O estabelecimento de provedores da Real Fazenda na colônia foi ordenado pelo regimento de 17 de dezembro de 1548, com a finalidade de melhorar a fiscalização da arrecadação dos direitos reais e regular a administração fazendária em terras brasileiras.
A ocupação do território ocorreu a partir da divisão e distribuição das terras em forma de capitanias, que foram concedidas a particulares cuja atuação restringia-se às regulamentações dadas por meio de carta de doação e de foral, as quais demarcavam seus direitos e estabeleciam as determinações reais que deveriam ser seguidas. No entanto, no que se refere à administração fazendária, foram instituídos inicialmente, em cada capitania, os cargos de feitor e almoxarife, para arrecadar as rendas reais e administrar as feitorias.
A partir de 1548, diante da instalação de um governo mais centralizado, com a criação dos cargos de governador-geral, provedor-mor e ouvidor-geral, ocorreu uma transformação significativa na administração colonial. Foi nesse contexto que se constituíram as provedorias de Fazenda e as alfândegas, com o objetivo de intensificar a atividade fiscalizadora (Salgado, 1985, p. 84). O regimento dos provedores de 17 de dezembro determinava o estabelecimento, em cada capitania, de casas da alfândega e contos, onde existiriam livros para o registro dos assuntos de sua jurisdição. Aos provedores, cabiam, entre outras atribuições, a responsabilidade por todos os negócios da Fazenda Real, como colocar em pregão as rendas e os direitos reais, preservar os privilégios e liberdades dos rendeiros, e a fiscalização do recolhimento da dízima do açúcar. Ficavam ainda na esfera de sua competência a administração da Fazenda dos Defuntos e a realização de diligências para verificação do armamento de cada capitania. Exerciam também função judicial, devendo conhecer, por ação nova, todos os feitos e causas que envolvessem os oficiais da Fazenda e demais pessoas que lidassem com rendas e direitos régios. No caso da concessão de sesmarias, os provedores julgariam, sem apelação e agravo, os casos cuja quantia fosse menor que dez mil-réis. Além disso, os provedores acumulavam o cargo de juiz dos descaminhos e de juiz da alfândega, competindo-lhes realizar atividades ligadas ao despacho e à cobrança dos direitos alfandegários, assim como o julgamento de irregularidades e descaminhos até determinado valor (Regimento dos provedores de capitanias, 1972, p. 99-116; Salgado, 1985, p. 158-160).
Apesar de não haver outro regulamento específico dirigido aos provedores, algumas de suas competências foram ampliadas ou mesmo reforçadas nos atos referentes aos governadores-gerais de 1588, 1612 e 1677, que acentuavam o caráter fiscalizador do cargo e demarcavam atividades que deveriam ser exercidas em conjunto com os governadores de capitania e com as câmaras, como a taxação do preço de lenhas e o exame da manutenção da distância de construção entre os engenhos. Havia ainda instruções sobre os arrendamentos e administração das despesas das folhas eclesiástica, secular e da gente de guerra. Os provedores receberiam ainda disposições específicas relacionadas à cobrança de dízimos sobre o açúcar e ao corte do pau-brasil (Regimento dos provedores de capitanias, 1972).
Na composição das provedorias, fixada em 1548, figuravam, além do provedor, almoxarife, escrivão, aldeador, rendeiros, contratadores e porteiro. O regimento dos dízimos do Brasil, de 1577, acrescentou um guarda, e no regimento do pau-brasil, de 1605, desapareceram os cargos de aldeador e porteiro. Posteriormente, diante das indefinições que se criaram quanto à atuação dos oficiais das provedorias e das alfândegas, a carta régia de 4 de setembro de 1704 ordenou a separação formal dos cargos de provedor e juiz da alfândega.
A legislação indica que a estrutura das provedorias variava entre as capitanias. No “Alvará de regimento para as propinas e salários dos oficiais da Fazenda, Alfândega e Senado da Câmara da cidade da Bahia de Todos os Santos”, de 15 de abril de 1709, aparecem, na lista dos oficiais, o provedor e juiz da alfândega, almoxarife, escrivão, meirinho da alfândega e selador da alfândega. Outro exemplo, tirado das “Avaliações que se fizeram pelos conselheiros ministros deputados da Junta da Fazenda, e Fisco Real, mandados cumprir pelo governo da Bahia em 31 de outubro de 1767”, também revela diferenças na estrutura da Fazenda Real de Pernambuco e da Paraíba referentes àquela data.
Durante o período da dominação espanhola sobre Portugal, entre 1580 e 1640, não houve alterações significativas na administração fazendária colonial, o que só veio a ocorrer no século XVIII, a partir do reinado de d. José I (1750-1777), quando foram iniciadas reformas que visavam contornar a crise econômica que então enfrentava o Império luso. Essas transformações, conduzidas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, tiveram como propósito a centralização e modernização do aparelho de Estado. Nesse contexto, a estrutura da administração da Fazenda sofreu grandes mudanças, com a criação do Erário Régio como órgão central, que concentrou a contabilidade do reino e domínios, servindo ainda de tribunal fiscal de última instância. No Brasil, foram estabelecidas Juntas da Real Fazenda, subordinadas diretamente a Portugal, em substituição às provedorias.
O processo de substituição das provedorias pelas juntas nas capitanias realizou-se gradativamente. A primeira Junta da Real Fazenda a ser criada foi a do Rio de Janeiro, em 16 de agosto de 1760, seguida pela da Bahia, Vila Rica, São Paulo, Pernambuco e Maranhão (Wehling, 1986, p. 113). Após a transferência da corte para o Brasil, em 1808, foram estabelecidas outras, como a da Paraíba, em 1808, Espírito Santo e Mato Grosso, em 1809, Piauí, em 1811, Santa Catarina, em 1817, Rio Grande do Norte e Sergipe, em 1820. Algumas provedorias, no entanto, continuariam a existir ou seriam criadas, como a da cidade do Mato Grosso, quando a Junta da Real Fazenda foi transferida para a cidade de Cuiabá. Nesse período, nas capitanias onde coexistiam as duas estruturas fazendárias, as provedorias ficaram subordinadas às juntas da Real Fazenda.
Angélica Ricci Camargo
Fev. 2013
Fontes e bibliografia
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Processo administrativo ibero-americano: aspectos socioeconômicos, período colonial. São Paulo: Biblioteca do Exército, 1962.
REGIMENTO dos provedores de capitanias, de 17 de dezembro de 1548. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 99-116.
REGIMENTO dos dízimos do Brasil, de 17 de setembro de 1577. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 229-241.
REGIMENTO de Francisco Giraldes, de 8 de março de 1588. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 259-277.
REGIMENTO do pau-brasil, de 12 de dezembro de 1605. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 363-365.
REGIMENTO de Gaspar de Sousa, de 6 de outubro de 1612. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 413-436.
REGIMENTO de Roque da Costa Barreto dos Governadores Gerais, de 16 de janeiro de 1677. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Raízes da formação administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1972. p. 745-846.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
WEHLING, Arno. Administração portuguesa no Brasil de Pombal a d. João (1777-1808). Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1986.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_0M Casa dos Contos
BR_RJANRIO_0O Casa Real e Imperial - Mordomia-Mor
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_3H Intendência da Marinha e Armazéns Reais
BR_RJANRIO_EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo
BR_RJANRIO_RD Marquês do Lavradio
BR_RJANRIO_4J Mesa da Consciência e Ordens
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte
BR_RJANRIO_7T Provedoria da Fazenda Real de Santos
BR_RJANRIO_86 Secretaria de Estado do Brasil
BR_RJANRIO_BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia
BR_RJANRIO_D9 Vice-Reinado
Referência da imagem
Relação dos ofícios da Fazenda Real de Pernambuco presente nas avaliações que se fizeram pelos conselheiros ministros deputados da Junta da Fazenda, e Fisco Real, mandados cumprir pelo governo da Bahia em 31 de outubro de 1767, e posteriormente derrogadas por portaria do governador e capitão-general marquês do Lavradio, ordenando se observassem ao futuro que antes se praticava. Arquivo Nacional, Fundo Relação da Bahia, cód. 539, v. 3, fl. 26