Em 1892, o Asilo de Mendicidade foi transferido para a esfera do Distrito Federal pela lei n. 85, de 20 de setembro.


Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
15 set. 2014


Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 9.274, de 6 de setembro de 1884. Dá Regulamento para o Asilo de Mendicidade da Corte. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 432, 1885.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 17ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1880. Disponível em: <https://goo.gl/KFYcos>.  Acesso em: 3 abr. 2014.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 1ª sessão da 19ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1885. Disponível em: <https://goo.gl/X2MfAj>.  Acesso em: 3 abr. 2014.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 4ª sessão da 18ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1884. Disponível em: <https://goo.gl/Rf8MYr>.  Acesso em: 3 abr. 2014.

____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na 3ª sessão da 18ª legislatura. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1883. Disponível em: <https://goo.gl/rRWW1Z>.  Acesso em: 3 abr. 2014.

HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997.

RUSCHE, Georg. Punição e estrutura social. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 4T – Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR AN,RIO 9S – Série Guerra – Hospitais, Corpo de Saúde (IG6)
BR AN,RIO A0 – Série Justiça – Prisões – Casas de Correção (IJ7)


Referência da imagem

Estereoscopia Rodrigues & Co. Rio de Janeiro, [1900] Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_00444_011