O Comissariado da Alimentação Pública foi criado pelo decreto n. 13.069, de 12 de junho de 1918, com a finalidade de controlar a exportação de alimentos para os países aliados, no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e manter o equilíbrio da balança comercial brasileira, de modo a não agravar a situação de carestia vivida pela população naquele momento. Para isso, cabia ao órgão verificar os estoques dos gêneros alimentícios e de primeira necessidade existentes nos armazéns, trapiches e depósitos para conhecer sua quantidade, qualidade e procedência; inquirir sobre o seu custo de produção, preços de aquisição e preços pelos quais eram vendidos aos consumidores; adquiri-los por meio de compra, requisitá-los ou desapropriá-los por necessidade pública, como medida excepcional do estado de guerra; convencionar, com os estabelecimentos, a venda nas quantidades e limites de preços estipulados, ou estabelecer armazéns destinados ao mesmo fim; atender às cooperativas operárias para que elas alcançassem seus objetivos; e tomar quaisquer outras medidas relativas ao equilíbrio entre as necessidades da exportação e as do consumo interno do país (Brasil, 1919a, p. 617-618).
A guerra provocou uma alta dos preços dos alimentos importados, que também atingiu os gêneros produzidos no Brasil, incluindo aqueles voltados apenas para o mercado interno, que serviam para substituir alguns itens estrangeiros (Pinheiro, 2006, p. 157).
O aumento do custo de vida e a carestia entraram na pauta do movimento operário, somando-se às reivindicações específicas, como diminuição da jornada de trabalho, medidas de segurança e fim do trabalho de menores, e contribuíram, em conjunto com outros fatores, para a eclosão de muitas greves entre os anos de 1917 e 1919 (Pinheiro, 2006, p. 173; Superintendência..., 2020).
Essas manifestações foram seguidas de dura repressão policial e da intervenção do Estado na área do abastecimento, preocupado com a garantia da “subsistência do operariado”, que resultou no estabelecimento do Comissariado da Alimentação Pública (Brasil, 1919a, p. 617). Além disso, nos anos que se sucederam ao fim da guerra, o governo aprovaria suas primeiras leis de proteção social, bem como criaria órgãos voltados para as questões relacionadas ao trabalho, como a Comissão Consultiva para o Estudo dos Assuntos Concernentes aos Seguros contra Acidentes do Trabalho, pelo decreto n. 13.543, de 9 de abril de 1919, e o Conselho Nacional do Trabalho, pelo decreto n. 16.027, de 30 de abril de 1923.
De acordo com o decreto n. 13.069, de 1918, o comissariado seria composto por um comissário, cargo ocupado inicialmente pelo ex-ministro da Fazenda Leopoldo de Bulhões, um subcomissário e os auxiliares que fossem necessários. Neste mesmo ano, o decreto n. 13.193, de 13 de setembro, regulou o órgão, ampliando suas atribuições, que passaram a compreender competências a serem exercidas por meio da ordem direta do presidente da República, tais como a suspensão da importação ou exportação de quaisquer mercadorias por motivo de ordem pública; a administração de toda ou parte de qualquer empresa ou meio de transporte; a requisição de todas ou parte das linhas, material rodante ou de outra natureza de qualquer companhia, estrada de ferro ou empresa de transporte; o uso de propriedade particular e a desapropriação de todo o tipo de bens e requisição de mercadorias de primeira necessidade para dar-lhes o destino conveniente (Brasil, 1919b, p. 96-100).
O decreto n. 13.193 previu a designação de delegados do comissariado fora de sua sede, no Distrito Federal, e a nomeação de juntas de alimentação, com o objetivo de auxiliar o órgão no desempenho de suas funções e com poder de deliberação sobre os assuntos discriminados em suas resoluções ou instruções. O ato também dispôs sobre as punições às transgressões das diretrizes emanadas, que poderiam variar de multas, suspensão do cargo, no caso de funcionários públicos, e até prisão, cabendo aos infratores recurso voluntário, sem efeito suspensivo, para o presidente da República.
O órgão ainda vigorou após o término da guerra em novembro de 1918. Em 1919, o decreto n. 13.388, de 6 de janeiro, transferiu o comissariado para o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Em suas justificativas, o ato informou que não haviam sido preenchidos os fins de sua existência, pois faltavam outras estruturas administrativas para tonar a sua ação eficaz em todo o território nacional. Além disso, a pasta da Agricultura concentrava os elementos estatísticos sobre os alimentos consumidos nos maiores centros do Brasil, podendo regular o suprimento desses mercados por meio de uma distribuição e circulação mais eficiente desses produtos (Brasil, 1920a, p. 5-6).
O Comissariado da Alimentação Pública deixou de funcionar, provavelmente, em 1919, mas não foi encontrado o seu ato de extinção. No entanto, logo no início do ano seguinte, o governo federal entendeu que deveria manter as medidas para impedir a elevação dos preços dos gêneros alimentícios e de primeira necessidade, “a fim de prevenir o possível mal-estar das classes menos abastadas e consequentes perturbações da ordem pública” (Brasil, 1921, p. 383). Assim, o decreto n. 16.027, de 21 de janeiro de 1920, estabeleceu a Superintendência do Abastecimento, que desempenharia as atribuições antes pertencentes ao comissariado até 1926, quando foi extinta.
Angélica Ricci Camargo
Mar. 2020
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 13.069, de 19 de junho de 1918. Cria o Comissariado da Alimentação Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 617-618, 1919a.
______. Decreto n. 13.193, de 13 de setembro de 1918. Regula as atribuições do Comissariado da Alimentação Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 96-100, 1919b.
______. Decreto n. 13.388, de 6 de janeiro de 1919. Transfere para o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio o Comissariado da Alimentação Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 5-6, 1920a.
______. Decreto n. 14.027, de 21 de janeiro de 1920. Cria a Superintendência do Abastecimento e aprova o regulamento para a execução das medidas constantes dos arts. 2º, 3º e 4º, do decreto legislativo n. 4.034, de 12 de janeiro de 1920. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 463-467, 1921.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio ldefonso Simões Lopes em 1920. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas-Boas & C, 1920. Disponível em: https://bit.ly/3avQjlX. Acesso em: 30 mar. 2020b.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. O proletariado na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (coord). História Geral da Civilização Brasileira. t. 3: O Brasil republicano. v. 9: Sociedade e instituições (1889-1930). 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 147-193.
SUPERINTENDÊNCIA do Abastecimento. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://bit.ly/3ilmpay. Acesso em: 4 ago. 2021.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0205_d0003de0003