A Maternidade do Rio de Janeiro foi criada pelo decreto n. 5.117, de 18 de janeiro de 1904, após campanha que, a partir da década de 1870, reivindicava que o poder público assumisse a assistência materno-infantil. Sua direção coube a um conselho, composto de um diretor, um vice-diretor e um tesoureiro, e estava subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, pasta responsável pelos temas relativos à saúde pública.
O modelo de assistência médica à população centrado na ação caritativa das irmandades e ordens terceiras, que vigorara desde o período colonial, sofre uma profunda transformação no final do século XIX. Como um dos marcos deste processo, temos a configuração do hospital como um espaço de prática médica, não mais como um domínio da caridade, o que se desenrola simultaneamente com outras transformações na assistência à saúde. Esta mudança esteve intimamente relacionada ao papel desempenhado pelo ensino médico, bem como ao avanço dos estudos sobre microbiologia, que alteraram, significativamente, o hospital, fazendo com que se tornasse lugar da terapêutica, da pesquisa científica e da formação médica.
Verifica-se também neste período o surgimento de outros espaços de cura, instituições filantrópicas que procuravam dar conta da assistência médica à população, como a Policlínica do Rio de Janeiro (1881) e a Policlínica de Botafogo (1899). No entanto, o hospital não fora incorporado à ação do Estado, a assistência hospitalar ainda era bastante dependente da atuação das misericórdias e das instituições filantrópicas, que asseguravam socorro médico e fornecimento de medicamentos à população, especialmente aos mais necessitados (Sanglard, 2008).
Além da mudança do espaço hospitalar, outros elementos fizeram parte do processo de constituição de uma maternidade pública, em que a formação do saber médico teve um importante papel. O século XIX marca um ponto de inflexão na longa trajetória da medicalização da assistência à mulher e do parto, atividades que estiveram, tradicionalmente, nas mãos das chamadas parteiras, as quais disputaram com a medicina o saber sobre o corpo feminino. A criação da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, em 1808, foi um dos marcos desta trajetória, secundada pelo desenvolvimento da obstetrícia como disciplina, até a configuração da ginecologia como campo distinto (Martins, 2004).
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por importantes transformações. Com a Proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891, verificou-se um rearranjo no modelo da administração pública para sua adequação ao sistema federalista, que garantiu a autonomia dos estados-membros e a diminuição de poder do governo central, verificado ao longo do Império. A situação singular do Distrito Federal foi tratada pelas leis n. 26, de 30 de dezembro de 1891, que lhe incumbiu os serviços concernentes a higiene, polícia sanitária, limpeza urbana, desinfetórios e assistência à infância, e n. 85, de 20 de setembro de 1892, que estabeleceu a organização municipal.
A situação sanitária da cidade foi objeto de uma profunda intervenção, o saneamento urbano e a modernização do porto tornaram-se as principais bandeiras do presidente recém-eleito, o ex-governador paulista Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-1906). Em 1903, Rodrigues Alves nomeia o engenheiro Francisco Pereira Passos prefeito do Distrito Federal, com a missão de conduzir o projeto de reurbanização da cidade, cabendo aos dois engenheiros as reformas mais importantes: Francisco Bicalho a renovação do porto, e Paulo de Frontin, as reformas no centro do Rio de Janeiro, com a abertura da avenida Central (atual Rio Branco), da avenida do Cais (atual Rodrigues Alves) e do Canal do Mangue. O médico Oswaldo Gonçalves Cruz foi nomeado diretor da Diretoria-Geral de Saúde Pública, responsável pelo controle dos surtos epidêmicos e pela vacinação obrigatória contra a varíola, mote para a irrupção da Revolta da Vacina.
Este foi o contexto de criação da Maternidade do Rio de Janeiro, cuja atribuição seria manter um consultório para exame de mulheres durante a gestação, bem como para amas de leite, onde fossem atendidas as doentes externas que necessitassem de curativos e pequenas operações ginecológicas; recolher mulheres grávidas no período da gestação, parturientes e puérperas, a fim de proporcionar repouso e assistência; e distribuir, diariamente, leite esterilizado às crianças cujas mães estivessem impedidas de amamentar. Estavam previstas ainda a criação de um pavilhão de ginecologia, que atenderia doentes externas necessitadas de pequenas intervenções, e a fundação de um recolhimento para crianças que, nascidas na maternidade, ficassem desvalidas.
A maternidade congregava em seus estatutos um caráter humanitário, mas também representava um espaço de formação, abrigando o ensino “prático e livre de partos e ginecologia, podendo ser frequentado por médicos, parteiras e alunos das sériessuperiores da faculdade, na qualidade de praticantes, e com licença da respectiva administração” (Brasil, 1907). E ainda, anexa à maternidade, funcionaria uma escola profissional de enfermeiras, cujo curso constaria de uma parte geral, de assistência aos enfermos, e outra especial, de assistência às senhoras e recém-nascidos (Brasil, 1907).
A Maternidade do Rio de Janeiro foi resultado de uma campanha, encabeçada pelos médicos Antônio Rodrigues Lima (1854-1923) e Érico Marinho da Gama da Gama Coelho (1849-1922). Érico Coelho apresentara, em 1886, proposta de criação de uma maternidade na cidade do Rio de Janeiro, período em que estava sendo construída, pelo Distrito Federal, a Maternidade Municipal de Santa Izabel. Estabelecida a partir de solicitação enviada à Câmara Municipal pelo médico José Rodrigues dos Santos, começou a funcionar em 1880, tendo sido instalada, provisoriamente, em uma enfermaria da Casa de Saúde Nossa Senhora da Ajuda. Foi fechada em 1883, as obras para construção, pelo município, de um prédio próprio tiveram início seis anos depois, na praia da Lapa, mas não seriam concluídas (Barreto, 2016).
A proposta de uma maternidade no Rio de Janeiro foi retomada em 1886, pelos médicos Rodrigues Lima e Érico Coelho, que tiveram ainda uma carreira política, ambos como deputado federal. A campanha mobilizou a elite da cidade, tendo sido fundada a Associação Auxiliadora da Maternidade, em 1903, que contou com a adesão de mulheres da sociedade carioca. Garantida verba para compra do terreno onde seria construída, no bairro de Laranjeiras, a maternidade foi fundada em 1904, tendo como primeiro diretor o médico Rodrigues Lima, considerado o seu fundador, que se manteria no cargo até 1914.
A partir da instalação da maternidade, as aulas de ginecologia e obstetrícia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro passaram a ser ministradas em suas enfermarias, o que constituía uma reivindicação antiga dos médicos e professores dessa instituição de ensino. Em 1918, a Maternidade Laranjeiras foi incorporada ao patrimônio da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, pelo decreto legislativo n. 3.604, de 11 de dezembro de 1918, no final da gestão do médico Fernandes Magalhães (1815-1918).
Dilma Cabral
Jun. 2019
Fontes e bibliografia
ANTÔNIO RODRIGUES LIMA. In: Academia Nacional de Medicina. Disponível em: https://bit.ly/2J5vem2. Acesso em: 24 jun. 2019.
BARRETO, Maria Renilda. Pro Matre: arquivo e fontes para a história da maternidade no Rio de Janeiro. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 18, supl. 1, p. 295-301, 2011.
______. Maternidade para escravas no Rio de Janeiro (1850-1889). Revista de História Regional, v. 21, n. 2, p. 389-406, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2ZJLMGH. Acesso em: 19 jun. 2019.
BRASIL. Decreto n. 5.117, de 18 de janeiro de 1904. Organiza a Maternidade do Rio de Janeiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 27, 1907. Disponível em: https://bit.ly/2Ybv176. Acesso em: 25 jun. 2019.
______. Decreto n. 5.154, de 3 de março de 1904. Aprova os estatutos da Maternidade do Rio Janeiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 192-205, 1907. Acesso em: https://bit.ly/2ZP6zZD. Disponível em: 25 jun. 2019.
______. Decreto n. 10.049, de 14 de fevereiro de 1913. Abre ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores o crédito especial de 100:000$ para pagamento de subvenção à Maternidade das Laranjeiras, na Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 499, 1916.
______. Decreto n. 11.151, de 23 de setembro de 1914. Aprova as modificações feitas nos estatutos da Maternidade do Rio de Janeiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 579-583, 1916.
______. Decreto legislativo n. 3.604, de 11 de dezembro de 1918. Incorpora ao patrimônio da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro a Maternidade das Laranjeiras. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 13 dez. 1918. Seção 1, p. 14.696.
MARTINS, Ana Paula Vosne. A ciência obstétrica. In: ______. Visões do feminino: a medicina da mulher nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004. p. 63-106. (História e Saúde). Disponível em: https://bit.ly/2Np9QgG. Acesso em: 18 jun. 2019.
SANGLARD, Gisele. A Primeira República e a constituição de uma rede hospitalar no Distrito Federal. In: PORTO, Ângela et al. História da saúde no Rio de Janeiro: instituições e patrimônio arquitetônico (1808-1958). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008b. p. 61-87.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Fotografias [de] ruas, prédios e monumentos da cidade do Rio de Janeiro (RJ), [1908]. Arquivo Nacional, Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_441_06