Criadas pelo decreto n. 738, de 25 de novembro de 1850, as juntas do comércio já estavam previstas no Código Comercial, aprovado pela lei n. 556, de 25 de junho do mesmo ano. O Código Comercial criou os tribunais do comércio, que acumulavam funções administrativas e jurisdicionais, instalados apenas na capital do Império e nas províncias da Bahia e de Pernambuco. Nas demais províncias, estas atribuições seriam exercidas por uma seção dos tribunais da Relação, que recebeu a denominação de junta do comércio.
A instalação de uma estrutura administrativa voltada para as questões comerciais, como os tribunais e as juntas do comércio, fez parte do processo gradual de arranjo do ordenamento jurídico brasileiro pós-Independência. Por outro lado, a proibição do tráfico negreiro, em 1850, liberou capitais antes imobilizados nessa atividade, o que impulsionou outras áreas da economia, favorecendo um período de investimento em infraestrutura, transportes, serviços urbanos, seguindo-se um significativo crescimento urbano. A estabilidade política do Império brasileiro após a década de 1840 permitiu os acordos políticos necessários à aprovação da Lei Eusébio de Queiroz, que aboliu o tráfico de escravos, do Código Comercial e da Lei de Terras, instrumentos necessários às mudanças que se seguiriam na estrutura financeira do país.
O Código Comercial determinou quem poderia comerciar no país e quais eram os agentes auxiliares do comércio, definiu as funções dos tribunais e sua composição e quem poderia votar e ser votado para o cargo de deputado comerciante. A regulamentação do código se deu por dois decretos aprovados na mesma data, 25 de novembro de 1850. O decreto n. 737 prescreveu a forma de execução do processo comercial, estabelecendo o juízo e a jurisdição comercial, as ações sumárias, especiais e executivas, os processos preparatórios, preventivos e incidentes, o juízo arbitral, execução e sentenças. O decreto n. 738 dispôs sobre os tribunais do comércio e seu funcionamento, definindo as atribuições de cada um de seus membros, as normas para o registro público do comércio e as disposições para os processos de falência.
Foi este decreto que, de fato, criou as juntas de comércio, encarregadas de exercer as atribuições dos tribunais do comércio nas províncias onde não foram estabelecidos. As juntas tinham por responsabilidade todas as funções conferidas aos tribunais do comércio, com exceção somente da matrícula dos comerciantes, atividade privativa daqueles órgãos. Nas apelações nos processos de quebra interpostos às juntas, a decisão caberia ao Tribunal da Relação, servindo de juízes os desembargadores. Os casos entre particulares, sobre títulos da divida pública ou qualquer outro papel de crédito do governo, bem como as questões referentes às companhias ou sociedades, independente de sua natureza ou objeto, deveriam ser dirigidas ao Tribunal do Comércio da capital do Império.
O decreto mencionava inicialmente que juntas de comércio seriam instaladas nas províncias de Pará, São Paulo e Rio Grande do Sul, ou seja, províncias que possuíam portos com intenso movimento, como o de Santos. Assim, era o comércio marítimo, com especial atenção ao transoceânico ou interprovincial, o principal objeto da “primeira regulação do direito comercial brasileiro” (LOPES, 2007, p. 34). As juntas eram compostas pelo presidente, que seria o mesmo da relação, dois deputados nomeados pelo governo dentre os desembargadores, e um fiscal, função exercida pelo procurador fiscal. Integrava ainda sua estrutura uma secretaria, composta de um oficial-maior, um oficial escriturário, que serviria também de arquivista, e um porteiro.
Em 1851, pelo do decreto n. 864, de 17 de novembro, foram criadas juntas de comércio nas províncias marítimas que não tivessem tribunais, e foi equiparada a Junta de Comércio do Maranhão aos tribunais do comércio. A aprovação desse decreto foi resultado de consulta encaminhada à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça pelo Tribunal do Comércio do Rio de Janeiro, acerca de dúvida apresentada pelo órgão da Bahia sobre o registro das embarcações brasileiras destinadas à navegação do alto mar. Essa decisão evidencia o aumento da participação brasileira no comércio marítimo que ligava as diversas praças mercantis, sendo o registro a garantia de que as embarcações pudessem gozar das prerrogativas concedidas aos navios brasileiros.
No ano seguinte, em 1852, o decreto n. 930, de 10 de março, ampliou as competências das juntas comerciais, incumbindo-as de rubricar os livros dos comerciantes matriculados e dos agentes auxiliares do comércio das províncias, bem como do registrar os documentos que os comerciantes eram obrigados a inscrever no registro público do comércio e a matrícula das embarcações brasileiras destinadas à navegação do alto mar. Mas foi em 1854 que os tribunais de comércio tiveram alterada sua jurisdição, a partir da lei n. 799, de 16 de setembro, que colocou sob seu encargo o julgamento das causas comerciais em segunda instância.
A regulamentação dessa lei, pelo decreto n. 1.597, de 1º de maio de 1855, criou os juízes de direito especiais, que deveriam ser magistrados com formação profissional, encarregados do julgamento das causas comerciais em primeira instância, que, portanto, saíam da jurisdição dos tribunais do comércio. Além disso, o decreto transformou a Junta do Comércio do Maranhão, estabelecida pelo regulamento n. 738, de 25 de novembro de 1850, em Tribunal do Comércio. E, finalmente, o decreto n. 1.597 extinguiu as juntas de comércio, que foram substituídas pelos conservadores do Comércio, preservadas suas atribuições. Nas capitais marítimas, as funções seriam exercidas pelos inspetores da Alfândegas e administradores de Mesas de Rendas e, nas outras capitais, pelos inspetores de tesourarias.
Dilma Cabral
Jul. 2015
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 738, de 25 de novembro de 1850. Dá o Regulamento aos Tribunais do Comércio, e para o processo das quebras. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 371-413, 1851.
____. Decreto n. 864, de 17 de novembro de 1851. Criando Juntas do Comércio nas Províncias marítimas do Império, marcando distritos aos Tribunais do Comércio, e declarando a competência daquelas para o registro das embarcações brasileiras, destinadas a navegação do alto-mar. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-864-17-novembro-1851-559600-publicacaooriginal-81895-pe.html>. Acesso em: 09 jul. 2015.
____. Decreto n. 930, de 10 de março de 1852. Incumbe às Juntas do Comércio da rubrica dos livros, e do registro dos documentos no mesmo decreto declarados. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 67, 1853.
____. Decreto n. 1.597, de 1º de maio de 1855. Dá regulamento para os Tribunais do Comércio. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 349-363, 1856.
CABRAL, Dilma. Tribunais do Comércio. In: Dicionário Online da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: <https://goo.gl/GkHwH1> Acesso em: 9 jul. 2015.
LOPES, José Reinaldo de Lima. A formação do direito comercial brasileiro. A criação dos tribunais de comércio do império. CADERNOS DIREITO GV, v.4 n. 6: novembro 2007.
Neves, Edson Alvisi. O Tribunal do Comércio (1850-1875). 2007. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia/Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2007.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_46 Junta Comercial do Rio de Janeiro
BR_RJANRIO_9X Série Indústria e Comércio - Comércio - Junta e Tribunal, Etc. (IC3)
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
Referência da imagem
José Maria da Silva Paranhos, barão do Rio Branco. Album de vues du Brésil. Paris: Imprimerie A. Lahure, 1899. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon243311/icon243311.pdf>