A Repartição dos Telégrafos foi regulamentada pelo decreto n. 3.288, de 20 de junho de 1864, subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Sua criação esteve relacionada à implementação e à expansão do serviço telegráfico no Império. A primeira experiência de comunicação a distância no Brasil veio com o telégrafo ótico, instalado em 1808, servindo exclusivamente para anunciar a chegada de embarcações e sua nacionalidade. Inicialmente ficou sob jurisdição da pasta da Guerra, passando à da Justiça em 1838. As linhas e estações ligavam as diversas fortalezas da Corte até a estação central do Castelo e a da Quinta da Boa Vista (MACIEL, 2001, p. 130).
O telégrafo elétrico, por sua vez, foi introduzido no Brasil motivado por interesses relacionados ao combate ao comércio internacional de africanos, que havia sido proibido em 1850. Eusébio de Queiroz, ministro que deu nome à lei de extinção ao tráfico, determinou a instalação do telégrafo para auxiliar no combate ao contrabando de escravos, melhorando a comunicação entre pontos de observação de navios e os quartéis de polícia. A primeira linha telegráfica, em caráter experimental, foi inaugurada em 11 de maio de 1852, ligando o Palácio de São Cristóvão e o Quartel Central no Campo da Aclamação. O empreendimento foi idealizado pelo físico Guilherme Schüch de Capanema, e o trabalho de cabeamento, executado pelos presos da Casa de Detenção. Em seguida foram instalados em algumas repartições públicas na Corte, nos quartéis de bombeiros e da polícia, e nas fortalezas da Baía de Guanabara. Em 1857, foi inaugurada ainda uma estação telegráfica em Petrópolis (SILVA, 2011, p. 51).
O serviço de telégrafo elétrico foi regulamentado pelo decreto n. 2.614, de 21 de julho de 1860, visando a “transmissão de despachos e a de sinais de incêndio”. A administração do serviço ficou dividida em duas seções, sendo a primeira responsável pelas estações de São Cristóvão, da Secretaria da Justiça, da Polícia, Fragoso, Prainha e Petrópolis. A segunda seria destinada principalmente à transmissão dos sinais de incêndio, abrangendo os quartéis do Corpo de Bombeiros, do Corpo Policial e do Castelo. O ato também determinou quais eram os funcionários e suas respectivas competências, e ainda os procedimentos para emissão dos despachos.
Com a criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, pelo decreto n. 1.067, de 28 de julho de 1860, o serviço telegráfico passou para sua jurisdição, saindo da pasta da Justiça. Em 1863 foi regulamentado o serviço de telégrafos óticos, voltados exclusivamente para o anúncio de navios, pelo decreto n. 3.050, de 7 de fevereiro. Assim como o regulamento do telégrafo elétrico, este especificou a estrutura administrativa, os cargos e procedimentos dos serviços.
Pouco depois, no entanto, o decreto n. 3.288, de 20 de junho de 1864, juntou as duas diretorias “para melhor economia, direção e fiscalização” dos serviços, criando a Repartição dos Telégrafos (BRASIL, 1864, p. 124). De acordo com o regulamento, os aparelhos óticos deveriam ser conservados, funcionando como linhas auxiliares, sendo seus funcionários distribuídos pelas estações do telégrafo elétrico. Tal determinação esteve relacionada à paulatina expansão do sistema de transmissão elétrico, como pode ser observado no relatório da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas de 1864, que afirma que o sistema ótico seria suprimido à proporção que os fios elétricos chegassem às estações em que funcionava aquele serviço (BRASIL, 1864, p. 81). Segundo esse mesmo documento, a economia gerada com a junção das repartições possibilitou a ampliação dos serviços telegráficos até a cidade de Cabo Frio, além de tornar independente a comunicação militar com a duplicação das linhas entre os quartéis.
Ainda que instalado na década de 1850 na Corte, foi durante a Guerra do Paraguai que o telégrafo se espalhou pelo território brasileiro, quando em 1865 o governo decidiu expandir as linhas da capital até o front. A obra foi concluída no ano seguinte, através de esforços entre os governos imperial, provincial e municipal, e também de muitos proprietários de terras que cederam material e animais para transporte. A pressa ocasionou diversos problemas técnicos, que foram resolvidos aos poucos, mas a extensão das linhas telegráficas aumentou de cerca de 60 quilômetros para mais de 2000 quilômetros ao longo do conflito. A experiência nos tempos de guerra ajudou a dar ao telégrafo um sentido de utilidade que até então não tinha, tornando-o efetivamente um aparelho de comunicação a distância (SILVA, 2011, p. 52).
Com o sucesso da comunicação durante a guerra, o governo imperial percebeu que, além do uso militar, o telégrafo poderia ser um instrumento de aproximação e fortalecimento de forças políticas por todo o território. O processo de expansão, entretanto, veio acompanhado de polêmicas desde a utilização do sistema terrestre ou submarino, ou se as obras deveriam ser entregues ao capital privado através de concessão. A partir de 1869, o governo decidiu adotar vários sistemas de expansão, como a construção de suas próprias linhas terrestres através da Repartição dos Telégrafos, abrir concessão a particulares para a execução da linha entre as províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, ligar as capitais das províncias através de cabos submarinos e adotar esse mesmo sistema para conectar o Brasil e a Europa (Idem, p. 52-55).
No contexto dessa nova fase de expansão, as disposições do regulamento de 1864 já não contemplavam as necessidades do serviço de telégrafos, pois não definia, por exemplo, o papel das empresas privadas na utilização e exploração. Desse modo foi aprovado um outro regulamento para a repartição, pelo decreto n. 4.653, de 28 de dezembro de 1870, que apresentou as diretrizes para implantação e utilização das linhas por parte do governo, dos concessionários e a relação entre ambos. Em 1881 a Repartição dos Telégrafos foi novamente reformada, passando a se chamar Repartição Geral dos Telégrafos. Essa reestruturação, a última do Império, buscou, sobretudo, simplificar e melhorar a contabilidade do órgão, bem como criou uma aula para preparar telegrafistas, dividida em teórica e prática.
A regulamentação do serviço telegráfico foi ainda uma preocupação no âmbito das relações internacionais. A partir dos anos de 1860, vários acordos de cooperação intergovernamentais surgiram em diversos setores econômicos, como forma de facilitar as relações comerciais e industriais através, por exemplo, da padronização de normas técnicas, como pesos e medidas, e a interconexão de obras de infraestrutura e comunicação entre os países. No caso dos telégrafos, o primeiro acordo assinado pelo governo brasileiro foi a Convenção Telegráfica Internacional, de 16 de maio de 1864, em Paris, que visava a construção, em regime de concessão, de um cabo telegráfico transatlântico unindo a Europa à América. O acordo de Paris, sofreu algumas alterações ao longo dos anos, sendo substituído pelo de São Petersburgo em 1875, e que recebeu a adesão do Brasil em 1877. Em 1884, novamente em Paris, foi criada uma união para a proteção dos cabos submarinos, assinada por 38 países, incluindo o Brasil. Duas outras importantes convenções ocorreram ainda no século XIX para tratar de tarifas do serviço telegráfico, uma em Berlim, em 1885, e outra em Paris, em 1890 (ALMEIDA, 1997).
No final do Império, havia 10.755 quilômetros de linhas telegráficas com 18.488 quilômetros de fios condutores, ligando 173 estações, desde Belém até Jaguarão, no extremo sul. Nesse período Brasil, Argentina e Uruguai já se comunicavam diretamente entre suas respectivas linhas. No contexto da Proclamação da República, somente Goiás, Mato Grosso e Amazonas, não possuíam o serviço telegráfico (SILVA, 2011, p. 59).
Louise Gabler
13 set. 2016
Bibliografia
ALMEIDA, Paulo Roberto de. A democratização da sociedade internacional e o Brasil: ensaio sobre uma mutação histórica de longo prazo (1815-1997). In Rev. bras. polít. int. [online]. 1997, vol. 40, n. 2, pp. 76-105. Disponível em: <https://goo.gl/mn6DMD>. Acesso em: 22 jun. 2016.
BRASIL. Decreto n. 2.614, de 21 de julho de 1860. Dando Regulamento para a organização e serviço dos Telégrafos Elétricos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p.319, 1860.
____. Decreto n. 3.050, de 7 de fevereiro de 1863. Dando regulamento para a organização e serviço dos Telégrafos Aéreos. Coleção das leis do Império do Brasil, v. 1, parte 1, p. 22, 1863.
____. Decreto n. 3.288, de 20 de junho de 1864. Aprova o Regulamento para a Repartição dos Telégrafos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 124, 1864.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral na terceira sessão da décima segunda legislatura pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1865.
____. Decreto n. 4.653, de 28 de dezembro de 1870. Aprova o novo Regulamento da Repartição dos Telégrafos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 641, 1870.
____. Decreto n. 8.354, de 24 de dezembro de 1881. Dá novo Regulamento à Repartição dos Telégrafos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, parte 2, p. 1347, 1881.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura pelo ministro e secretário de Estado interino dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas José Antônio Saraiva. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882.
MACIEL, Laura A. Cultura e tecnologia. A construção do serviço telegráfico no Brasil. In Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 21, p. 127-144, 2001. Disponível em: <https://goo.gl/oGessF>. Acesso em: 25 jul. 2016.
SILVA, Mauro Costa da. A telegrafia elétrica no Brasil Império – ciência e política na expansão da comunicação. In Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 49-65, jan | jun 2011. Disponível em: <https://goo.gl/fKRi34>. Acesso em: 25 jul 2016.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR RJANRIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR RJANRIO 23 – Decretos do Executivo – Período Republicano
BR RJANRIO NP – Diversos – SDH – Códices
BR RJANRIO OI – Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR RJANRIO Q6 – Floriano Peixoto
BR RJANRIO 4M – Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
BR RJANRIO 4Q – Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas
BR RJANRIO 4Y – Ministério da Viação e Obras Públicas
BR RJANRIO 8M – Série Agricultura – Administração (IA2)
BR RJANRIO 8Z – Série Comunicação – Telégrafos (ICC4)
BR RJANRIO A6 – Série Interior – Gabinete do Ministro (IJJ1)
Referência da imagem
A Repartição Geral dos Telegraphos: memória histórica. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. OR_4511
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte o verbete Repartição-Geral dos Telégrafos