A Universidade do Rio de Janeiro foi criada pelo decreto n. 14.343, de 7 de setembro de 1920, a partir da reunião da Universidade do Rio de Janeiro, da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, tendo por objetivo “estimular a cultura das ciências, estreitar entre os professores os laços de solidariedade intelectual e moral e aperfeiçoar os métodos de ensino” (Brasil, 1920).
O projeto de instituição de uma universidade no Brasil remonta ao período colonial, ainda que não tenha sido autorizado pela metrópole portuguesa, em decorrência do seu papel de colônia, o que obrigava os membros da elite local a realizarem estudos na Europa, notadamente na Universidade de Coimbra, em Portugal. A partir de 1808, com a transferência da família real para o Rio de Janeiro, houve a instalação de uma ampla e complexa estrutura administrativa para adequar o Brasil às novas exigências políticas e econômicas, fruto da transformação da então colônia em sede da monarquia portuguesa. Foram criadas inúmeras instituições científicas e de ensino, como as escolas de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia (1808), a Real Academia dos Guardas-Marinhas (1808), a Academia Real Militar (1810), o Curso de Agricultura da Bahia (1812) e a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816). Nesse período, o ensino superior no Brasil não seria organizado sob a forma universitária e não esteve imbuído dos valores da alta cultura e da produção de conhecimento científico, mas voltado para a formação de profissionais, numa perspectiva prática e imediatista (Teixeira, 1989).
Foi após a independência brasileira que a questão da formação de quadros assumiu novos contornos. O desafio de reorganização de estruturas burocráticas que respondessem pela expedição dos assuntos antes pertencentes à administração portuguesa colocava o ensino superior no centro desse debate (Cabral; Camargo, 2017, p. 10). No entanto, o modelo adotado ao longo do Império também não seria o da universidade – apesar dos inúmeros projetos apresentados e discutidos na Legislativo, inclusive o de José Bonifácio e o de Rui Barbosa, mas de escolas isoladas (Teixeira, 1989). O ensino superior manteria o perfil segmentado e utilitário, com a constituição de novas escolas superiores profissionais, como os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda (1828) ou a Escola de Minas de Ouro Preto (1876).
Após a República, a questão do ensino superior seria tratada na Constituição de 1891, que definiu a repartição de atribuições entre os entes federados, resultado do regime dual de competências imposto pelo federalismo. As ações da União e governos locais seriam cumulativas, cabendo à primeira o ensino superior, de forma não exclusiva, e o primário e secundário do Distrito Federal, em colaboração com o poder municipal. Aos estados competia tudo que não estivesse na alçada da União, ou seja, a organização do ensino primário e secundário, bem como o ensino superior, o que ocorreria às suas expensas.
Na verdade, a Constituição de 1891 mantivera a descentralização administrativa iniciada com o Ato Adicional de 1834, que atribuiu às assembleias estaduais autonomia de legislar sobre uma gama variada de assuntos, como a instrução pública e os estabelecimentos próprios, salvo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, as academias existentes e quaisquer estabelecimentos de instrução que, no futuro, fossem criados por lei geral (Brasil, 1834, art. 10, § 2º).
Foi nas décadas finais do século XIX que o debate acerca do papel da educação para o progresso e a modernização do país ganhou destaque entre autoridades, políticos e intelectuais, e temas como a ampliação da escolarização, laicidade, ensino obrigatório e gratuito apontavam para a necessidade de uma reforma do ensino. A transição do Império para a República, com o avanço do ideário positivista e do movimento republicano, colocou a educação como uma importante ferramenta para romper com o atraso do país. Associada ao progresso e civilização, a educação assumia nesse discurso um papel regenerador. Nesse sentido, entre 1879 e 1925, uma série de reformas educacionais foram aprovadas, e ficariam conhecidas pelo nome do titular do ministério a que estavam subordinados os assuntos relativos à educação.
Em 1879, foi aprovada a Reforma Leôncio de Carvalho, pelo decreto n. 7.247, de 19 de abril, em que o governo imperial reorganizou e tornou livres os ensinos primário e secundário no município da corte e o superior nas províncias, incentivando a criação de escolas particulares. No ensino superior, a reforma conferia liberdade de frequência aos alunos e autorizava o funcionamento das faculdades livres mantidas por associações de particulares, que ficavam sujeitas apenas à fiscalização das condições de moralidade e higiene. Nas duas primeiras décadas da República, foram realizadas outras reformas, que pretenderam estabelecer a organização e o funcionamento do ensino nos diferentes níveis, como forma de enfrentar as diferenças locais e oferecer uma orientação nacional à educação. Assim, tivemos as reformas Benjamin Constant (1890), Epitácio Pessoa (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano (1915) e João Luís Alves (1925).
No caso específico do ensino superior, três reformas tiveram especial relevância: Benjamin Constant, Rivadávia Correia e Carlos Maximiliano. A reforma empreendida por Benjamin Constant, ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos do governo Deodoro da Fonseca (1889-1891), estabeleceu a eliminação paulatina dos exames preparatórios, o que pretendia ampliar o acesso ao ensino superior, além de permitir a concessão de diplomas por escolas superiores particulares, equiparados aos expedidos pelas faculdades federais, permitindo o avanço daquelas instituições. Em 1911, a reforma implementada pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores Rivadávia Correia, no governo do presidente Hermes da Fonseca (1910-1914), instituiu o ensino livre, de acordo com o ideário liberal e positivista. Nesta reforma, o Estado abdicava da função de interferência no ensino público, equiparando as escolas de instrução fundamental e superior públicas às privadas, do ponto de vista didático e administrativo (Palma Filho, 2005). Essa reforma propiciou o avanço das escolas privadas, bem como o surgimento de universidades nos estados, como as de Manaus (1909), São Paulo (1911) e Paraná (1912) (Fávero, 2006, p. 21).
A reforma empreendida em 1915, pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores Carlos Maximiliano, no governo do presidente Venceslau Brás (1914-1918), reorganizou o ensino secundário e o superior, e retomou a ideia de universidade. Caracterizada pelo retorno da centralização do ensino, que havia sido eliminada na reforma educacional de 1911 (Bomeny, 1993), a reforma dispôs sobre a instituição de uma universidade, a partir da reunião das escolas politécnicas com a de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando ainda uma das faculdades livres de direito existentes no Rio de Janeiro, quando se julgasse oportuno (Brasil, 1815).
A reforma criou condições para fusão das duas faculdades livres que funcionavam na capital, a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (1882) e a Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro (1891), o que ocorreria em 24 de abril de 1920, com a denominação de Faculdade de Direito do Rio de Janeiro (Alves, 2021, p. 506). Mas seria somente em 1920 que se efetivaria a criação da primeira universidade pública federal, sem que sua instituição tivesse sido “acompanhada de amplos debates e discussões” (Fávero, 2010, p. 32).
O decreto de criação da universidade dispunha que sua direção caberia ao presidente do Conselho Superior do Ensino, na qualidade de reitor, e ao Conselho Universitário, com as atribuições que previstas em seu regimento. O Conselho Universitário seria constituído pelo reitor, com voto de qualidade, pelos diretores da Escola Politécnica e das faculdades de Medicina e de Direito, e mais seis professores catedráticos, sendo dois de cada congregação, eleitos em votação secreta e por maioria absoluta de votos (Brasil, 1920, art. 2º, § 2º). Ficava assegurada a autonomia didática e administrativa da Escola Politécnica e das faculdades de Medicina e Direito do Rio de Janeiro, o que foi garantido pelo decreto n. 14.572, de 23 de dezembro de 1920, que aprovou seu regimento.
A criação da Universidade do Rio de Janeiro esteve integrada em um cenário no qual a saúde pública e a educação estiveram identificadas como graves problemas nacionais, que atrelavam o país a um cenário de atraso econômico, um obstáculo a um projeto de modernização defendido pelas elites políticas. As precárias condições sanitárias da população brasileira, abandonada pelo poder público, a presença das doenças endêmicas e o analfabetismo dariam origem a importantes movimentos, como a Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918), tendo à frente o sanitarista Belisário Pena, e a Liga Brasileira Contra o Analfabetismo (1915), sob a presidência de Antônio Ennes de Sousa, que expandiu sua atuação aos estados. A década de 1920 foi ainda um período marcado por discussões sobre novas metodologias de ensino, sendo a mais importante a que ficaria conhecida sob a denominação de Escola Nova, que agregaria nomes como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, levando também à criação da Associação Brasileira de Educação (1924) (Menezes, 2001; Bomeny, 1993).
No caso da Universidade do Rio de Janeiro, é importante assinalar dois aspectos de sua criação: manteve-se a tradição das escolas superiores profissionais e a ideia de universidade ainda não se consolidara, tendo sido assegurada em seu regimento a autonomia didática e administrativa das faculdades reunidas, sem proposição de maior integração entre os cursos. Tanto no decreto que a criou, como no regimento interno, a pesquisa científica não foi considerada uma atividade-fim na Universidade do Rio de Janeiro. Além disso, os cursos existentes eram fisicamente distantes e não se relacionavam academicamente.
Essa forma de organização gerou muitas críticas e um acalorado debate em torno do modelo universitário a ser adotado no Brasil, encabeçado, sobretudo, pela Associação Brasileira de Educação (ABE) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) (Fávero, 2006, p. 22-23; Paula, 2002). As discussões acerca do que deveria ser a universidade brasileira atravessaram os anos de 1920 divididas entre os que defendiam que a formação profissional era a função mais importante, modelo que vigorava na recém-criada universidade da capital; os que acreditavam que o desenvolvimento da pesquisa científica tinha o mesmo peso que a profissionalização; e os que acrescentavam a essa concepção a ideia de que a universidade deveria ser um foco de cultura e disseminação de saber (Fávero, 2006, p. 23).
O decreto n. 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, conhecido como Lei Rocha Vaz, implementou a última reforma no ensino secundário e superior na Primeira República, além de criar o Conselho Nacional do Ensino e o Departamento Nacional de Ensino. O decreto consolidou as medidas já estabelecidas pela reforma Carlos Maximiliano, especialmente no ensino secundário, e manteve a organização da Universidade do Rio de Janeiro.
A reforma alterou a estrutura da universidade, que passava a incorporar as faculdades de Farmácia e de Odontologia, então criadas (Brasil, 1926, art. 259, § 1). O ato previa ainda que poderiam ser estabelecidas, nos mesmos moldes da do Rio de Janeiro, universidades nos estados de Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo. A criação de universidades ficava condicionada a acordos com os governos estaduais, que deveriam concorrer com patrimônio em títulos da dívida pública para o custeio, dispensada a subvenção da União para as faculdades não oficiais. As universidades deveriam possuir um patrimônio em edifícios e instalações de, no mínimo, três mil contos de réis. Uma vez estabelecida a universidade, as faculdades equiparadas que viessem a integrá-las ficavam oficializadas (Brasil, 1926, art. 260).
Dilma Cabral
Louise Gabler
Fev. 2022
Fontes e bibliografia
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Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_OO Afonso Pena Júnior
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_95 Série Educação - Ensino Superior (IE3)
Referência da imagem
Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_1073_32