As escolas médias ou teórico-práticas, previstas no decreto n. 8.319, de 20 de outubro de 1910, tinham por finalidade ministrar conhecimentos sobre agricultura, realizar investigações científicas e desenvolver trabalhos práticos, colaborando com o desenvolvimento econômico das regiões onde fossem instituídas. De acordo com o mesmo ato, poderiam ser mantidas pelo governo federal e contar com o auxílio de governos locais, de associações agrícolas ou de particulares (Brasil, 1915a, p. 1.046-1.122).
Essas escolas foram concebidas no interior do projeto de organização do ensino agronômico ou agrícola, que se constituiu como umas das áreas de destaque do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio após sua instalação, em 1909. A necessidade de aprimoramento da mão de obra figurou nos debates que levaram à criação da pasta e esteve inserida entre as propostas de modernização e diversificação da agricultura brasileira apresentadas por grupos agrários afastados do centro do poder dominado pelos produtores de café paulistas (Mendonça, 1997, p. 89; 115).
Além das escolas médias ou teórico-práticas, o decreto n. 8.319 estabeleceu cursos ambulantes, aprendizados agrícolas, escolas especiais de agricultura e a Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, bem como órgãos de apoio destinados à pesquisa e divulgação de conhecimentos práticos, caso dos campos de demonstração e das estações experimentais, o que revelava a amplitude do projeto federal de ensino agrícola planejado naquele momento, inspirado em experiências estrangeiras e em algumas iniciativas estaduais.
A primeira escola média ou teórico-prática federal foi criada pelo decreto n. 8.367, de 10 de novembro de 1910, com a denominação de escola de agricultura, anexa ao Posto Zootécnico Federal, na fazenda de Pinheiro, no município de Piraí, que deu origem à atual cidade de Pinheiral, no estado do Rio de Janeiro. Seguindo a organização disposta pelo decreto n. 8.319, o curso para a formação de agrônomo teria duração de três anos e compreenderia oito cadeiras, a primeira abrangendo álgebra, geometria, trigonometria, noções de mecânica geral, mecânica agrícola, construções rurais e hidráulica agrícola; a segunda, física agrícola, química geral inorgânica e noções de mineralogia e geologia agrícolas; a terceira, botânica e zoologia agrícolas, e estudo das principais moléstias das plantas úteis; a quarta, noções de química orgânica, química agrícola e bromatológica, tecnologia industrial agrícola e fermentações industriais; a quinta, agricultura geral e especial, silvicultura, economia rural, legislação agrária e florestal, e contabilidade agrícola; a sexta, higiene e alimentação dos animais domésticos e zootecnia geral e especial; a sétima, anatomia e fisiologia dos animais e medicina veterinária; e a oitava, indústria de laticínios. Além dessas cadeiras, haveria uma aula de topografia e desenho e outra de horticultura, arboricultura, fruticultura, viticultura, apicultura e sericicultura. Para a realização de pesquisas e atividades práticas, o curso teria uma estrutura formada por laboratórios, gabinetes, galeria de máquinas, farmácia e hospital veterinários, fazenda experimental, museu agrícola e de história natural, biblioteca e oficinas para o trabalho do ferro e da madeira (Brasil, 1915b, p. 1.400-1.416).
De acordo com o decreto n. 8.367, a escola teria um diretor, cuja formação deveria ser de engenheiro agrônomo ou agrônomo, e para os trabalhos administrativos contaria com um secretário-bibliotecário, um escriturário, um porteiro e um contínuo, que seriam os mesmos do Posto Zootécnico, um ecônomo, mestres de oficinas, operários, um médico, um farmacêutico e o número de conservadores, bedéis, serventes e trabalhadores rurais que fossem necessários aos serviços.
O provimento dos cargos de lentes e professores seria feito por meio de concursos. Na ausência de especialistas brasileiros, poderiam ser contratados técnicos estrangeiros de reconhecida capacidade teórica e prática. Para a matrícula na escola, seriam exigidos a idade mínima de 17 e máxima de 21 anos; atestado de vacinação e revacinação; certificado de gozo de boas condições de saúde; exame de admissão ou certificado do terceiro ano do curso ginasial, com aditamento do exame de história do Brasil; indicação de títulos ou diplomas; e identidade pessoal. A escola funcionaria em regime de internato, admitindo, também, alunos externos. Teria, no máximo, cinquenta vagas e, ultrapassado o número de interessados, atenderia, de forma preferencial, os filhos de agricultores, criadores ou profissionais da indústria rural; aqueles que obtivessem as notas mais altas no exame de admissão ou os melhores certificados do curso ginasial; e aqueles que tivessem “melhor compleição física” e revelassem “maior aptidão para a vida agrícola” (Brasil, 1915b, p. 1.400-1.416). O curso seria pago, havendo possibilidade de isenção para os alunos que não dispusessem de recursos, entre outros casos.
O ensino ministrado teria caráter teórico e prático, complementado por excursões e estágio final facultativo, que deveria ser feito na escola ou nos estabelecimentos indicados pela congregação. O decreto ainda previu prêmios para os alunos que se destacassem, como a concessão de viagens de aperfeiçoamento para fora do país e a indicação, sem concurso, para ocupar qualquer cadeira de uma escola média ou teórico-prática.
No ano seguinte, o decreto n. 8.584, de 1º de março, criou uma escola média ou teórico-prática, subordinada diretamente ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, no estado da Bahia. Essa escola funcionaria nas instalações do Instituto Agrícola de São Bento das Lages – no município de Vila de São Francisco, atual São Francisco do Conde, na região do Recôncavo Baiano –, que fora destinado pelo governo federal pelo decreto n. 8.561, de 15 de fevereiro de 1911, para este fim. As origens desse estabelecimento de ensino remontam à segunda metade do século XIX, mais especificamente ao contexto da política de incentivo à produção agrícola e de substituição da mão de obra escrava, que favoreceu a fundação de institutos agrícolas em diversas províncias, encarregados de promover estudos e experimentações, divulgar conhecimentos e técnicas modernas, e estudar as causas de decadência da agricultura (Gabler, 2012, p. 20; Imperial..., s.d.). Em 1859, foi criado, com apoio do governo imperial, o Instituto Baiano de Agricultura, responsável pela Imperial Escola Agrícola da Bahia, que teve seus estatutos aprovados pelo decreto n. 5.957, de 23 de junho de 1875. A escola tinha o objetivo de formar mão de obra especializada, disseminando uma tecnologia mais desenvolvida, que pudesse contribuir para a recuperação da economia açucareira. Foi a primeira instituição de nível superior a formar agrônomos no país, mantendo, também, um curso elementar para a formação de operários agrícolas. Após a Proclamação da República, a escola passou por dificuldades administrativas e financeiras, que levaram ao seu esvaziamento e fechamento em 1904 (Tourinho, 1982, p. 128-129; p. 135; Imperial..., s.d.). Nesse ano, no bojo do projeto de organização do ensino profissional agrícola na Bahia, suas instalações foram assumidas pelo estado, que a transformou em instituto agrícola. Destituída da prerrogativa de formação de profissionais de nível superior, a nova escola tinha como finalidades a formação de agricultores e trabalhadores rurais e o desenvolvimento de estudos, investigações experimentais e divulgação de conhecimentos agronômicos e veterinários (Araújo, 2006, p. 103). Em 1910, foram iniciados acordos para a transferência do instituto para a esfera federal e a sua transformação em escola média ou teórico-prática, que previram a incorporação do corpo docente e do pessoal administrativo, bem como dos alunos, que poderiam se matricular no primeiro ano da escola média ou teórico-prática após apresentação de certificado de aprovação nas matérias necessárias ou no exame de admissão (Araújo, 2006, p. 119-120).
O decreto n. 8.584, de 1º de março de 1911, reforçou o caráter regional da escola, que deveria atender, em seus programas, as culturas e os ramos da indústria rural mais comuns no estado da Bahia e no norte do país, com destaque para a produção açucareira. Sua estrutura e currículo eram semelhantes àqueles aprovados para a escola do Posto Zootécnico, no entanto, vale assinalar a ausência da oitava cadeira, relativa à indústria de laticínios (Brasil, 1915c, p. 212-238). Na escola da Bahia haveria, ainda, cursos resumidos destinados aos agricultores, criadores ou industriais, e um aprendizado agrícola, que foi criado e regulamentado pelo decreto n. 8.607, de 8 de março de 1911.
Segundo os relatórios ministeriais, a escola média ou teórico-prática na Bahia começou a funcionar em 1911 e a do Posto Zootécnico foi inaugurada em 1912 (Brasil, 1912, p. 14). Além das duas instituições, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio subvencionava a escola média ou teórico-prática da Escola de Engenharia de Porto Alegre, que precisou se adequar às diretrizes federais do ensino agronômico, conforme determinação do decreto n. 8.516, de 11 de janeiro de 1911.
Apesar dos resultados animadores observados nos primeiros anos, a escola da Bahia logo enfrentou problemas em seu funcionamento, advindos da falta de recursos orçamentários e de estrutura, aos quais se somaram conflitos internos, relacionados à “indisciplina e desordem”, que levaram à suspensão de seus trabalhos pelo decreto n. 10.855, de 15 de abril de 1914 (Brasil, 1913, p. 10; 1914, p. 7). De acordo com esse ato, o pessoal docente ficaria em disponibilidade, e os alunos seriam admitidos na escola do Posto Zootécnico Federal.
Em 1916, foi a vez da escola do Posto Zootécnico tornar-se objeto de críticas do então ministro José Rufino Bezerra Cavalcanti, que condenou o caráter pouco prático do ensino ministrado em suas dependências e a própria organização das disciplinas e do seu currículo (Brasil, 1916). Tais questões serviram como justificativa para sua incorporação, junto com a escola da Bahia, à Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, pelo decreto n. 12.012, de 29 de março, que resultou na extinção desses órgãos.
Angélica Ricci Camargo
Jun. 2020
Fontes e bibliografia
ARAÚJO, Nilton de Almeida. A Escola Agrícola de São Bento das Lages e a institucionalização da agronomia no Brasil (1877-1930). Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) – Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana, Salvador/Feira de Santana, BA, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3eGOcNR. Acesso em: 2 jun. 2020.
BRASIL. Decreto n. 8.319, de 20 de outubro de 1910. Cria o ensino agronômico e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, parte 2, p. 1.046-1.122, 1915a.
______. Decreto n. 8.367, de 10 de novembro de 1910. Estabelece no Posto Zootécnico Federal, em Pinheiro, uma escola de agricultura e lhe dá regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, parte 2, p. 1.400-1.416, 1915b.
______. Decreto n. 8.584, de 1º de março de 1911. Cria uma escola teórico-prática de agricultura no estado da Bahia e aprova seu regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 212-238, 1915c.
______. Decreto n. 8.607, de 8 de março de 1911. Cria um aprendizado agrícola anexo à escola média ou teórico-prática de agricultura do estado da Bahia e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 285-301, 1915d.
______. Decreto n. 10.855, de 15 de abril de 1914. Suspende, até ulterior deliberação do governo, os cursos e mais trabalhos da Escola Agrícola da Bahia. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 17 abr. 1914. Seção 1, p. 4.988.
______. Decreto n. 12.012, de 29 de março de 1916. Transfere as sedes da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária e da Escola Média ou Teórico-Prática da Bahia e reúne em um só os dois mencionados estabelecimentos de ensino e a Escola de Agricultura anexa ao Posto Zootécnico Federal de Pinheiro, com a denominação de Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 508-526, 1917.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1912. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: https://bit.ly/3dsNCD4. Acesso em: 2 jun. 2020.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1913. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. Disponível em: https://bit.ly/2zvQlNv. Acesso em: 2 jun. 2020.
______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira em 1914. Rio de Janeiro: Tipografia do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1914. Disponível em: https://bit.ly/2WdX9YF. Acesso em: 2 jun. 2020.
______. [Exposição de motivos do decreto n. 12.012, de 29 de março de 1916]. Disponível em: https://bit.ly/3ds9kHp. Acesso em: 2 jun. 2020.
GABLER, Louise. A Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas e a modernização do Império (1860-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. Disponível em: https://bit.ly/2ZyjwKu. Acesso em: 26 maio 2020.
IMPERIAL Escola Agrícola da Bahia. In: DICIONÁRIO Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://bit.ly/36TegTb.
MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.
TOURINHO, Maria Antonieta de Campos. O Imperial Instituto Bahiano de Agricultura: a instrução agrícola e a crise da economia açucareira na segunda metade do século XIX. Dissertação (Mestrado em Ciência Sociais) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, 1982. Disponível em: https://bit.ly/2BqFcy8. Acesso em: 2 jun. 2020.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
Referência da imagem
Arquivo Nacional, Fundo Academia Brasileira de Letras, BR_RJANRIO_DS_0_MAP.3