O Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais foi criado pelo decreto n. 14.377, de 24 de setembro de 1920, com a finalidade de conservar, por meio de expurgo, e beneficiar, por processos mecânicos e outros, os cereais e leguminosos destinados ao consumo local e à exportação. Além disso, cabia ao órgão a higienização de sementes em geral, especialmente de algodão, e o expurgo e beneficiamento de algodão em fardos (Brasil, 1921a, p. 513).
O estabelecimento do Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais se deu em um contexto de reorientação das diretrizes do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, marcado pela ampliação da estrutura dedicada ao aperfeiçoamento e controle dos produtos agrícolas, sobretudo das matérias-primas utilizadas pelas indústrias (Mendonça, 1997, p. 161). O expurgo era considerado uma parte importante nesse processo, constituindo-se como uma técnica usada para eliminar a infestação de pragas em grãos, sementes e outros itens armazenados (Lorini et al., 2015, p. 49; Rebouças, 2017, p. 26). Já o beneficiamento era o procedimento de limpeza com o objetivo de eliminar as impurezas, possibilitando uma boa classificação dos grãos para fins comerciais, bem como a melhoria da pureza varietal, do poder de germinação e do vigor das sementes (Eifert et al., 2014, p. 227-228).
Naquele momento também foram instalados o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, voltado para a prevenção e combate a pragas, e o Serviço de Sementeiras, visando ao aprimoramento da produção de plantas e sementes, que se somaram a repartições já existentes, como o Instituto de Química, responsável pela fiscalização de adubos e inseticidas, entre outras funções. Anteriormente, a maior parte dessas atribuições estava concentrada em outros órgãos, como o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, que existia desde 1909 para estimular a modernização e a diversificação da agricultura brasileira, bem como o Museu Nacional e o Jardim Botânico, que eram os mais antigos centros de pesquisa científica do país.
Em 1921, foi aprovado, pelo decreto n. 15.189, de 21 de dezembro, o regulamento da defesa sanitária vegetal, que estabeleceu as medidas relacionadas ao controle da circulação e inspeção de plantas, sementes e outros materiais de origem vegetal, que seriam executadas pelo Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, pelo Serviço de Algodão e pelo serviço de vigilância sanitária vegetal do Instituto Biológico de Defesa Agrícola. O mesmo ato instituiu o Conselho Superior de Defesa Agrícola, encarregado de elaborar a lista dos produtos vegetais cuja entrada era liberada no país e o estudo de outros assuntos referentes à defesa sanitária vegetal (Brasil, 1922, p. 98-113).
Segundo o ministro da Agricultura, Ildefonso Simões Lopes, o incentivo ao expurgo fazia-se necessário, pois os produtos agrícolas brasileiros eram “mal beneficiados nas lavouras e entregues ao comércio com má aparência e sem os precisos cuidados de conservação” (Brasil, 1921b, p. XXXV), o que acarretava prejuízos aos agricultores e à economia do país. Como as iniciativas particulares nesse sentido eram raras, o governo resolveu empreender, “pelo exemplo real e pela propaganda”, um trabalho demonstrativo das vantagens dos métodos adotados a partir da fundação do Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais (Brasil, 1921b, p. XXXV).
De acordo com o decreto n. 14.377, de 1920, o expurgo seria requisitado pelos interessados ou determinado pelo serviço de vigilância sanitária vegetal do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, em casos de grãos ou sementes destinados à exportação para países que exigissem atestados oficiais de sanidade. O exame técnico dos grãos, sementes e algodão em fardos seria feito pelo pessoal do referido instituto, que indicaria o processo e as condições a serem observadas, orientando sua execução. Para tanto, seria paga uma taxa fixada pelo ministério, podendo, ainda, ser cobrada a armazenagem para aqueles que não pudessem retirar suas mercadorias no prazo de 24 horas após a conclusão dos trabalhos. Ultrapassados três meses, os produtos seriam vendidos em leilão para pagar as despesas do órgão, sendo o restante recolhido aos cofres do Tesouro Nacional, onde ficaria à disposição do proprietário (Brasil, 1921a, p. 513-517).
Os materiais expurgados receberiam um certificado, comprovando que a mercadoria foi sujeita ao tratamento nas condições regulamentares. Esse documento, no entanto, não substituiria o atestado de sanidade passado pelo serviço de vigilância sanitária vegetal.
Para a execução dos seus trabalhos, o Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais contaria com máquinas, aparelhos, utensílios e outros equipamentos. Sua estrutura seria composta por um superintendente, um escriturário, um agente comercial, um encarregado dos armazéns, dois conferentes, um encarregado das máquinas e seus dois auxiliares, um contínuo, além dos guardas, serventes, trabalhadores e operários indispensáveis às atividades.
Um dos principais focos de atuação do órgão, como indicam os relatórios ministeriais, foi a realização de propaganda sobre os métodos e técnicas de expurgo por meio da distribuição de postais, folhetos e publicações (Brasil, 1925, p. 125). Tal atribuição era prerrogativa do cargo de agente comercial, ao qual também competia classificar os grãos e sementes para efeitos comerciais e visitar as estações e armazéns das estradas de ferro e empresas de navegação, trapiches e depósitos de grãos alimentícios e sementes para verificar a necessidade de tratamento dos produtos (Brasil, 1921a, p. 513-517). O órgão também atuou em conjunto com outras repartições, como a Superintendência do Abastecimento, emprestando seus depósitos para guardar os grandes estoques de mercadorias que seriam remetidos aos armazéns de emergência e feiras livres. Em 1925, colaborou com as medidas de defesa do café, assolado pela broca, fazendo o expurgo das sacas vazias (Brasil, 1929a, p. 583-584).
O serviço teve suas instalações melhoradas ao longo dos anos, com acréscimo de novas máquinas, como a de desinfecção de sementes e fardos de algodão, que veio transferida do Serviço de Algodão. A abrangência de suas atividades, antes restritas à desinfecção quase exclusiva de feijão e milho, foi ampliada, passando a operar sobre outros produtos, como arroz, centeio, cevada e sementes (Brasil, 1928, p. 323-324). Apesar das melhorias, o movimento diminuiu em consonância com a queda da entrada dessas mercadorias na capital federal (Brasil, 1930, p. 275).
Fora dos limites do órgão, vários ministros que passaram pela pasta da Agricultura defenderam uma lei tornando o expurgo obrigatório, “para impedir o descrédito da nossa produção de cereais” (Brasil, 1926, p. 279; 1929b, p. 300). Outras propostas apresentadas nessa direção foram a adoção do sulfureto de carbono como padrão oficial e a criação de representações do serviço nos pontos de exportação de cereais ou a proteção oficial a empresas particulares organizadas para esse fim. No entanto, ao que parece, tais propostas não saíram do papel (Brasil, 1926, p. 279).
Em decorrência dos acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930, o Ministério da Agricultura foi desmembrado, dando origem à pasta do Trabalho, Indústria e Comércio. Nesse novo contexto, ocorreram várias transformações. O Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais foi transferido para a esfera do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas pelo decreto n. 19.748, de 12 de março de 1931. No ano seguinte, o decreto n. 21.801 tornou obrigatório o expurgo dos cereais, grãos de leguminosos e sementes de algodão destinados à exportação. Em 1933, em meio a um grande processo de reforma das repartições agrícolas, o decreto n. 22.416, de 30 de janeiro, extinguiu o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, ao dividir suas funções e estruturas entre diferentes áreas da Diretoria-Geral de Agricultura, sem mencionar o Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais, que, igualmente, não apareceu nos regulamentos posteriores. Em 1934, o decreto n. 24.114, de 12 de abril, aprovou o regulamento da defesa sanitária vegetal, incluindo um capítulo específico sobre a desinfecção ou expurgo de vegetais, ou partes de vegetais, concentrando em apenas um órgão, o Serviço de Defesa Sanitária Vegetal, todas as etapas do processo de controle dos produtos agrícolas comercializados no país e no exterior.
Angélica Ricci Camargo
Jul. 2020
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 14.377, de 24 de setembro de 1920. Cria o Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 513-517, 1921a.
______. Decreto n. 15.189, de 21 de dezembro de 1921. Aprova o regulamento da Defesa Sanitária Vegetal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 98-113, 1922.
______. Decreto n. 19.748, de 12 de março de 1931. Extingue vários cargos e serviços no Ministério da Agricultura. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 15 mar. 1931. Seção 1, p. 3.897-3.898.
______. Decreto n. 21.801, de 6 de setembro de 1932. Estabelece a obrigatoriedade do expurgo dos cereais, grãos de leguminosos e sementes de algodão, destinados à exportação para o estrangeiro, e dá outras providências. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 10 set. 1932. Seção 1, p. 17.075.
______. Decreto n. 22.380, de 20 de janeiro de 1933. Dá organização às Diretorias-Gerais do Ministério da Agricultura. Coleção de leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 132, 1934.
______. Decreto n. 24.114, de 12 de abril de 1934. Aprova o Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal. Coleção de leis da República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 555, 1935.
______. Relatório apresentado ao presidente da República pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Ildefonso Simões Lopes. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas-Boas & C., 1921b. Disponível em: https://bit.ly/30nwmKe. Acesso em: 17 jul. 2020.
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EIFERT, Eduardo da Costa; SILVA, José Geraldo da Silva; FONSECA, Jaime Roberto; VIEIRA, Edson Herculano Neves. Secagem, beneficiamento e armazenamento de grãos. In: GONZAGA, A. C. de O. (ed.). Feijão: o produtor pergunta, a Embrapa responde. 2. ed. rev. e atual. Brasília, DF: Embrapa, 2014. p. 224-234. Disponível em: https://bit.ly/3fG0Ayu. Acesso em: 17 jul. 2020.
INSTITUTO Biológico de Defesa Agrícola. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://bit.ly/3LMhJGl. Acesso em: 7 abr. 2022.
LORINI, Irineu; KRZYZANOWSKI, Francisco Carlos Krzyzanowski; FRANÇA-NETO, José de Barros; HENNING, Ademir Assis; HENNING, Fernando Augusto. Manejo integrado de pragas de grãos e sementes armazenadas. Brasília, DF: Embrapa, 2015.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.
REBOUÇAS, Márcia M. Instituto Biológico: 90 anos inovando o presente. São Paulo: Narrativa Um, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2WsyA9W. Acesso em: 17 jul. 2020.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0183_d0005de0006