A Superintendência da Defesa da Borracha foi criada como uma repartição de caráter provisório pelo decreto n. 9.521, de 17 de abril de 1912, com o objetivo de dirigir e fiscalizar todos os serviços relativos à produção da borracha.
A borracha constituía-se como artigo de exportação brasileira desde 1827, mas sua produção recebeu impulso com a descoberta do processo de vulcanização por Charles Goodyear, em 1839 e Thomas Hancock, em 1842, e, principalmente, a partir da invenção do pneumático em 1890. A valorização do produto no mercado internacional contribuiu para o aumento da importância da região amazônica na economia brasileira, estimulando a expansão das áreas de exploração dos seringais e a busca de mão de obra necessária para o trabalho oriunda, em grande parte, da atual região Nordeste (Weinstein, 1993, p. 23; Prado, Capelato, 2006, p. 316-318). Tal expansão avançou para áreas do território do Acre, onde a fronteira com a Bolívia ainda não estava definitivamente estabelecida. A região, rica produtora de borracha, tornou-se palco de conflitos entre brasileiros e bolivianos em 1899, que foram resolvidos em 1903 com a assinatura do Tratado de Petrópolis, que a incorporou ao Brasil.
Nas duas primeiras décadas republicanas, a borracha foi o segundo produto brasileiro de exportação, perdendo apenas para o café. Nesse período, coube ao país o fornecimento da maior parte da borracha ao mercado mundial, situação que começou a mudar a partir de 1900, quando a borracha asiática entrou na disputa (Prado, Capelato, 2006, p. 327; 329).
A concorrência mobilizou os produtores brasileiros, que passaram a reivindicar a proteção dos governos estaduais e da União. As primeiras ações do governo federal originaram-se após a criação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1906. A instalação da pasta, que representou uma conquista dos setores agrários afastados do pacto político dominado pelos cafeicultores paulistas, propiciou a implementação de medidas voltadas para a diversificação e modernização da produção agrícola, pecuária e industrial, favorecendo a instituição de órgãos especializados, como a própria Superintendência da Defesa da Borracha (Idem, p. 330; Mendonça, 1997, p. 128-129).
Em 1911, o decreto n. 9.213, de 12 de dezembro, que deu novo regulamento ao Serviço de Inspeção e Defesa Agrícolas, estabeleceu a organização da Delegacia Agrícola do Acre, que tinha a finalidade de fiscalizar os seringais e estudar os meios de impedir a sua devastação, promover ensaios da cultura de seringueiras, caucho e de outras plantas produtoras da borracha, entre outras competências (Brasil, 1912, p. 39-56).
No ano seguinte, o decreto n. 2.543-A, de 5 de janeiro, determinou uma série de medidas com o objetivo de desenvolver a cultura da seringueira, do caucho, da maniçoba e da mangabeira, e a coleta e beneficiamento da borracha extraída dessas árvores. Dentre os incentivos, foi concedida a isenção de impostos de importação para utensílios e materiais destinados a todas as etapas da produção da borracha; a instituição de prêmios em dinheiro para as plantações regulares e novas; o estabelecimento de uma estação experimental ou campo de demonstração para a cultura da seringueira, mangabeira ou maniçoba não apenas no Território do Acre e nos estados do Amazonas e do Pará, mas, também, em Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Paraná; a edificação de hospitais e de hospedarias de imigrantes em Belém, Manaus e no Acre; a construção de estradas de ferro; o arrendamento de fazendas nacionais para a criação de gado e cultivo de gêneros alimentícios e a realização de obras de melhoramentos para a navegabilidade dos rios Branco, Negro e Purus (Brasil, 1912, p. 7-12).
O decreto n. 9.521, de 17 de abril de 1912, aprovou o regulamento para a execução das medidas e serviços previstos no decreto n. 2.543-A, ampliando as disposições presentes neste ato, e criou a Superintendência da Defesa da Borracha, cujas atividades compreendiam o recebimento, o protocolo, o preparo e a informação dos papéis dependentes de despacho ministerial; o cuidado pela execução das providências de caráter administrativo; o estudo, projeto, orçamento e execução das obras necessárias e a celebração de contratos e acordos relativos ao concurso dos estados e municípios nas obras e medidas cabíveis a essas instâncias. De acordo com o mesmo ato, o órgão seria composto por uma Seção Central, com sede na capital federal, uma Seção Distrital, localizada nas fazendas nacionais de Rio Branco, comissões parciais e distritos de fiscalização nos estados (Brasil, 1916, p. 87-111).
Os trabalhos da Superintendência envolveram a elaboração de projetos relativos à instalação das estações e dos distritos de fiscalização, à divulgação das disposições do regulamento de janeiro de 1912 pelo país, à abertura de concorrência para a construção das hospedarias do Pará e de Manaus e à realização de uma exposição sobre a borracha, que ocorreu no Palácio Monroe, Rio de Janeiro, em 1913 (BRASIL, 1912, p. 163-172; BRASIL, 1913, p. 155-167). O órgão também contratou uma viagem científica, empreendida por uma comissão organizada pelo Instituto Oswaldo Cruz, que durou cerca de seis meses e fez pesquisas sobre as condições sanitárias da região e da saúde do trabalhador, atribuindo a essas questões um papel crucial na “salvação da indústria da borracha” (Schweickardt; Lima, 2007, p. 37).
As ações realizadas pela superintendência não conseguiram evitar a perda de espaço da produção nacional no mercado externo, que foi superada pela borracha asiática em 1913, e a decadência econômica da região amazônica. (Prado; Capelato, 2006, p. 329; Weinstein, 1993, p. 261). Em pouco tempo as atividades iniciadas foram abandonadas. Em 1915, o decreto n. 2.968, de 13 de fevereiro autorizou a abertura de crédito para o atendimento dos compromissos assumidos com a liquidação da Superintendência de Defesa da Borracha, marcando o fim do primeiro órgão dedicado ao incentivo da produção da borracha, que, somente décadas depois, voltaria a se constituir como objeto de políticas públicas.
Angélica Ricci Camargo
Mar. 2018
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 9.213, de 15 de dezembro de 1911. Dá novo regulamento ao Serviço de Inspeção e Defesa Agrícola. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 39-56, 1912.
______. Decreto n. 2.543-A, de 5 de janeiro de 1912. Estabelece medidas destinadas a facilitar e desenvolver a cultura da seringueira, do caucho, da maniçoba e da mangabeira e da colheita e beneficiamento da borracha extraída dessas árvores e autoriza o Poder Executivo não só a abrir os créditos precisos à execução de tais medidas, mas ainda a fazer as operações de crédito que para isso forem necessárias. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 7-12, 1912.
______. Decreto n. 9.521, de 17 de abril de 1912. Aprova o Regulamento para a execução das medidas e serviços previstos na lei n. 2.543-A, de 5 de janeiro de 1912, concernente à defesa econômica da borracha, excetuados os acordos com os Estados que a produzem, a discriminação e legalização das posses de terras no Território do Acre e a revisão e consolidação dos regulamentos da Marinha Mercante de Cabotagem. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 87-111, 1916.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio Pedro de Toledo no ano de 1912, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: https://goo.gl/WzHMjw. Acesso em: 23 mar. 2018.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio Pedro de Toledo no ano de 1913, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. Disponível em: https://goo.gl/wmhzMX. Acesso em: 23 mar. 2018.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: HUCITEC, 1997.
PRADO, Maria Lígia Coelho; CAPELATO, Maria Helena. Borracha na economia brasileira da Primeira República. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. Estrutura de poder e economia (1889-1930), v. 8, 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 314-336, 2006.
SCHWEICKARDT, Júlio César; LIMA, Nísia Trindade. Os cientistas brasileiros visitam a Amazônia: as viagens científicas de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas (1910-1913). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, suplemento, p. 15-50, dez. 2007. Disponível em: https://goo.gl/i5ML3J. Acesso em: 23 mar. 2018.
WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Editora HUCITEC; Editora da Universidade de São Paulo, 1993. (Estudos Históricos, 20).
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Vistas da Vila de Rio Branco, (AC), 1908. Fotografia Manuel Aranha. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_235_005