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Fiscalização dos Estabelecimentos do Ensino Comercial

Publicado: Quinta, 12 de Mai de 2022, 10h17 | Última atualização em Quinta, 18 de Agosto de 2022, 11h51 | Acessos: 1288

A Fiscalização dos Estabelecimentos do Ensino Comercial foi criada, na esfera do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, pelo decreto n. 17.329, de 28 de maio de 1926, com a finalidade de inspecionar a organização e o funcionamento das escolas comerciais privadas.

As origens do ensino comercial no Brasil remontam ao período joanino, quando o alvará de 15 de julho de 1809 estabeleceu a Aula de Comércio da Corte, como parte das medidas administrativas que transformaram o Rio de Janeiro em sede do Reino português. O curso, do qual ficou encarregado José Antônio Lisboa, tinha duração de três anos e visava à formação de negociantes e empregados públicos, por meio de um ensino essencialmente prático. Além do Rio de Janeiro, outra aula de comércio foi fundada na província do Maranhão nessa mesma época (Aula..., 2011).

As mudanças ocorridas em meados do século XIX, com o aumento da exportação do café, que se tornou a principal riqueza do país, a construção das estradas de ferro, o incremento dos serviços urbanos e a aprovação do Código Comercial, contribuíram para a valorização do ensino comercial no Império (Peleias et al., 2007, p. 24). Em 1856, o decreto n. 1.763, de 14 de maio, reorganizou a Aula de Comércio, então denominada Instituto Comercial do Rio de Janeiro, promovendo uma série de modificações nas disciplinas previstas em seu programa. Nos anos seguintes, novas alterações foram realizadas em seus estatutos; no entanto, o baixo número de matrículas e de alunos que concluíam o curso levaram à extinção do órgão no final da década de 1870 (Aula..., 2014).

Na ausência de uma instituição oficial, cursos de comércio particulares foram instalados em um movimento que ganhou impulso no início do período republicano, favorecido pelo acentuado processo de urbanização e estabelecimento de indústrias, bancos e casas comerciais estimulados pela expansão da economia cafeeira e pela própria reestruturação da administração pública, entre outros fatores (Adde, 2012, p. 41-42; Peleias et al., 2007, p. 25).

Dentre os cursos existentes nessa época, destacam-se a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola Prática de Comércio de São Paulo, depois chamada de Escola de Comércio Álvares Penteado, inauguradas em 1902 (Leite, 2005, p. 67). Ambas foram declaradas instituições de utilidade pública pelo decreto n. 1.339, de 9 de janeiro de 1905, que também reconheceu como oficiais os diplomas por elas conferidos. De acordo com esse ato, essas escolas manteriam dois cursos: o geral, que habilitava para o exercício das funções de guarda-livros, perito judicial e empregos de Fazenda; e o superior, destinado à formação de profissionais para ocupar os cargos de agentes consulares, funcionários do Ministério das Relações Exteriores, atuários de companhias de seguros e chefes de contabilidade de bancos e grandes empresas comerciais. Definiram-se as disciplinas de cada curso, e foi assinalado o caráter prático do ensino ministrado. Além das matérias obrigatórias, facultou-se a criação de aulas livres que conviessem para a “elevação do nível moral e intelectual” dos alunos (Brasil, 1905, p. 225). O decreto ainda considerou a Academia de Comércio do Rio de Janeiro como órgão de consulta do governo sobre assuntos relacionados à indústria e ao comércio, autorizando o presidente da República a garantir seu funcionamento em um prédio do governo federal, caso sua sede não pudesse mais permanecer nas dependências da Escola Politécnica.

Ainda em 1905, o decreto n. 1.423, de 27 de novembro, tornou extensivas as disposições do decreto n. 1.339 à Escola Comercial da Bahia, posteriormente estendidas a outros estabelecimentos de ensino localizados em várias partes do país. No interior desse processo de institucionalização dos cursos de comércio, a expressão contador, apesar de ser utilizada desde o período colonial, começou a se generalizar e se distinguir do termo guarda-livros, que se tornou quase que sinônimo de escriturário, enquanto ao contador caberia o desempenho de altas funções administrativas (Adde, 2012, p. 53). Tal processo foi incrementado com a fundação de periódicos e de organismos voltados para o estudo e a defesa dos interesses dos profissionais de contabilidade, como a Revista Brasileira de Contabilidade, de 1912, o Instituto Brasileiro de Contadores Fiscais, de 1915, e o Instituto Brasileiro de Contabilidade, de 1916, entre outros exemplos (Adde, 2012, p. 88-99; 98-100).

Em 1913, a verificação de problemas relativos ao balanço do Tesouro Nacional durante a negociação do segundo empréstimo de consolidação de dívida externa, o funding loan, levaram o Ministério da Fazenda a instituir uma comissão destinada a organizar a escrituração pelo método de partidas dobradas. Embora presente no alvará de 26 de junho de 1808, que criou o Erário Régio, e exigida em concursos públicos, a escrituração por partidas dobradas não era amplamente disseminada nas repartições, o que gerava, por vezes, alguns entraves administrativos (Contadoria..., 2020; Adde, 2012, p. 67).

Essa comissão contou com a participação de funcionários do Tesouro do estado de São Paulo, que empreendera uma reforma da escrituração e a introdução da contabilidade patrimonial e financeira no início do século (Adde, 2012, p. 60). Seus trabalhos contribuíram para a aplicação gradual da escrituração por partidas dobradas nos órgãos federais e acarretaram outras modificações administrativas. Uma delas foi a criação, em 1921, da Contadoria Central da República, pelo decreto n. 15.210, de 28 de dezembro, com a finalidade de administrar a contabilidade geral da União. No ano seguinte, o decreto n. 4.536, de 28 de janeiro, organizou o Código de Contabilidade da União, fixando os procedimentos referentes a orçamento e gestão financeira, receita e despesa públicas (Contadoria…, 2020).

Acompanhando essas transformações, na década de 1920 ganhou destaque o movimento pela regulamentação do ensino comercial e pelo reconhecimento da profissão de contador, que figuraram entre os temas discutidos no Primeiro Congresso Brasileiro de Contabilidade, ocorrido em 1924, quando também foram debatidos os conceitos contábeis, a reforma do sistema monetário brasileiro e do Código Comercial (Adde, 2012, p. 101). O grande número de escolas de comércio consideradas de qualidade questionável foi objeto de críticas de figuras e entidades representativas, que reivindicavam a intervenção das autoridades públicas para sanar tais problemas (Adde, 2012, p. 107).

Em 1923, o decreto n. 4.724-A, de 23 de agosto, equiparou os diplomas de várias escolas ao da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, cabendo a essas instituições a observância dos programas prescritos pelo decreto n. 1.339, de 1905 (Brasil, 1923, p. 24.869). O mesmo ato previu a fiscalização dos estabelecimentos reconhecidos pelo governo federal, organizada em 1926 pelo decreto n. 17.329, que criou cargos de fiscais para o desempenho dessa tarefa.

Segundo o decreto de 1926, os estabelecimentos de ensino técnico-comercial reconhecidos oficialmente deveriam seguir as disposições referentes a currículo, duração dos cursos e instalações, ficando obrigados, ainda, a prover os cargos de professores mediante concurso ou estágio de, pelo menos, dois anos. O curso geral obrigatório para a formação de contador teria duração de quatro anos, e o curso superior, de caráter facultativo e que forneceria o diploma de graduação em ciências econômicas e comerciais, três. O ensino seria prático e as aulas de línguas estrangeiras ministradas nos próprios idiomas (Brasil, 1927, p. 506-511).

Para a matrícula no curso geral seriam exigidos exame de admissão, idade mínima de 12 anos e atestados de saúde e de vacinação. Para o curso superior, os requisitos eram o diploma do curso geral, a idade mínima de 16 anos e os referidos atestados (Brasil, 1927, p. 506-511).

Os fiscais nomeados em função rotativa pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio teriam as despesas custeadas pelas escolas inspecionadas, mediante depósito prévio, salvo os estabelecimentos subvencionados que já pagassem a cota de dez por cento sobre a respectiva subvenção, desde que fosse suficiente para cobrir os gastos. A fiscalização abrangeria toda a organização dos estabelecimentos, e o relatório a cargo dos fiscais informaria sobre o cumprimento do regulamento quanto ao funcionamento das aulas, fiel execução dos programas, moralidade dos exames e provas parciais, aparelhamento escolar, provimento das vagas do corpo docente e a legalidade dos diplomas conferidos. Em caso de verificação de irregularidades, competia ao ministro determinar a correção do problema para depois restituir o gozo das regalias da instituição infratora, como subvenções e outras concessões.

De acordo com os relatórios ministeriais, o regulamento teve como objetivo “coordenar e melhorar o ensino comercial no Brasil”, garantindo sua eficiência e padronização, além de estimular seu aperfeiçoamento por meio da adoção de “métodos modernos” (Brasil, 1928, p. 287-288).

Em seus primeiros anos de existência, houve um aumento da requisição da fiscalização, com resultados considerados animadores pelas autoridades, que destacaram inovações, como o ensino da “arte de vender e comprar” e da “arte de anunciar”, entre outros conhecimentos que favoreceriam a formação de “contabilistas, patrões, gerentes, vendedores, compradores, anunciantes, homens de visão nova, capazes de manejar a riqueza do Brasil” (Brasil, 1929a, p. 254).

Outros efeitos da regulamentação foram o crescimento da quantidade de matrículas nas escolas de comércio, a criação de cursos de comércio em internatos, a inserção de novas classes e disciplinas, e o despertar do interesse “dos filhos das melhores famílias” pelo ensino comercial (Brasil, 1929b, p. 24). Esses efeitos também se refletiram no número das escolas fiscalizadas, que se elevou para mais de setenta em 1929, exigindo a remodelação do serviço e acrescentando os cargos de fiscais-gerais, fiscais de exames e superintendente, que ficou encarregado da direção dos trabalhos do órgão, denominado superintendência no relatório daquele ano (Brasil, 1929b, p. 23-24; 1930, p. 17).

No contexto das transformações administrativas realizadas por Getúlio Vargas, após os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930, a Superintendência do Ensino Comercial foi transferida para o Ministério da Educação e Saúde Pública, criado pelo decreto n. 14.402, de 14 de novembro de 1930, que concentrou as instituições de ensino, com exceção daquelas referentes ao ensino agronômico ou agrícola, mantidas no Ministério da Agricultura. Em 1931, o decreto n. 20.158, de 30 de junho, promoveu a reorganização da superintendência, ampliando suas competências e estrutura, processo que continuaria nos anos seguintes, assinalando a importância do ensino técnico-comercial no novo contexto político.

Angélica Ricci Camargo
Jul. 2020

 

 

Fontes e bibliografia

ADDE, Tiago Villac. O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira durante a Primeira República. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis e Atuariais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://bit.ly/38B2bDg. Acesso em: 6 jul. 2020.

AULA de Comércio da Corte. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822), 2011. Disponível em: https://bit.ly/2Z3K71i. Acesso em: 6 jul. 2020.

AULA de Comércio da Corte. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2014. Disponível em: https://bit.ly/3gtPZH5. Acesso em: 6 jul. 2020.

BRASIL. Decreto n. 1.339, de 9 de janeiro de 1905. Declara instituição de utilidade pública a Academia de Comércio do Rio de Janeiro, reconhece os diplomas por ela conferidos como de caráter oficial e dá outras providências. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 11 jan. 1905. Seção 1, p. 225.

______. Decreto n. 4.724-a, de 23 de agosto de 1923. Equipara os diplomas da Academia de Ciências Comerciais de Alagoas e de outras instituições, aos da Academia de Comércio do Rio de Janeiro e dá outras providências. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 9 set. 1923. Seção 1, p. 24.869.

______. Decreto n. 17.329 de 28 de maio de 1926. Aprova o regulamento para os estabelecimentos de ensino técnico-comercial reconhecidos oficialmente pelo governo federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 506-511, 1927.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1926. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928. Disponível em: https://bit.ly/2BLRC4b. Acesso em: 6 jul. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1927. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1929a. Disponível em: https://bit.ly/2DiS22x. Acesso em: 6 jul. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1928. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1929b. Disponível em: https://bit.ly/2NX1FWw. Acesso em: 6 jul. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio Geminiano Lyra Castro em 1929. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1930. Disponível em: https://bit.ly/38vpn5y. Acesso em: 6 jul. 2020.

CONTADORIA Central da República. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://bit.ly/3FClqfh. Acesso em: 29 dez. 2021.

LEITE, Carlos Eduardo Barros. A evolução das ciências contábeis no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2005.

PELEIAS, Ivam Ricardo; SILVA, Glauco Peres da; SEGRETI, João Bosco; CHIROTTO, Amanda Russo. Evolução do ensino da contabilidade no Brasil: uma análise histórica. Revista Contabilidade & Finanças, São Paulo, v. 18, p. 19-32, 2007. Disponível em: https://bit.ly/3f5Zegi. Acesso em: 6 jul. 2020.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0520_m0018de0035

 

 

 

 

 

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