O cargo de inspetor dos estabelecimentos literários e científicos do Reino foi criado pelo decreto de 26 de fevereiro de 1821, com a finalidade de promover a instrução pública no Brasil, acreditando-se ser esta a melhor forma de “se obterem os apreciáveis bens da felicidade, poder, e reputação do Estado” (Brasil, 1889, p. 24). Para o cargo foi nomeado José Maria da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, que exerceria as instruções reais e a direção das escolas do Reino, do Museu Real e outros estabelecimentos científicos.
Em Portugal, o reinado de d. José I (1750-1777) foi palco de uma série de transformações no ensino, conduzidas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, integrando um amplo programa de modernização do aparelho estatal, que abrangia reformas políticas, administrativas, econômicas e culturais. Nesse sentido, o alvará de 28 de junho de 1759 estabeleceu o ensino público como oficial e laico, e extinguiu todas as classes e escolas sob controle da Companhia de Jesus, consolidando um processo de secularização a partir do desmonte do sistema de ensino até então exercido predominantemente pelos jesuítas.
O alvará de 1759 instituiu ainda o cargo de diretor dos estudos, a quem competia fiscalizar e cuidar do progresso da reforma que estava sendo implementada, bem como aprovar nomes e conceder licenças aos professores. O mesmo ato fornecia instruções sobre os métodos educacionais a serem utilizados dali em diante e as aulas que deveriam ser ministradas, como gramática latina, grego e retórica. Essa mudança abrangeu não somente os estudos menores, que compreendiam o ensino das primeiras letras e humanidades, mas também os estudos maiores, concentrados na Universidade de Coimbra. Nesse momento, houve ainda o restabelecimento do Real Colégio dos Nobres, que preparava os filhos da nobreza e da alta burguesia para a universidade, e a criação de aulas de comércio, destinadas à preparação para as práticas contábeis e mercantis. Posteriormente, o alvará de 4 de junho de 1771 delegou à Real Mesa Censória a direção dos estudos das escolas menores do Reino e domínios, e a direção do Real Colégio dos Nobres. Para sustentar as aulas régias foi criado, em 10 de novembro de 1772, o subsídio literário, imposto estabelecido sobre o vinho, a aguardente do Reino e domínios, e cada arrátel de vaca na Ásia, América e África.
No Brasil, o monopólio da educação esteve nas mãos dos jesuítas desde o início do processo de colonização, com escolas na Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, ao lado de outras poucas escolas confessionais. Destinadas aos filhos de famílias ricas e apenas excepcionalmente abertas aos pobres, essas escolas gratuitas complementavam os estudos particulares, geralmente realizados em casa.
No século XVIII, a citada reforma da educação portuguesa e a expulsão dos padres jesuítas da colônia refletiram rapidamente sobre o sistema de ensino, tendo o alvará de 5 de julho de 1759 nomeado como comissários do diretor dos estudos os chanceleres das relações da Bahia, do Rio de Janeiro e os ouvidores-gerais. Contudo, os obstáculos para a implantação das Aulas Régias na colônia foram grandes e, em parte, ultrapassados somente com a criação do subsídio literário, quando foram estabelecidas aulas de primeiras letras e de disciplinas isoladas, como gramática latina, grego, filosofia e retórica. Em 1799, a carta régia de 19 de agosto encarregou os governadores de capitanias e bispos do provimento dos professores.
Com a transferência da Corte para o Brasil, em 1808, as áreas cultural e educacional da colônia receberam um forte impulso, por meio de uma série de medidas como a criação de cursos superiores de medicina, da Academia Real Militar, do Museu Real, dos Laboratórios de Química e Químico-Prático, além da ampliação das aulas régias. Já em 1811, o “almanaque da cidade do Rio de Janeiro informa que, em cada freguesia, havia aulas de primeiras letras e, na sede da Corte, aulas de lógica, grego, retórica, latim, português e francês. Em 1816, aparecem as aulas de gramática latina, filosofia, desenho e figura.
Foi nesse contexto que se criou o cargo de inspetor dos estabelecimentos literários e científicos do Reino, responsável pela instrução pública no Brasil. A legislação, no entanto, não fornece mais informações sobre suas atribuições, mas é possível dizer que o cargo continuou vigorando nos primeiros anos após a independência do país, visto que o “almanaque do Rio de Janeiro” para o ano 1825 ainda menciona sua existência.
Angélica Ricci Camargo
Nov. 2012
Fontes e bibliografia
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ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 291, p. 177-284, 1971.
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Referência da imagem
Gravura de José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu. Arquivo Nacional, GRV_133