O Instituto Biológico de Defesa Agrícola foi criado pelo decreto n. 14.356, de 15 de setembro de 1920, com a finalidade de realizar investigações científicas e experimentos relacionados às doenças e pragas de vegetais cultivados ou silvestres e promover os meios de sua prevenção e combate. Para tanto, cabia ao órgão efetuar pesquisas científicas referentes à ação de organismos vivos sobre as plantas; investigar as doenças e alterações provocadas por esses agentes; analisar as doenças oriundas de causas não parasitárias, os casos teratológicos e a influência dos micro-organismos do solo; estudar e recomendar ações ou processos de profilaxia, tratamento e combate; responder às consultas dirigidas pelos órgãos federais e por particulares; acompanhar a execução das medidas aconselhadas; promover ensaios de verificação da eficiência de fungicidas e inseticidas, e dos instrumentos e máquinas destinados a aplicá-los; organizar cursos de aperfeiçoamento e de especialização sobre os assuntos concernentes às suas atividades; divulgar os resultados das experiências e pesquisas por meio de publicações; e exercer a vigilância sanitária na importação e exportação de plantas vivas ou partes de plantas, mudas, frutos, sementes, tubérculos, bulbos etc. (Brasil, 1921a, p. 493-504).
O estabelecimento do Instituto Biológico de Defesa Agrícola ocorreu em um contexto de reorientação das diretrizes da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio, instalada em 1909, a partir do desmembramento do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, em razão das demandas de setores agrários afastados do centro de poder dominado pelos cafeicultores do estado de São Paulo. Sem deixar de lado as iniciativas de diversificação e modernização da agricultura e de aprimoramento da mão de obra presentes nos debates que deram origem ao ministério, esse novo momento foi caracterizado pela “multiplicação de agências voltadas ao aperfeiçoamento e controle dos produtos agrícolas”, priorizando as matérias-primas utilizadas pelas indústrias (Mendonça, 1997, p. 161). Datam dessa época o Instituto de Química, o Serviço de Sementeiras, o Serviço de Expurgo e Beneficiamento de Cereais, a recriação do Serviço de Algodão e a fundação de órgãos dedicados às questões do trabalho e da indústria.
A expansão da estrutura de ensino e pesquisa agrícolas, associada à crença no papel da ciência como meio de superar o propagado ‘atraso’ observado na agricultura brasileira, encontrou inspiração em várias experiências estrangeiras. As iniciativas oficiais de defesa sanitária vegetal e de defesa agrícola, que compreendiam, respectivamente, as medidas de prevenção e o combate de insetos, fungos e parasitas prejudiciais às plantas, começaram a ganhar destaque a partir do século XIX na Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos, onde foram criadas instituições encarregadas do tratamento desses assuntos, refletindo sua importância para o desenvolvimento da economia desses países (Rangel, 2006, p. 93-98).
No Brasil, na esfera do governo federal, tais questões constituíram-se como objeto de interesse especialmente após a instalação da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio. Em 1910, o decreto n. 7.816, de 13 de janeiro, atribuiu ao Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas competências relacionadas à defesa agrícola. Nesse mesmo ano foram criadas as cadeiras de entomologia agrícola, que abrangia a análise dos insetos úteis ou nocivos à agricultura, e de fitopatologia, destinada ao estudo das doenças das plantas, na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, além de laboratórios de entomologia geral e de fitopatologia no Museu Nacional (Rangel, 2006, p. 93). Nessa década, uma praga que destruía os algodoeiros, causando muitos prejuízos, gerou grande repercussão, que culminou no estabelecimento, em 1918, de uma estrutura oficial para organizar medidas de enfrentamento do problema, o Serviço de Combate à Lagarta Rósea, subordinado ao Museu Nacional (Rangel, 2013, p. 73). Os trabalhos desse serviço foram encerrados em 1920, ano em que foi instituído um órgão autônomo para a realização de pesquisas e controle de pragas e doenças, o Instituto Biológico de Defesa Agrícola.
O instituto reuniu funções e incorporou estruturas antes pertencentes a outras repartições. Algumas competências relativas à defesa agrícola foram compartilhadas com o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas de acordo com o decreto n. 14.184, de 26 de maio de 1920, que também previu uma série de ações que deveriam ser desenvolvidas com o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, criado somente pelo decreto n. 14.356, de 15 de setembro desse ano. Segundo esse ato, foram transferidos para o novo órgão o laboratório de entomologia do Museu Nacional e o laboratório de fitopatologia do Jardim Botânico, que existia desde 1916. Essas duas instituições ainda cederiam as coleções, aparelhos, instrumentos, imobiliários, verbas específicas, obras e publicações científicas referentes a esses assuntos, e funcionários, como foi o caso do próprio diretor do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, Carlos Moreira, e de Ângelo Moreira da Costa Lima, ex-chefe do Serviço de Combate à Lagarta Rósea, que vieram do Museu Nacional (Brasil, 1921a, p. 493-504; Rangel, 2006, p. 105).
O decreto n. 14.356 dispôs que o Instituto Biológico de Defesa Agrícola seria composto pelos serviços de fitopatologia, de entomologia agrícola, de seleção de plantas imunes ou resistentes e de vigilância sanitária vegetal, além de um laboratório de microbiologia do solo e um campo de experimentos e demonstrações. O mesmo ato definiu que, para o desenvolvimento dos seus trabalhos, o instituto contaria com a colaboração dos estabelecimentos de ensino agronômico, estações experimentais, serviços especiais de agricultura, campos de demonstração, bem como promoveria acordos com organismos congêneres mantidos pelos estados.
Em 1921, o decreto n. 15.189, de 21 de dezembro, aprovou o regulamento da defesa sanitária vegetal, conferindo atribuições específicas ao serviço de vigilância sanitária vegetal do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, ao Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas e ao Serviço de Algodão, relacionadas ao controle da circulação e inspeção de plantas, sementes e outros materiais de origem vegetal. O decreto determinou que cabia ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a liberação de entrada no país dos produtos vegetais destinados à alimentação, fins industriais, medicinais ou de ornamentação e de espécies de insetos, cuja introdução não constituía risco para as lavouras. A importação desses itens seria permitida apenas em portos ou estações de fronteira onde houvesse um inspetor do serviço de vigilância sanitária vegetal, mediante a apresentação de uma autorização feita por ele, que era igualmente responsável pelo exame e despacho que liberava a saída desse tipo de material das alfândegas ou outros postos aduaneiros (Brasil, 1922, p. 98-113).
O ato também definiu os procedimentos para a fiscalização de estabelecimentos de comércio de plantas e facultou a inspeção de quaisquer propriedades agrícolas para averiguação da existência de doenças, insetos e outros parasitas, e para a prescrição das ações cabíveis, prevendo, em caso de recusa dos proprietários, penalidades e aplicação compulsória de tais medidas. Por outro lado, para os proprietários que cooperassem de forma voluntária com o combate de doenças e pragas, seriam concedidos favores e benefícios a partir de sua inscrição no Registro Geral de Lavradores e Criadores do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Além disso, o decreto dispôs sobre a realização de entendimentos com governos estaduais para a execução e custeio de programas de combate a pragas e doenças, competindo ao governo federal a direção e fiscalização dos trabalhos, e fixou as penalidades para os casos de infração ao regulamento (Brasil, 1922, p. 98-113).
Na ocasião ainda foi criado o Conselho Superior de Defesa Agrícola, formado pelos chefes dos serviços de entomologia agrícola, de fitopatologia e de vigilância sanitária vegetal do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, pelo consultor jurídico do ministério da Agricultura, pelo diretor do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, pelo superintendente do Serviço de Algodão, e pelos chefes dos demais serviços de defesa de culturas especiais que viessem a ser constituídos. O conselho tinha o objetivo de elaborar as instruções complementares ao regulamento da defesa sanitária vegetal; rever periodicamente a relação dos produtos vegetais cuja entrada era liberada no país; estudar e propor ao ministro quaisquer outras medidas pertinentes à defesa sanitária vegetal; julgar, em grau de recurso, todas as infrações ao regulamento, entre outras atribuições.
O Instituto Biológico de Defesa Agrícola foi instalado em outubro de 1920, em um pavilhão anexo ao edifício do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Em seus anos de atividades, o órgão realizou estudos e pesquisas, atendeu a consultas, editou os boletins previstos no decreto n. 14.356, distribuiu sementes e executou diversos trabalhos relativos ao combate de doenças e pragas, extinção de formigueiros no Distrito Federal e de inspeção nos portos em várias partes do país, bem como examinou os produtos pendentes de registro e pedidos de patentes de invenção de inseticidas e de aparelhos para a sua aplicação, em colaboração com o Instituto de Química e com a Diretoria-Geral de Propriedade Industrial (Brasil, 1921b, p. 193-194; 1928, p. 55-57; 1929b, p. 97).
Dentre as pragas e doenças que exigiram a atuação do órgão, destacam-se a cigarrinha e o mosaico incidentes nos canaviais e a broca-do-café (Brasil, 1925, p. 19; 1928, p. 56; 1929a, p. 99-100). Por ser o principal produto de exportação do país, a praga do café mobilizou rapidamente a atenção de diferentes instâncias de poder. O relatório ministerial de 1924 informa que, atendendo à solicitação do governo paulista, foram enviados dois funcionários federais, Arthur Neiva, do Museu Nacional, e Costa Lima, do Instituto Biológico de Defesa Agrícola, para a identificação do inseto causador dos estragos. Após a descoberta, Costa Lima sugeriu que as autoridades paulistas assumissem a tarefa, pois dispunham de recursos suficientes para um combate eficaz, o que se deu por meio de uma delegação de competência concedida pelo decreto n. 16.509, de 21 de junho de 1924, que confiou ao estado a execução das medidas de defesa sanitária vegetal presentes no regulamento de 1921, excetuadas aquelas ligadas à fiscalização de importação e exportação de plantas vivas, ou partes vivas de plantas (Brasil, 1924; 1928, p. 56-57). Tal dispositivo ampliou e atualizou a delegação aprovada em 1918, pelo decreto n. 13.094, que se referia, principalmente, à circulação de sementes de algodão (Serviço..., 2019). Desse modo, em 1924 foi criada, nesse estado, a Comissão de Estudo e Debelação da Praga Cafeeira, e mais tarde, em 1927, o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal (Silva, 2006).
Além de São Paulo, os relatórios ministeriais informam que outros estados estabeleceram órgãos congêneres, evidenciando a importância da ação conjunta para o benefício da economia do país (Brasil, 1929b, p. 97).
Apesar do aumento do volume de trabalho, o órgão teve seu pessoal reduzido em 1924 pelos decretos n. 16.625, de 1º de outubro, e n. 16.741-A, de 31 de dezembro. Em 5 de novembro desse mesmo ano, o decreto n. 16.663 transferiu o campo de demonstração para o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas.
A partir da chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República, após os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio foi desmembrado, dando origem ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e passou por diversas transformações. O ano de 1933 foi marcado por sucessivas reorganizações que suprimiram órgãos e instauraram novas estruturas. Assim, o decreto n. 22.380, de 20 de janeiro, extinguiu o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, estabelecendo o Instituto Biológico Federal sem as atribuições relacionadas à defesa sanitária vegetal, que ficaram concentradas na Diretoria de Fomento e Defesa Agrícolas (Brasil, 1934a; 1934b).
Angélica Ricci Camargo
Jun. 2020
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 14.356, de 15 de setembro de 1920. Cria o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, parte 1, p. 493-504, 1921a.
______. Decreto n. 15.189, de 21 de dezembro de 1921. Aprova o regulamento da Defesa Sanitária Vegetal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 98-113, 1922.
______. Decreto n. 16.509, de 21 de junho de 1924. Confia ao Governo do Estado de S. Paulo a execução, no seu território, de medidas de defesa sanitária vegetal, constantes de leis e regulamentos federais. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil, Poder Executivo. Rio de Janeiro, 24 jun. 1924. Seção 1, p. 14.898.
______. Decreto n. 22.380, de 20 de janeiro de 1933. Dá organização às Diretorias Gerais do Ministério da Agricultura. Coleção de leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 132, 1934a.
______. Decreto n. 22.416, de 30 de janeiro de 1933. Dá organização às Diretorias Técnicas de que se compõem as Diretorias Gerais do Ministério da Agricultura. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 192, 1934b.
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MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.
RANGEL, Márcio Ferreira. O cientista, o museu e a lagarta: Costa Lima e o serviço de combate à lagarta rósea do Museu Nacional. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 69-80, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2TnIcir. Acesso em: 12 jun. 2020.
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SERVIÇO de Algodão. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2019. Disponível em: https://bit.ly/2B1XwNX. Acesso em: 12 jun. 2020.
SILVA, André Felipe Cândido da. A campanha contra a broca-do-café em São Paulo (1924-1927). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 957-93, out./dez. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3dRgPrE. Acesso em: 12 jun. 2020.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_DS Academia Brasileira de Letras
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0448_d0054de0058