Criada pelo decreto de 4 de abril de 1811, sob a inspeção do físico-mor e do intendente-geral de Polícia, a Junta da Instituição Vacínica da Corte tinha por atribuição a propagação da vacina antivariólica.
A iniciativa de estabelecer um órgão voltado para a difusão da vacina fez parte das transformações advindas da transferência da corte para o Brasil em 1808, que deu início ao processo de institucionalização da medicina com a autorização para o funcionamento dos primeiros cursos de formação médico-cirúrgica na colônia. Além da fundação da Escola de Cirurgia da Bahia e da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro (1808), outras importantes medidas foram implementadas, como a criação dos cargos de físico-mor e cirurgião-mor (1808), de provedor-mor da Saúde (1809) e da Botica Real Militar (1808), anexa ao Hospital Militar e da Marinha.
A varíola foi uma das maiores preocupações sanitárias durante todo o período colonial, originando diversas ações que buscavam minimizar os constantes surtos epidêmicos da doença, que apresentava sempre um alto grau de letalidade. Com a descoberta da vacina antivariólica em 1778, a técnica de variolização que era utilizada na Europa desde o século XVI foi sendo, paulatinamente, substituída.
Não tardou muito para que a propagação do uso da vacina no Reino e domínios ultramarinos fosse recomendada pela Coroa portuguesa. Em 1802, o conde de Anadia, ministro da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, recomendou, ao vice-rei do Brasil e aos governadores das capitanias, a propagação da vacina, introduzida na colônia em 1804 e logo tornada obrigatória em várias capitanias. Tal medida, no entanto, não foi suficiente para conter os surtos da doença na colônia.
Com a criação da Junta da Instituição Vacínica da Corte, pretendia-se estabelecer um órgão permanente que fosse responsável pela propagação da vacina. O decreto de 4 de dezembro de 1811 definiu a gratificação dos empregados da Junta Vacínica, mas essa relação não foi publicada na Coleção das leis do Brasil, encontrando-se sob a forma de documentação manuscrita no acervo do Arquivo Nacional. Para inspetor-geral da Junta foi nomeado Teodoro Ferreira de Aguiar, cirurgião-mor do Exército e médico da Real Câmara, além do escrivão Bernardo Francisco Monteiro e de três vacinadores: Francisco Bonifácio, Hércules Otaviano Musi e Florêncio Antônio Barreto. Esse documento informa, ainda, que, pelo decreto de 14 de abril de 1821, foi nomeado inspetor Joaquim Rocha Mazarém, no lugar de Teodoro Ferreira de Aguiar, que acompanhou d. João VI em sua volta a Lisboa.
A Junta Vacínica ficava sob a inspeção do físico-mor do Reino e do intendente-geral da Polícia da corte. O físico-mor funcionava como um juízo privativo sobre as questões de medicina, cabendo-lhe, entre outras atribuições, a fiscalização sobre o exercício da medicina no Brasil. Por outro lado, a Intendência Geral da Polícia, criada pelo alvará de 10 de maio de 1808, tal como sua congênere em Portugal, desempenhava inúmeras funções que envolviam a própria administração da cidade.
Antes da criação da Junta da Instituição Vacínica da Corte, a vacinação era realizada na Câmaras Municipais, sendo encarregado de sua inspeção o responsável pela Polícia, marechal Miguel Nunes Vidigal, além de dois cirurgiões e um escriturário. A chegada da corte portuguesa ao Brasil provocou algumas mudanças nesse serviço, já que o Senado da Câmara passou a acomodar a família real, deslocando-se a vacinação para uma botica. Em virtude da precariedade das acomodações, o então ministro de Estado dos Negócios do Brasil a removeu, em janeiro de 1811, para a casa do intendente-geral da Polícia, Paulo Fernandes Viana. A distância da residência do intendente de Polícia criou novas dificuldades e, sob a inspeção do médico Teodoro Ferreira de Aguiar, a vacinação foi novamente transferida para a casa do Senado da Câmara.
A própria junta se encarregava da vacinação na corte, enquanto nas demais vilas e capitanias sua tarefa era fornecer a linfa ou pus vacínico para os cirurgiões encarregados da tarefa. A lei de 30 de agosto de 1828 extinguiu os cargos de físico-mor, cirurgião-mor e provedor-mor do Império, passando às câmaras municipais e à justiça as atribuições que haviam sido conferidas a eles pelos regimentos de 23 de novembro de 1808, 28 de julho de 1809 e 22 de janeiro de 1810, incluindo a supervisão sobre a vacinação. A vinculação dos serviços de saúde à Câmara Municipal se manteve até 1850, quando foi criada a Junta de Higiene Pública.
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
ARQUIVO NACIONAL. Livro de registro de tudo que pertence à instituição da vacina. Fundo Polícia da Corte (0E), códice 368, f. 3.
FERNANDES, Tânia. Vacina antivariólica: ciência, técnica e o poder dos homens (1808-1920). Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1999.
INSTITUIÇÃO vacínica. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (coord.). Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1994. p. 438-440.
INSTITUTO Vacínico do Império. In: DICIONÁRIO histórico-biográfico das ciências da saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://goo.gl/VtqUeD. Acesso em: 28 mai. 2008.
LOPES, Myriam Bahia; POLITO, Ronald. Para uma história da vacina no Brasil: um manuscrito inédito de Norberto e Macedo. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 595-605, abr./jun. 2007.
SANTOS FILHO, Lycurgo dos. História da medicina no Brasil: do século XVI ao século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1947.
Referência da imagem
Ângelo Pereira. Os filhos de el-rei d. João VI: reconstituição histórica com documentos inéditos que, na sua maioria, pertenceram ao Real Gabinete. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1946. Arquivo Nacional, OR_4385_V1
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período colonial. Para informações entre 1822 e 1889, consulte Junta da Instituição Vacínica da Corte