Criados pela lei n. 556, de 25 de junho de 1850, que aprovou o Código Comercial, os tribunais do comércio tinham por competência desempenhar funções administrativas, como a matrícula dos comerciantes e dos agentes auxiliares do comércio e jurisdicionais, como o julgamento das causas comerciais em primeira instância, cujos recursos eram encaminhados às respectivas relações provinciais. De acordo com o Código Comercial, os tribunais de comércio seriam instalados nas capitais do Império e das províncias da Bahia e de Pernambuco, estando prevista ainda sua criação onde se fizessem necessários.
O processo de codificação e de construção de um novo ordenamento jurídico se deu após a Independência brasileira, quando se procurou substituir a legislação portuguesa vigente e estabelecer as bases que reafirmassem o novo estatuto legal do país. Por outro lado, era necessário que o contorno jurídico-institucional do Estado e suas instituições atendessem à agenda política imposta pelo processo de independência, adequada aos princípios norteadores do constitucionalismo monárquico. A instalação dos tribunais do comércio fez parte desse processo, sendo decorrência da aprovação do Código Comercial e da gradual organização do aparato estatal que se deu após a Constituição de 1824, quando o governo imperial procurou ampliar o controle sobre a burocracia e seus quadros.
Os tribunais de comércio sucederam a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, criada no Rio de Janeiro pelo alvará de 23 de agosto de 1808, por ocasião da vinda da família real, e extinta pelo Código Comercial em 1850. O estabelecimento da Real Junta do Comércio obedeceu à mesma arquitetura institucional que formatara a Junta do Comércio deste Reino e seus Domínios, organizada em Portugal em 1755, no âmbito da administração pombalina, e transformada em tribunal régio em 1788. Ao ser instalado no Brasil, o órgão incorporou as atribuições da Mesas de Inspeção, extinta no Rio de Janeiro, mas que se manteria em atividade nas províncias até 1827. Tendo por papel ordenar e controlar a atividade comercial, a Real Junta atuava na solução de contenciosos entre comerciantes, além de ser responsável pela matrícula dos negociantes, pela Aula de Comércio, por responder consulta do governo imperial sobre os assuntos que lhe fossem requeridos e por propor melhoramentos para os objetos sob sua alçada (CABRAL, 2015).
Uma das mais importantes medidas aprovadas pelo Código Comercial foi o estabelecimento de um aparato institucional exclusivamente voltado para as questões do comércio. Instalado nas mais importantes praças comerciais do Brasil – Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco – nas demais províncias suas atribuições deveriam ser exercidas pelas relações. Nas províncias onde não houvesse relações, as atividades ficavam a cargo das “autoridades administrativas”, e a parte processual seria incumbida às autoridades judiciárias que o governo designasse. No que diz respeito às causas comerciais, as funções de juízes de direito do comércio seriam exercidas pelas justiças ordinárias, às quais ficava competindo o seu conhecimento em primeira instância, com recurso para as respectivas relações, com exceção estabelecida para os casos de quebra.
Dentre as muitas atividades administrativas de competência dos tribunais do comércio havia: a matrícula dos comerciantes, corretores e agentes de leilões, feitores, guarda-livros, caixeiros, trapicheiros e administradores de armazéns de depósito, publicada por editais e pelos jornais; nomear e juramentar intérpretes do comércio; registrar o instrumento de mandato mercantil ou sua revogação; publicar o registro de escritura, estatuto e ato de autorização das companhias ou sociedades anônimas; nomear administradores e fiscal de heranças sem testamento, em caso de credor comerciante; destituir omissão ou negligência culpável liquidante de sociedade mercantil; registrar as embarcações brasileiras destinadas à navegação em alto mar; regular os processos de falência e organizar uma estatística anual de todos os processos comerciais.
A composição do Tribunal do Comércio na capital do Império previa um presidente letrado, seis deputados comerciantes, servindo um de secretário, e três suplentes também comerciantes, e um adjunto fiscal, cargo exercido por um desembargador com exercício efetivo na Relação do Rio de Janeiro. Nas províncias apresentavam pequena variação, sendo integrados por um presidente letrado, quatro deputados comerciantes, servindo um de secretário e dois suplentes também comerciantes, e um adjunto fiscal, que seria um desembargador com exercício efetivo na respectiva relação. Os presidentes e fiscais eram de nomeação do imperador, removíveis a bem do serviço, e deputados e suplentes eram eletivos, com mandatos de quatro anos.
As qualificações necessárias para eleitores e candidatos incluíam ser comerciante estabelecido no distrito eleitoral e cidadão brasileiro no livre exercício dos seus direitos civis e políticos, ter trinta anos completos e, pelo menos, cinco anos de profissão. Os cargos de presidente, deputado e fiscal dos tribunais do comércio eram honoríficos, recebendo apenas os emolumentos; os demais empregados receberiam gratificação arbitrada pelo governo, paga pela caixa dos emolumentos. A existência de comerciantes sem formação jurídica em seus quadros foi uma das principais críticas feitas aos tribunais do comércio, que chegavam a ser acusados de inconstitucionalidade. Os tribunais do comércio constituíam-se como um espaço de articulação dos interesses dos negociantes, contribuindo na aproximação desta elite à política e à burocracia imperial, consistindo numa estratégia de acúmulo de prestígio. Isso se opunha aos interesses dos bacharéis, que perdiam o monopólio de importantes lugares na estrutura da Justiça e, por consequência, o poder de influência e representação política da categoria (NEVES, 2007, p. 94-107).
Ainda em 1850, dois importantes decretos foram aprovados, regulamentando o Código Comercial, ambos em 25 de novembro. O decreto n. 737 instruiu sobre a execução do processo comercial, estabelecendo o juízo e a jurisdição comercial, as ações sumárias, especiais e executivas, os processos preparatórios, preventivos e incidentes, o juízo arbitral, execução e sentenças. O decreto n. 738 dispôs sobre os tribunais do comércio e seu funcionamento, definiu as atribuições de cada um de seus membros, estabeleceu as normas para o registro público do comércio e as disposições para os processos de falência. Esse decreto criou ainda as Juntas do Comércio, responsáveis por exercer os encargos dos tribunais do comércio nas províncias onde não foram estabelecidos. Na verdade, as juntas de comércio eram uma das seções das relações provinciais, que exerciam as atribuições dos tribunais do comércio, à exceção somente da matrícula dos comerciantes, privativa daqueles órgãos. As juntas compunham-se do presidente, que seria o da Relação, dois deputados, nomeados pelo governo dentre os desembargadores, e de um fiscal, função exercida pelo procurador fiscal.
Já em 1851, o relatório da Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça propunha converter os tribunais do comércio em órgãos de segunda instância dos julgamentos das causas comerciais, bem como incluir desembargadores nos julgamentos por quebras, “a fim de suprir o que nos outros membros pudesse faltar em jurisprudência” (BRASIL, 1851, p. 17). O relatório de 1852 voltava a solicitar modificações, considerava limitadas as atribuições dos tribunais do comércio, o que tornava seu trabalho de pouca relevância para o país. Mais uma vez a reivindicação era de que se tornassem tribunais de segunda instância, pois a maior parte de suas atribuições era administrativa, não tendo sido criados juízes especiais, ficando as “mais vitais questões à decisão dos juízes municipais” (BRASIL, 1852, A-5).
Mas, foi a partir de uma dúvida apresentada pelo Tribunal do Comércio da Bahia sobre o registro das embarcações brasileiras destinadas à navegação do alto mar, que foi aprovado o decreto n. 864, de 17 de novembro de 1851. Por esse ato foram criadas juntas de comércio nas províncias marítimas que não tivessem tribunais, ficando ainda equiparada aos tribunais do comércio a Junta de Comércio do Maranhão. Entretanto, com a lei n. 799, de 16 de setembro de 1854, os tribunais do comércio sofreriam sua alteração mais profunda. A lei determinava que os órgãos passassem a funcionar como tribunais de segunda instância nas causas comerciais com alçada até cinco contos de réis, compreendendo em sua jurisdição os comerciantes matriculados ou não. Para o julgamento das causas comerciais em primeira instância seriam nomeados juízes de direito especiais, que deveriam ser magistrados com formação profissional. Criado o cargo, de fato, pelo decreto n. 1.597, de 1º de maio de 1855, ficavam mantidas as atribuições administrativas dos tribunais do comércio, que foram afastados do processo das causas comerciais em primeira instância (NEVES, 2007, p. 266).
Este decreto transformou a Junta do Comércio do Maranhão, estabelecida pelo regulamento n. 738, de 25 de novembro de 1850, em Tribunal do Comércio. Como tribunal de segunda instância, cabia-lhe o julgamento das apelações interpostas das sentenças proferidas pelos juízes de direito especiais e demais juízes do comércio. O julgamento dos recursos em segunda instância seria regulado pelas disposições da lei n. 799 e dos decretos n. 737 e n. 738, ambos de 1850. Os casos omissos obedeceriam ao disposto no decreto de 3 de janeiro de 1833, que deu regulamento às relações do Império.
O distrito da jurisdição dos tribunais do comércio em segunda instância seria o mesmo das relações provinciais. Para funcionar como órgão de segunda instância os tribunais do comércio, além de seus membros ordinários, teriam três desembargadores no Rio de Janeiro e dois nas províncias, todos designados dentre os da respectiva relação. Outra medida aprovada pelo decreto n. 1.597 foi a extinção das juntas de comércio, que funcionavam nas províncias em que não havia tribunais, sendo substituídas pelos conservadores do Comércio, função a ser exercida nas capitais marítimas pelos inspetores da alfândega e administradores de Mesas de Rendas e, nas outras capitais, pelos inspetores de tesourarias.
Em 1873, o decreto n. 2.342, de 6 de agosto, criou mais sete tribunais da relação no Império, além dos quatro já existentes, definiu seus distritos e o número de desembargadores de cada um. O decreto também suprimiu a jurisdição contenciosa que os tribunais do comércio exerciam desde 1855, transferindo para as relações as causas comerciais, ficando as apelações e os agravos decididos por três desembargadores. Aos tribunais do comércio ficavam atribuídas apenas funções administrativas, o que seria regulado pelo governo imperial. No entanto, isso não chegou a ser feito, já que o decreto n. 2.662, de 9 de outubro de 1875, autorizou o governo a suprimir os tribunais e conservatórias do comércio. As atividades desses órgãos passavam a ser exercidas por juntas e inspetorias comerciais então criadas, e a jurisdição comercial foi conferida aos juízes de direito.
Com a extinção dos tribunais, o governo imperial aprovou dois decretos para regular as atividades administrativas e a jurisdição comercial, antes a cargo dos tribunais do comércio, ambos em 30 de novembro de 1876. Pelo decreto n. 6.384, foram organizadas as juntas e inspetorias comerciais e definidas ainda suas funções, composição e funcionamento. Com o decreto n. 6.385, foram determinadas as atribuições dos juízes de direito pelo ato de 1875, o que assegurava que as causas comerciais, tais como as civis, tornavam-se matéria restrita da justiça comum.
Dilma Cabral
8 jul. 2015
Bibliografia
CABRAL, Dilma. Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. In: Dicionário Online da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822). Disponível em: <https://goo.gl/WJt9Bp>. Acesso em: 29 jun. 2015.
LOPES, José Reinaldo de Lima. A formação do direito comercial brasileiro. A criação dos tribunais de comércio do império. CADERNOS DIREITO GV, v. 4 n. 6: novembro 2007.
Neves, Edson Alvisi. O Tribunal do Comércio (1850-1875). 2007. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2007.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO OI – Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO JC – Juízo Especial do Comércio do Rio de Janeiro, 1
BR AN,RIO JD – Juízo Especial do Comércio do Rio de Janeiro, 2
BR AN,RIO 46 – Junta Comercial do Rio de Janeiro
BR AN,RIO 9X – Série Indústria e Comércio – Comércio – Junta e Tribunal, Etc. (IC3)
BR AN,RIO AJ – Série Justiça – Magistratura e Justiça Federal – Juízes Etc. (IJ4)
BR AN,RIO EI – Tribunal do Comércio da Corte
Referência da imagem
José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco. Album de vues du Brésil. Paris: Impromerie A. Lahure, 1899. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon243311/icon243311.pdf