O Laboratório de Química foi criado na corte pelo decreto de 27 de outubro de 1819, com a finalidade de “analisar os produtos desta e das outras províncias deste Reino, franqueando o processo da análise que neles fizer com as noções convenientes”, como parte do esforço de se adquirir noções práticas de química para que se conhecessem tanto as artes e a farmácia dos produtos existentes no Brasil, quanto suas vantagens para a agricultura (Brasil, 1889, p. 76).
O estudo da química direcionado para fins pragmáticos remete à valorização da natureza como fonte de riqueza e saber, intensificada, em Portugal, sob o reinado de d. José I (1750-1777). A política fomentista e as reformas realizadas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, depois marquês de Pombal, deram destaque ao conhecimento e às aplicações práticas das ciências naturais. Nesse sentido, houve a inserção da química e de outras disciplinas no recém-criado curso de filosofia na Universidade de Coimbra, além do estabelecimento de instituições culturais e científicas, como jardins botânicos, gabinetes e museus de história natural, e laboratórios de química. Esse movimento teve continuidade no reinado de d. Maria I, quando se fundou a Academia Real de Ciências em Lisboa, em 1779, um espaço de congregação e divulgação de ideias científicas e literárias, responsável pelo incentivo a expedições destinadas à coleta de materiais para pesquisa e composição das coleções dos museus, as chamadas ‘viagens filosóficas’.
No Brasil, o estudo e a prática da investigação química tomou impulso com a transferência da corte em 1808. No entanto, antes disso, alguns brasileiros, estudantes em Coimbra, mereceram destaque nessa matéria, como os membros da Academia Real de Ciências de Lisboa, Vicente Coelho Seabra Silva Teles, autor de diversos livros, entre eles o compêndio Elementos de química, e José Bonifácio de Andrada e Silva, destacado naturalista que realizou importantes pesquisas no campo da mineralogia. Além desses, cumpre citar João Manso Pereira, que, apesar de não ter realizado estudos superiores, publicou cinco livros sobre química utilitária (Farias, 2004, p. 38-39).
Transformada em nova sede do Reino, a cidade do Rio de Janeiro passou a abrigar os órgãos centrais da administração portuguesa, assim como instituições educacionais, culturais e científicas, que seguiriam as diretrizes estabelecidas em Portugal. Criaram-se cursos superiores de medicina e engenharia, nos quais a química era considerada uma disciplina complementar, e instalaram-se órgãos direcionados para atividades científicas, como o Jardim Botânico , o Laboratório Químico-Prático, o Museu Real e o Real Arquivo Militar, entre outros.
Ao lado das iniciativas oficiais, foram feitos importantes empreendimentos particulares, como o laboratório de química de Antônio de Araújo e Azevedo, conde da Barca, que teria iniciado seus trabalhos ainda em 1808. Um dos grandes representantes do pensamento ilustrado português, tradutor dos poetas Alexander Pope e John Dryden, o conde foi um grande incentivador de atividades científicas e culturais. Coube a ele trazer os prelos e tipos que foram utilizados no início da Impressão Régia, além de sua biblioteca particular, que começou a ser organizada em 1787 e chegou a mais de 74 mil volumes, além dos instrumentos que comporiam seu laboratório (Schwarcz, 2002, p. 357).
Dirigido por José Caetano de Barros, boticário português, o laboratório do conde da Barca chegou a elaborar preparações químicas para o Hospital Real Militar, apesar da existência de um órgão oficial para esse fim, o Laboratório Químico-Prático, e a realizar diversas experiências com vinhos e aguardentes, que constituíram suas principais receitas. O laboratório também servia para a preparação de boticários e era utilizado pelos alunos da Academia Médico-Cirúrgica. A partir de 1818, um laboratório de farmácia foi anexado ao de química, ampliando suas atividades (Santos, 2004a, p. 346; 2007, p. 1.039).
A criação do Laboratório de Química em 1819, mesmo ano em que foram suspensas as atividades do Laboratório Químico-Prático, realizou-se com a incorporação, pelo decreto de 28 de agosto de 1820, dos instrumentos e da própria casa do conde da Barca, falecido em 1817. Além disso, o decreto que instituiu o laboratório já havia encarregado da direção dos trabalhos o mesmo José Caetano de Barros, o que, de certa maneira, dava continuidade às atividades desenvolvidas quando o laboratório era particular. Após esse ato, não houve qualquer regulamentação ou menção aos trabalhos do Laboratório de Química.
Angélica Ricci Camargo
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto de 27 de outubro de 1819. Cria nesta Corte um Laboratório de Química para análise dos produtos das Províncias do Brasil. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 76, 1889.
FARIAS, Robson Fernandes de. História da química no Brasil. Campinas: Átomo, 2004.
GONÇALVES, Ayrton Luiz. Difusão da química no Brasil (1808-1934). Rio de Janeiro: Sobrerodas, 1993.
MUNTEAL FILHO, Oswaldo. O rei e o naturalista. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE D. JOÃO VI: um rei aclamado na América, 1999. Anais… Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2000. p. 140-160.
RHEINBOLDT, H. A química no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando de (coord.). As ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Melhoramentos, s.d. v. 2. p. 9-108.
SANTOS, Nadja Paraense dos. Passando da doutrina à prática: Ezequiel Corrêa dos Santos e a farmácia nacional. Química Nova, São Paulo, v. 30, n. 4, p. 1.038-1.045, 2007. Disponível em: https://goo.gl/RmKYfd. Acesso em: 26 maio 2008.
______. Os primeiros laboratórios químicos do Rio de Janeiro. In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA, 2004b. Anais… Rio de Janeiro: Anpuh, 2004b. Disponível em: https://goo.gl/Y2unss. Acesso em: 22 maio 2008.
______. Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro: primeira tentativa de difusão da química no Brasil (1812-1819). Química Nova, São Paulo, v. 27, n. 2, p. 342-348, 2004a. Disponível em: https://goo.gl/neeuGD. Acesso em: 22 maio 2008.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
Referência da imagem
Ângelo Pereira. Os filhos de el-rei d. João VI: reconstituição histórica com documentos inéditos que, na sua maioria, pertenceram ao Real Gabinete. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1946. Arquivo Nacional, OR_4385