A Escola Correcional Quinze de Novembro foi fundada em 3 de dezembro de 1899, destinada a recolher, por ordem do chefe de polícia ou do juiz criminal, os menores “viciosos”, órfãos sem recursos e menores de nove a 14 anos julgados culpados por crime ou contravenção, que tivessem agido com ‘discernimento’, de acordo com o disposto no Código Penal, (Brasil,1901; 1902).
O primeiro regulamento da escola foi aprovado pelo decreto n. 4.780, de 2 de março de 1903, sob a justificativa de que a instituição não cumpria sua finalidade, que consistia em “velar sobre os menores, que, pelo abandono ou miséria dos pais, viviam às soltas e expostos à prática e transgressões próprias de sua idade” (Brasil, 1907, p. 263). Desse modo, sua existência se justificava também pelo caráter preventivo em detrimento do repressivo, que se daria por meio de um conjunto de práticas pedagógicas e do ensino profissional.
De acordo com o decreto n. 4.780, cabia à escola oferecer educação física, profissional e moral aos menores abandonados e recolhidos ao estabelecimento por ordem das autoridades competentes conforme estipulado no art. 7º da lei n. 947, de 29 de dezembro de 1902. Nessa direção, foram classificados na categoria "menores abandonados" os indivíduos maiores de nove anos de idade e menores de 14 órfãos ou que, por negligência, vícios ou enfermidade dos pais ou tutores, parentes ou indivíduos, ou por outras causas, tivessem a sua guarda entregue às autoridades policiais ou judiciárias, ou fossem encontrados habitualmente sós na via pública ou privados de educação (Brasil, 1902, art. 7º, incisos I e II; Brasil, 1907, art. 2º).
Em 1910, a partir do regulamento baixado pelo decreto n. 8.203, de 8 de setembro, a escola passou a se chamar Premonitória Quinze de Novembro, o que lembrava sua missão de prevenir que os "menores abandonados" viessem a se tornar, no futuro, possíveis infratores (Vianna, 1999, p. 63).
Essa característica distinguiu a Escola Premonitória de outras instituições que também se destinavam à internação de "menores", mas se destacavam por seu caráter predominantemente repressivo como a Casa de Detenção do Distrito Federal e a Colônia Correcional de Dois Rios, esta última ligada na época à 2ª Seção da Diretoria-Geral da Justiça do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. No regulamento da colônia, baixado pelo decreto n. 1.794, de 11 de setembro de 1894, não havia referência quanto à separação dos que se encontravam detidos. No entanto, naquele estabelecimento foram internados tanto os menores submetidos a processos jurídicos quanto aqueles recolhidos em virtude de diversas resoluções (Santos, 2009, p. 112 e 144-5; Vianna, 1999, p. 57-8).
As transformações econômicas, sociais, políticas e culturais que já estavam em curso desde o final do XIX alteraram drasticamente a vida na cidade do Rio de Janeiro logo nos primeiros anos do século seguinte. Se, por um lado, a mudança de regime político com a Proclamação da República inaugurou um período de intensa agitação na maior cidade do país, por outro, a abolição da escravidão alteraria drasticamente seu perfil. Conforme aponta a historiografia, as alterações foram de natureza quantitativa, sendo a primeira delas de ordem demográfica, depois étnica e ocupacional. Após a abolição, parte da mão-de-obra escrava se dirigiu ao mercado de trabalho livre, ocorrendo dessa forma uma emigração em massa da região cafeeira para a capital. Esse movimento emigratório, somado à imigração estrangeira predominantemente portuguesa, resultou num crescimento populacional significativo. Todo esse contingente só veio a engrossar o número de indivíduos que então viviam na capital do país em condições de vida precárias, sofrendo com o custo de vida, os surtos epidêmicos, a escassez de habitações, sem ocupação fixa e subempregadas (Carvalho, 1987, p. 15-19). Nesse contexto, crianças e adolescentes se viram obrigados a trabalhar em serviços pesados em troca de remuneração irrisória ou a vagarem pelas ruas, pedindo esmolas e cometendo pequenas infrações.
Assim, a ação da polícia no Distrito Federal em nome da manutenção da ordem que vinha sendo instituída desde a Proclamação da República, passou a visar o controle da população urbana pobre através de uma vigilância estrita desses indivíduos considerados transgressores e, portanto, potencialmente suspeitos de qualquer crime.
A partir da lei n. 628, de 28 de outubro de 1899, passou à competência dos chefes de Polícia e delegados auxiliares no Distrito Federal mover ação judicial contra a vadiagem, a mendicância, a capoeiragem, a embriaguez, os jogos de azar, loterias e rifas não autorizadas por lei, que foram práticas incluídas na categoria contravenção conforme definido pelo Código Penal de 1890. Mantinham ainda o controle de todas as etapas do julgamento, excetuando a sentença final que era prerrogativa do Poder Judiciário (Vianna, 1999, p. 45).
No que se refere ao recolhimento de menores no Distrito Federal, tal tarefa ficou a cargo das delegacias distritais ou do Corpo de Segurança Pública, ambos com função de vigilância da cidade, cabendo à secretaria, na figura do chefe de Polícia, designar a instituição onde os menores recolhidos seriam internados. Os juízes de órfãos também podiam remeter os menores para a Escola Quinze de Novembro. No entanto, essa autoridade judiciária praticamente não participava do processo de designação dos menores, sendo a grande maioria enviada por determinação direta do chefe de Polícia até a década de 1920 (Vianna, 1999, p. 72).
De 1899 até 1908, a Escola Correcional funcionou em São Cristóvão, sendo transferida posteriormente para uma região rural no Estado do Rio de Janeiro denominada Fazenda da Bica, na estação de Quintino Bocaiúva. A escola ficou sob a imediata inspeção do chefe de Polícia, sendo destinada aos indivíduos do sexo masculino. Conforme registrado no relatório do diretor Franco Vaz, no período de 1903 a 1912 a instituição não se caracterizava por sua função punitiva, mas sim pela prevenção então dirigida aos menores abandonados e órfãos, e ainda, aos já classificados pela polícia por ‘vadios’, isto é, aqueles indivíduos considerados potencialmente perigosos. Afirmava também que a Quinze de Novembro não se destinava àqueles que já tivessem incidido em sanção penal. Ao completar a idade de 17 anos, o interno deveria ser dela desligado, sendo autorizado pela instância que o havia admitido (Vianna, 1999, p. 63-4, 66).
Destinada a oferecer aos internos educação física, moral e também profissional, a missão pedagógica da escola foi adaptada ao perfil dos seus internos, descritos pelo regulamento de 1903 como “gente desclassificada” cuja instrução e o ensino profissional se resumiriam ao indispensável à sua integração na sociedade (Brasil, 1907).
Embora fosse considerada uma instituição modelar, após dois anos de funcionamento, a Escola XV de Novembro sofreu duras críticas por parte do diretor Franco Vaz, entre as quais destacam-se: condições insatisfatórias de higiene e vigilância sobre os internos, ensino profissional pouco eficaz e menores delinquentes convivendo com menores não delinquentes. Diante desse quadro, o próprio diretor deu início a um processo de reorganização da escola do qual resultou um novo regulamento onde a observância do trabalho deveria ser mais rigorosa, com vistas a transformá-la numa instituição considerável e modelar (Rizzini, 2011, p. 234-5).
No segundo regulamento, baixado pelo decreto n. 8.203, de 8 de setembro de 1910, sua competência foi mantida, mas, conforme já enunciado no regulamento anterior, sendo os internos pertencentes às ‘classes pobres’, receberiam apenas a instrução primária e o ensino profissional na medida necessária para permitir sua integração à vida social. No entanto, os internos que apresentassem ao longo do estágio capacidade para prosseguir seus estudos, seriam admitidos nas instituições secundárias ou artísticas, custeadas pela União, sendo preferíveis a quaisquer outros que se candidatassem a esses estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1915, art. 3º). Nesse mesmo regulamento, foi prevista a instalação das oficinas de sapateiro, correeiro e seleiro, marceneiro, entalhador, carpinteiro, empalhador, vassoureiro, funileiro, ferreiro, serralheiro, limador, oleiro, torneiro de ferro e madeira, canteiro, alfaiate, tipógrafo, encadernação, gravador, eletricidade, e anexa a elas funcionava uma aula de desenho.
Em 20 de dezembro de 1923, o decreto n. 16.272, aprovou o regulamento da assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes, que já havia sido prevista pela Lei Orçamentária Federal n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921. Foi criado também por esse decreto, o primeiro Juízo de Menores do Distrito Federal, inaugurando, assim, um modelo de atuação que prevaleceu na história da assistência pública oficial do país até a década de 1940 quando foi criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), órgão do Ministério da Justiça. Foram criados também novos estabelecimentos destinados aos menores provenientes das camadas pobres, a fim de cumprir as determinações da política sistemática de internação de cunho assistencialista e paternalista adotada pelo Juízo de Menores do Distrito Federal, onde o jurista e professor José Cândido de Albuquerque Mello Mattos (1864-1934) atuou como juiz de menores de 1924 a 1933. Dessa forma, o art. 37 do decreto n. 16.272 autorizou a divisão da Escola 15 de Novembro em duas sessões, uma de reforma e outra de preservação, e o art. 74 criou uma escola de reforma para menores criminosos e contraventores, destinada aos menores do sexo masculino, anexa a essa mesma instituição. Foi previsto também a criação de um Abrigo de Menores, posteriormente transformado no Instituto Sete de Setembro, e uma escola de preservação. Esse mesmo decreto instituiu ainda o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores no Distrito Federal (Rizzini, 2011, p. 242, 244 e 251).
A seção de preservação da Escola Quinze de Novembro destinava-se a receber os menores do sexo masculino, maiores de 14 anos e menores de 18, julgados e remetidos para internação pelo juiz de menores, para ali serem regenerados pelo trabalho, pela educação e pela instrução. Quanto à escola de reforma, o então ministro da Justiça e Negócios Interiores (1925-1926), Afonso Pena Júnior (1879-1968), ordenou a interrupção das obras do edifício onde seria instalada a referida escola por considerar inapropriada a proximidade entre os menores abandonados e os criminosos e contraventores (Rizzini, 2011, p. 255).
Conforme o decreto n. 4.983-A, de 30 de dezembro de 1925, a escola de reforma foi desanexada da Escola Quinze de Novembro, e instalada no próprio nacional do Galeão, na ilha do Governador, onde anteriormente funcionava a Colônia de Alienados, passando a ter uma administração independente. A seção de reforma da escola Quinze de Novembro passou a denominar-se em homenagem ao ministro da Justiça e Negócios Interiores de 1922 a 1925, Escola João Luís Alves, a partir do decreto n. 17.172, de 30 de dezembro de 1925. Seu primeiro regulamento foi baixado pelo decreto n. 17.508, de 4 de novembro de 1926.
O Código de Menores de 1927, também denominado Mello Mattos, consolidou as leis de assistência e proteção a menores por meio do decreto n. 17.943-A, de 12 de outubro de 1927. Tal codificação representou de fato um ponto de inflexão relativamente à ação do Estado, que passou a implementar políticas públicas de cunho social, beneficiando crianças e adolescentes tanto abandonados quanto delinquentes em detrimento da repressão policial até então praticada.
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Maio 2018
Fontes e bibliografia
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______. Decreto n. 2.432, de 12 de janeiro de 1897. Declara extinta a Colônia Correcional dos Dois Rios. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 57, 1898.
______. Lei n. 628, de 28 de outubro de 1899. Amplia a ação penal por denúncia do Ministério Público, e dá outras providências. Disponível em: https://goo.gl/57dHok. Acesso em: 3 maio 2018.
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______. Decreto n. 4.780, de 2 de março de 1903. Aprova o regulamento para a Escola Correcional Quinze de Novembro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 263-276, 1907.
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______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores dr. Epitácio Pessoa em março de 1901. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1901.
BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Os porões da República: a barbárie nas prisões da Ilha Grande, 1894-1945. Rio de Janeiro, Garamond, 2009.
VIANNA, Adriana de Resende Barreto. O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.
RIZZINI, Irma. Meninos desvalidos e menores transviados: a trajetória da assistência pública até a Era Vargas, p. 225-86. In: RIZZINI, Irma; PILOTTI, Francisco (orgs.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR)_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR_RJANRIO_J8 Relatórios Diversos
BR_RJANRIO_HH Secretaria da Polícia do Distrito Federal
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)
Referência da imagem
Anteprojeto para a construção de um cinema na Escola XV de Novembro. [s.l.], 1926. Fundo Ministério da Justiça e Negócios Interiores. RB_RJANRIO_4T_0_MAP_0477