O Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) foi criado pelo decreto n. 3.987, de 2 de janeiro de 1920, que reorganizou os serviços de saúde e extinguiu a Diretoria-Geral de Saúde Pública, sua antecessora. Subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, ao DNSP coube, dentre outras atribuições, os serviços de higiene no Distrito Federal; os serviços sanitários dos portos marítimos e fluviais e a inspeção médica de imigrantes e de outros passageiros; a profilaxia rural no Distrito Federal, nos estados e no Território do Acre; o estudo da natureza, etiologia, tratamento e profilaxia das doenças transmissíveis; o fornecimento e a fiscalização do preparo de soros e vacinas, bem como o suprimento dos medicamentos oficiais; a organização e a publicação das estatísticas demógrafo-sanitárias; o exame químico dos gêneros alimentícios e a organização do Código Sanitário, que deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional.
No início da Primeira República, as precárias condições sanitárias da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, levaram a uma reforma da estrutura burocrática responsável pela administração dos órgãos de saúde pública. Porém, o aumento pela demanda dos serviços de saúde colocou em evidência os limites da atuação do governo federal nos estados. A falta de uma política de saúde uniforme e centralizada era agravada pela incapacidade econômica de alguns estados em conduzir seus serviços sanitários, exceção feita a São Paulo, que realizara de forma pioneira uma reforma que se aparelhou com uma estrutura administrativa e legal voltada para a implementação de programas de saúde públicos. Esse quadro serviu de argumento para a ampliação dos serviços de profilaxia rural, por meio da assinatura de acordos de cooperação, que permitiria a atuação do governo federal nos estados, através das comissões de saneamento e de profilaxia rural.
A questão da saúde pública alcançou uma posição de destaque nas duas primeiras décadas do século XX, tornada objeto de demanda por parte da elite brasileira por meio do movimento sanitarista, que identificavam as precárias condições sanitárias brasileiras como resultado da ausência do poder público. O chamado movimento sanitarista – que numa primeira fase circunscreveu sua ação ao saneamento urbano e às epidemias que mais assolavam a cidade do Rio de Janeiro – deflagraria uma campanha pelo saneamento rural e o combate às endemias, através da Liga Pró-Saneamento, criada em 1918. O movimento sanitarista postulava a centralização dos serviços de saúde pública, a criação de um serviço de endemias rurais e do Ministério da Saúde Pública, defendendo que a superação do quadro sanitário brasileiro somente seria possível com a maior centralização e expansão dos serviços federais de saúde (Britto & Lima, 1991; Castro Santos, 1985; Lima & Hochman, 1996; Hochman, 1998).
Apesar das vitórias obtidas com a inclusão do combate às endemias rurais dentre os objetos das políticas públicas formuladas pela União no período, a Liga Pró-Saneamento não obteve êxito em sua principal reivindicação, o Ministério da Saúde Pública. A reorganização dos serviços sanitários federais criou o Departamento Nacional de Saúde Pública, considerado o precursor da nacionalização das políticas de saúde e saneamento no país. Subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, para sua direção foi nomeado Carlos Chagas, que acumulava ainda a direção do Instituto Oswaldo Cruz. O decreto de criação do DNSP definiu suas atribuições e estabeleceu que esse novo órgão ficasse encarregado da organização de um código sanitário que deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional. Ainda em 1920, o decreto n. 14.189, de 26 de maio, substituiu o que criara o DNSP, cuja execução foi por duas vezes prorrogada pelos decretos n. 14.227, de 23 de junho, e n. 14.282, de 31 de julho. Finalmente, o decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920, aprovou o regulamento para o DNSP, em substituição ao que acompanhou o decreto 14.189, do mesmo ano.
Pelo decreto de sua criação, ficavam definidas as atribuições do DNSP e estabelecido que o novo órgão fosse encarregado da organização de um código sanitário, que deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional. O decreto ainda definia que o DNSP seria organizado em três diretorias: a de Serviços Sanitários Terrestres na Capital Federal, a de Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e a de Saneamento e Profilaxia Rural. Na Secretaria-Geral funcionariam os seguintes serviços, diretamente subordinados ao diretor do departamento: fiscalização do exercício da medicina, farmácia, arte dentária e obstetrícia, estatística demógrafo-sanitária, engenharia sanitária, fiscalização dos esgotos e de novas redes, profilaxia contra a lepra e contra as doenças venéreas, hospitais de isolamento, higiene e assistência médica à infância (Brasil, 1921d). A legislação previa ainda a constituição de um Fundo Sanitário Especial para o custeio da profilaxia rural e das obras de saneamento do interior do Brasil, com recursos provenientes das verbas do próprio DNSP, do imposto sobre bebidas alcoólicas, da renda dos laboratórios do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, da taxação sobre os jogos de azar e do produto da venda do selo sanitário (Brasil, 1921d).
O DNSP foi o resultado das demandas por maior centralização e uniformização dos serviços de saúde do governo federal, que trouxe para o campo de atuação do Estado novos objetos, como o combate à lepra e às doenças venéreas. Logo, para dar conta da expansão da atuação do governo federal, o DNSP contava com uma grande e complexa estrutura, com serviços especializados, como as inspetorias, além de hospitais, lazaretos, estações de desinfecção, laboratórios, delegacias de saúde terrestres e marítimas. Ainda em 1920, como resultado da crescente participação do Estado na implementação e condução de políticas no campo da saúde, foram realizados ajustes para transferência de serviços da Prefeitura do Distrito Federal para o DNSP. O decreto n. 14.376, de 24 de setembro, incorporou às competências do órgão os serviços então a cargo da Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. O decreto n. 14.471, de 11 de novembro de 1920, estendeu a ação do DNSP, determinando que coubesse ao órgão não somente a fiscalização do Matadouro de Santa Cruz, conforme aprovado em seu regulamento, mas os serviços antes a cargo da Prefeitura do Distrito Federal, relativos à fiscalização dos gêneros alimentícios, inclusive o Laboratório Municipal de Análises, do comércio do leite e de laticínios e de carnes abatidas.
Em 1921 foi aprovado o novo regulamento do DNSP, pelo decreto n. 15.003, de 15 de setembro de 1921. Conhecido como Reforma Carlos Chagas, o ato ampliou a cooperação do governo federal com os estados, através da Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural, que centralizava o combate às endemias rurais. Além de estender a ação do DNSP, o regulamento integrou novos assuntos às suas competências, o que mais uma vez significou alterações em sua estrutura para dar conta das novas atribuições. Fez parte desse processo a criação da Delegacia de Higiene Profissional e Industrial, subordinada à Diretoria dos Serviços Sanitários Terrestres, cujas funções eram voltadas à “proteção da saúde dos operários, de acordo com a natureza de cada indústria em particular” (BRASIL, 1922). Foram ainda criados dois novos serviços sanitários: da Marinha Mercante e dos Navios de Navegação e Cabotagem, subordinados à Diretoria de Defesa Sanitária Marítima e Fluvial.
Ainda em 1922, pelo decreto n. 15.799, de 10 de novembro, houve nova alteração na estrutura do DNSP, com a aprovação do regulamento para o Hospital Geral de Assistência. O hospital teria em anexo a Escola de Enfermeiras, prevista pelo regulamento de 1920, cuja formação recebeu auxílio decisivo do convênio estabelecido entre o DNSP e a Fundação Rockefeller. Destinado a prestar assistência médico-cirúrgica aos indigentes, o Hospital Geral de Assistência funcionaria no prédio do então Asilo São Francisco de Assis, que fora retomado pela União da Prefeitura do Distrito Federal.
Em 1923, pelo decreto n. 16.300, de 31 de dezembro, foi aprovado um novo regulamento para o DNSP, que consolidava em suas atribuições muitos dos serviços que já eram executados pelo órgão, mas não estavam expressos em seu texto legal. Foi incorporada às suas competências a responsabilidade pelos estudos e trabalhos sobre a higiene industrial e profissional, pela defesa sanitária fluvial, ao lado da marítima, e pelos serviços de higiene infantil no Distrito Federal e estados que firmassem acordos com a União. No caso da estrutura, destaca-se a inclusão do Hospital Geral de Assistência no regulamento geral, incorporado ao DNSP em 1922.
À preocupação da União em dar conta das epidemias que assolavam os centros urbanos, especialmente a cidade do Rio de Janeiro, somou-se o combate às endemias rurais e a uniformização das ações de saúde pública, com maior atuação do governo federal nos estados. A incorporação de novos objetos nas políticas públicas de saúde formuladas pelo governo federal foi ajustando-se às demandas impostas pelas transformações da sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Assim, as sucessivas reformas no regulamento do DNSP incluiriam temáticas como lepra, doenças venéreas e tuberculose, mas também higiene infantil, higiene industrial e profissional, propaganda e educação sanitária, controle do exercício profissional, fiscalização e fornecimento de produtos farmacêuticos, defesa sanitária marítima e fluvial, ou a vigilância sanitária.
O final da década de 1920, marcado pela crise política que emerge pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, evidenciou no Brasil os limites do modelo econômico nacional agroexportador. No campo político nacional, teve lugar um movimento político-militar que colocou Getúlio Vargas à frente do governo, a Revolução de 1930, e rompeu com o domínio oligárquico que marcara a Primeira República. No início do governo Vargas, teve lugar uma reforma administrativa que estabeleceu dois novos ministérios, o da Educação e Saúde Pública e o Ministério do Trabalho. O MESP, criado pelo decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930, subordinaria o DNSP e centralizaria as questões pertinentes às políticas públicas para a área, configurando um novo marco no processo de institucionalização da saúde pública no Brasil.
Dilma Cabral
Out. 2018
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto Legislativo n. 3.987, de 2 de janeiro de 1920. Reorganiza os serviços da saúde pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 1-6, 1920.
______. Decreto n. 14.189, de 26 de maio de 1920. Dá Regulamento para a execução do decreto legislativo n. 3.987, de 2 de janeiro de 1920, que criou o Departamento Nacional de Saúde Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1157, 1921a.
______. Decreto n. 14.227, de 23 de junho de 1920. Prorroga até 1 de agosto vindouro o prazo para a execução do Regimento do Departamento Nacional de Saúde Pública, aprovado pelo decreto n. 14.189, de 26 de maio último. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1223, 1921b.
______. Decreto n. 14.282, de 31 de julho de 1920. Prorroga a execução do Regulamento aprovado pelo decreto n. 14.189, de 26 de maio de 1920. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 75, 1921c.
______. Decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920. Aprova o Regulamento para o Departamento Nacional de Saúde Pública, em substituição do que acompanhou o decreto n. 14.189, de 26 de maio de 1920. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 244-484, 1920d.
______. Decreto n. 14.376, de 24 de setembro de 1920. Transfere para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores os serviços a cargo da Inspetoria de Esgotos da Capital Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, tomo I, p. 512-513, 1921.
______. Decreto n. 14.471, de 11 de novembro de 1920. Modifica alguns artigos do Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública aprovado pelo decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 879, 1921.
______. Decreto n. 15.003, de 15 de setembro de 1921. Faz modificações no Regulamento aprovado pelo decreto n. 14.354, de 15 de setembro de 1920. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 5, p. 34-300, 1922.
______. Decreto n. 15.799, de 10 de novembro de 1922. Aprova o Regulamento do Hospital Geral de Assistência do Departamento Nacional de Saúde Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 392-403, 1923.
______. Decreto n. 16.300, de 31 de dezembro de 1923. Aprova o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, parte 2, p. 581-974, 1924.
______. Decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930. Cria uma Secretaria de Estado com a denominação de Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 16-17, 1930.
CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013.
CASTRO SANTOS, L. A. de. O pensamento sanitarista na Primeira República: uma ideologia de construção nacional. Dados – Revista de Ciências Sociais, 28(2): 193-210, 1985.
HOCHMAN, G. A Era do Saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec, Anpocs, 1998.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_04 Departamento Nacional de Obras de Saneamento
BR_RJANRIO_35 Gabinete Civil da Presidência da República
BR_RJANRIO_BE Série Saúde - Gabinete do Ministro (IS1)
Referência da imagem
Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_16125_005