Edifício em linhas neoclássicas da Caixa de Amortização inaugurado na Avenida Central, hoje Rio Branco, em 1906 e tombado pelo Patrimônio Histórico em 1973
Edifício em linhas neoclássicas da Caixa de Amortização inaugurado na Avenida Central, hoje Rio Branco, em 1906 e tombado pelo Patrimônio Histórico em 1973

A Caixa de Amortização foi instituída pela lei de 15 de novembro de 1827, que reconheceu e legalizou a dívida pública e fundou a dívida interna, destinando-se, “exclusivamente, a pagar os capitais e juros de qualquer dívida pública, fundada por lei”. A caixa era independente do Tesouro Público, sendo administrada por uma junta constituída como um colegiado, presidido pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, composto por cinco capitalistas nacionais e pelo inspetor-geral da própria caixa. A lei “fundou” a dívida interna no montante de 12 mil contos de réis à época, colocados em circulação por meio de títulos da dívida pública fundada que eram emitidos pelo Tesouro Federal. Esse reconhecimento da dívida por parte do governo garantiu à nação independente a obtenção de créditos, internos e externos, em períodos de grave crise financeira para arcar com despesas de origens diversas, sanar déficits orçamentários, gastos adicionais em conjunturas de guerra, entre outros (Silva, 2009, p. 36; Caixa ..., 2016).

Cabe ressaltar que a Caixa de Amortização foi a primeira instituição destinada a administrar a dívida pública interna e externa federal. Possuía uma estrutura autônoma e fazia uma prestação de contas considerada bastante meticulosa. Nesse sentido, a junta tinha a obrigação de apresentar, anualmente, o balanço geral da caixa à Câmara dos Deputados, além de publicar na imprensa, semestralmente, todas as operações então realizadas pelo órgão, bem como pelas suas filiais (Silva, 2009, p. 38 e 44).

Com a instauração da República, a administração da dívida pública continuou sob a responsabilidade da Caixa de Amortização. Nos primeiros anos do novo regime político, no entanto, a caixa passou por dificuldades no que se refere ao cumprimento de um dos serviços dos quais ficara encarregada, isto é, o pagamento do juro e resgate da dívida pública fundada, bem como da sua inscrição e transferência. Conforme a historiografia, isso se deveu a uma série de fatores. Em primeiro lugar, a credibilidade da gestão da dívida se encontrava comprometida devido à “suspensão do resgate dos títulos em circulação” referente ao período de 1839 a 1889. Havia ainda o problema relativo ao alto nível de “fragmentação da dívida”, pois coexistiam diferentes instrumentos que apresentavam tanto prazos quanto taxas de juros diversas. E, por fim, os títulos em circulação, que eram nominativos, transformavam suas transferências em processos burocráticos complexos, dificultando, assim, a “negociação e a liquidez da dívida interna” (Silva, 2009, p. 46).

Algumas medidas foram adotadas pelo governo visando a solucionar parte desses empecilhos, no entanto, elas não tiveram muito êxito. Rui Barbosa, por exemplo, ministro da Fazenda no período 1889-1891, deu início à operação que envolvia o resgate dos títulos em circulação e, além disso, tentou instaurar a emissão de títulos ao portador ao invés dos nominativos vigentes à época. Mas sua exoneração do cargo interrompeu tal mecanismo de substituição, o que só ocorreria alguns anos depois. Já o problema do alto nível de ‘fragmentação da dívida’ foi resolvido por meio da chamada ‘consolidação de 1902’, que foi uma tentativa de uniformizar a dívida trocando os títulos em circulação por novos, sendo agora todos nominativos, cujos juros foram fixados por uma única taxa de 5% ao ano. Após a referida consolidação, no entanto, outros empréstimos foram então contraídos para cobrir despesas diversas, levando a novas emissões de títulos, que foram expedidos com baixo nível de padronização e apresentavam ainda taxas de juros bastante variadas (Silva, 2009, p. 46).

Durante a Primeira República, a lei de 15 de novembro de 1827 sofreu poucas alterações, cabendo ressaltar que o texto desse diploma legal foi pouco modificado até a extinção do órgão na década de 1960 (Silva, 2009, p. 37). O decreto n. 6.711, de 7 de novembro de 1907, que regulamentou a caixa nesse período, manteve em linhas gerais parte significativa do texto da última regulamentação do Império, baixada pelo decreto n. 9.370, de 14 de fevereiro de 1884. Conforme o regulamento de 1907, a Caixa de Amortização continuava encarregada do serviço referente ao pagamento do juro e do resgate dos títulos da dívida pública fundada, bem como da sua inscrição e transferência, além das atribuições relativas ao meio circulante, isto é, a emissão, troco, substituição e amortização do papel-moeda. Todo o serviço da caixa continuava a ser inspecionado pela Junta Administrativa presidida pelo ministro da Fazenda e constituída por cinco membros, agora nomeados pelo presidente da República, e por um inspetor. As sessões ordinárias ocorriam duas vezes por mês, podendo ser convocadas por quaisquer dos seus membros ou pelo ministro da Fazenda. As deliberações eram tomadas por maioria de votos, tendo o ministro também o voto de qualidade.

Na década de 1880, conforme o decreto n, 9.370, de 14 de fevereiro de 1885, a caixa possuía além da Junta Administrativa, duas seções, uma de Contabilidade e outra do Papel-Moeda, e a essa estrutura foram acrescentadas posteriormente duas tesourarias, sendo uma denominada da Dívida Pública e outra do Papel-Moeda, por meio do decreto n. 6.711, de 7 de julho de 1907. A partir do decreto n. 14.066, de 19 de fevereiro de 1920, houve mais uma alteração em sua estrutura administrativa com a incorporação da Caixa de Conversão à de Amortização. Esta última absorveu também os serviços e obrigações sob a responsabilidade da Caixa de Conversão, bem como os valores e bens que estavam ao seu encargo.

Em 1926, o novo regulamento da caixa, baixado pelo decreto n. 17.533, de 10 de novembro, manteve, superintendendo as atividades do órgão, a Junta Administrativa, presidida pelo ministro da Fazenda; um diretor nomeado pelo presidente da República, que exercia o cargo em comissão, ficando responsável, entre outras atribuições, por dirigir e fiscalizar todos os serviços a cargo do órgão, bem como executar as deliberações da referida junta. Além desta última, constavam da sua estrutura as subdiretorias da Dívida Pública, da Contabilidade e do Papel-Moeda. Conforme o decreto n. 17.770, de 13 de abril de 1927, último regulamento do órgão na Primeira República, a estrutura da Caixa de Amortização foi alterada. Mantinha-se a junta que administrava e expedia instruções para a execução de todo o serviço realizado pela caixa, devendo, ainda, organizar seu regimento interno. Os serviços foram distribuídos por duas seções, uma auditoria e duas tesourarias, além de uma secretaria, um arquivo e portaria. A primeira seção ficou encarregada dos serviços relativos à dívida pública e à contabilidade, imediatamente responsável pela fiscalização da respectiva tesouraria. Já a segunda seção se encarregava do serviço do papel-moeda, bem como da fiscalização da sua tesouraria. Ficaram sob a responsabilidade da auditoria as atribuições referentes às transferências e ao pagamento de juros das apólices.

Em 1945, com a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), por meio do decreto-lei n. 7.293, de 2 de fevereiro, a Caixa de Amortização perdeu a função relativa à administração do meio circulante. Em 1967, foi extinta, sendo suas atribuições transferidas para o Banco Central do Brasil (Silva, 2009, p. 38).

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Ago. 2019

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Lei de 15 de novembro de 1827. Do reconhecimento e legalização da dívida pública e fundação da dívida interna e estabelecimento da Caixa de Amortização. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 1, p. 110-121, 1878.

______. Decreto n. 9.370, de 14 de fevereiro de 1885. Dá novo regulamento à Caixa de Amortização. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 171, 1886. 

______. Decreto n. 6.711, de 7 de novembro de 1907. Dá novo regulamento à Caixa de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 2.075-2.088, 1941.

______. Decreto n. 14.066, de 19 de fevereiro de 1920. Incorpora a Caixa de Conversão à de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 588, 1921. 

______. Decreto n. 17.533, de 10 de novembro de 1926. Dá novo regulamento à Caixa de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, 2ª parte, p. 592-608, 1927. 

______. Decreto n. 17.770, de 13 de abril de 1927. Dá novo regulamento à Caixa de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 118-137, 1928. 

______. Decreto-Lei n. 7.293, de 2 de fevereiro de 1945. Cria a Superintendência da Moeda e do Crédito. Lex-Coletânea de Legislação e Jurisprudência: legislação federal e marginália, São Paulo, p. 27, 1945.

______. Decreto n. 61.962, de 22 de dezembro de 1967. Declara extinta a Caixa de Amortização do Ministério da Fazenda. Lex-Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, p. 2.387, 1967.

______. Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias. Cria o Conselho Monetário Nacional. Lex-Coletânea de Legislação e Jurisprudência: legislação federal e marginália, São Paulo, v. 2, p. 1.499, 1964.

CAIXA DE AMORTIZAÇÃO. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2016.

SILVA, Anderson Caupto. Origem e história da dívida pública no Brasil até 1963. In: SILVA, Anderson Caputo; CARVALHO, Lena Oliveira de Carvalho; MEDEIROS, Otavio Ladeira de (org.). Dívida pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional; Banco Mundial, 2009.

ZILIOTTO, Guilherme Antonio. Dois séculos de dívida pública: a história do endividamento público brasileiro e seus efeitos sobre o crescimento econômico (1822-2004). São Paulo: Editora Unesp, 2001.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR RJANRIO 0G Caixa de Amortização

BR_RJANRIO_0K Casa da Moeda do Brasil

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas

BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO-4O Ministério da Fazenda

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores

BR_RJANRIO_53 Ministério do Império

BR_RJANRIO_7W Real Erário

BR_RJANRIO_9B Série Fazenda - Casa da Moeda - Caixa de Amortização (IF6)

BR_RJANRIO_BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia

 

Referência da imagem

Fotografias [de] ruas, prédios e monumentos da cidade do Rio de Janeiro (RJ), [1906]. Arquivo Nacional, Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_520_12

 

 

Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão na Primeira República. Para informações entre 1822 e 1889, consulte Caixa de Amortização