Presidente Hermes da Fonseca, s.d.
Presidente Hermes da Fonseca, s.d.

A Inspetoria de Fazenda foi criada pelo decreto n. 9.286, de 30 de dezembro de 1911, a partir de autorização conferida pela lei n. 2.356, de 31 de dezembro de 1910, que aprovou o orçamento geral da União para o exercício de 1911 e previu dar regulamento ao serviço de inspeção de Fazenda, bem como expedir instruções para fiscalização dos impostos de consumo e de transporte.

Com a Proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891, pela primeira vez foram discriminadas as rendas da União e dos estados e definidas suas respectivas fontes. Eram de competência exclusiva da União os impostos sobre a importação de procedência estrangeira; os direitos de entrada, saída e estada de navios; as taxas de selo, salvo a restrição ao que competia aos governos estaduais; as taxas dos Correios e telégrafos federais; além da instituição de bancos emissores e da criação e manutenção de alfândegas (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 7º). Aos estados competiam os impostos de exportação de mercadorias de sua própria produção, sobre imóveis rurais e urbanos, de transmissão de propriedade, e de indústrias e profissões (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 9º).

Apesar do disposto, restaram muitas dúvidas e conflitos entre a União e os governos estaduais, bem como entre os próprios estados, já que a Constituição também permitiu a esses a criação de impostos, desde que assegurados os limites constitucionais (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 11, § 1º, 12). Dessa forma, a discriminação das rendas federais e estaduais foi uma fonte de conflitos para a administração fazendária da União ao longo da Primeira República (Pereira; Pereira, 2001), o que foi somado ao processo de organização dos estados para assumir seus encargos administrativos e fiscais, após a aprovação, subordinada às dinâmicas locais, de suas constituições.

A reorganização da administração federal republicana foi iniciada pela aprovação da lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, que definiu a sua estrutura e as áreas de competência de cada ministério, a partir das atribuições conferidas pela Constituição, bem como pela contenção de gastos em virtude da crise financeira daquele momento. O Ministério da Fazenda foi o que recebeu maior atenção no ato, tendo sido determinada a extinção do Tribunal do Tesouro, quando fosse constituído o Tribunal de Contas, as tesourarias de Fazenda e as coletorias, extintas e transferidas suas competências às alfândegas, mesas de rendas ou repartições competentes nos estados (Brasil, 1892). Da mesma forma, novas estruturas administrativas seriam criadas ou restabelecidas para dar conta das questões fazendárias, especialmente a arrecadação dos tributos já existentes e os que foram estabelecidos, como as delegacias fiscais do Tesouro Nacional, criadas em 1892 em substituição às extintas tesourarias, e coletorias, que seriam restabelecidas em 1901 (Ezequiel, 2014, p. 98).

A organização da administração fazendária na primeira década republicana seria uma resposta aos desafios impostos pela crise financeira herdada do período imperial. No modelo agroexportador, as receitas do governo imperial dependiam em grande medida dos impostos decorrentes do comércio externo, principalmente sobre importações e exportações, bastante suscetível às crises internacionais. Além disso, outros fatores contribuíram para a retração econômica das décadas finais do século XIX, como o crescimento exponencial da dívida pública, especialmente após a Guerra do Paraguai (1864-1870); o processo de transição da mão de obra escravizada para a livre; e a diversificação da base socioeconômica, que impôs demandas de novos setores econômicos. Nesse quadro de desaceleração do crescimento, eram identificadas ainda as dificuldades decorrentes da fiscalização em um país de grande extensão territorial, a falta de uniformidade no sistema de lançamento e arrecadação, as dúvidas suscitadas pelo regulamento fiscal, a falta de informações sobre o número de estabelecimentos industriais e comerciais, e a falta de pessoal habilitado para exercer a fiscalização (Pereira; Pereira, 2001, p. 18).

A criação da Inspetoria de Fazenda fez parte desse movimento de organização das instituições fazendárias que seria conduzido pelo ministro da Fazenda Francisco Antônio de Sales, na presidência de Hermes da Fonseca, cujo objetivo era aumentar a arrecadação pública e corrigir irregularidades, como “os abusos, as fraudes, os pagamentos indevidos”, o que somente seria possível com uma “ordem de funcionários que exclusivamente se dedicassem a esse serviço” (Brasil, 1912, p. 66). O relatório ressaltava ainda que os inspetores, por estarem isentos das divergências locais entre repartições, comerciantes e contribuintes, estavam mais aptos a “prestar os necessários esclarecimentos para a solução das queixas e reclamações” (Brasil, 1912, p. 66).

Competia ao inspetor de Fazenda dar balanço nos cofres das repartições que inspecionassem, para verificar a conformidade de sua escrituração, a regularidade dos processos da contabilidade, a exatidão da arrecadação, o cumprimento das ordens e preceitos legais e o acompanhamento da cobrança da dívida ativa; conferir se a arrecadação é feita na conformidade da lei e com autorização, e imputadas as verbas orçamentárias que lhes são aplicáveis; e averiguar a observância na escrituração às regras de contabilidade pública (Brasil, 1915). Os inspetores de Fazenda tinham ainda a atribuição de receber as reclamações e denúncias dos comerciantes e contribuintes no serviço nas repartições sob sua inspeção, devendo ainda fiscalizar a competência, assiduidade e conduta de seus empregados (Brasil, 1915). Para sua execução, o serviço compreendia a inspeção ordinária e a extraordinária; a primeira seria exercida por dez inspetores de Fazenda e pelos agentes fiscais dos impostos de consumo, segundo o disposto nesse ato; a segunda por funcionários designados pelo ministro da Fazenda, de acordo com as instruções especiais que fossem dadas (Brasil, 1915, art. 1º).

Os inspetores de Fazenda atuavam nas delegacias fiscais, alfândegas, caixas econômicas e outras repartições da capital da República e nos estados; os agentes fiscais executavam suas atividades nas coletorias e mesas de rendas. No entanto, o ministro da Fazenda poderia estender a ação dos inspetores às mesas de rendas e coletorias se julgasse oportuno, caso em que os agentes fiscais ficavam sob sua inspeção. Cabia ao ministro designar os estados a cargo dos inspetores de Fazenda, os agentes fiscais, as coletorias e mesas de rendas situadas dentro das respectivas circunscrições (Brasil, 1915). Segundo o relatório ministerial, no ano de 1911 foram inspecionadas as delegacias fiscais de Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Piauí; as alfândegas em Alagoas (Maceió), Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná (Paranaguá), Pernambuco, Parnaíba, Natal, Livramento, Florianópolis, São Francisco, Santos e Aracaju (Brasil, 1912, p. 67).

 A lei n. 4.632, de 6 de janeiro de 1923, que fixou a despesa geral da União para o exercício de 1923, autorizou a reorganização de todos os serviços de fiscalização subordinados ao Ministério da Fazenda, sem aumento de despesa. Assim, pelo decreto n. 16.011, de 20 de abril de 1923, foi aprovado o regulamento para o serviço de inspeção de Fazenda, mantidas as atribuições de “verificar e corrigir irregularidades que possam existir na administração financeira da República, não só quanto aos fatos relativos à receita, à despesa, a depósitos, a movimentos de fundos e à escrituração, como também ao patrimônio nacional” (Brasil, 1923). A Inspetoria de Fazenda tinha por encargo não só a superintendência do serviço de inspeção em todo o território da República, como também na delegacia do Tesouro, em Londres, cujos funcionários estavam diretamente subordinados ao inspetor-geral. Além do inspetor-geral, a Inspetoria de Fazenda era composta por dois inspetores de Fazenda; pelas comissões permanentes de inspeção em toda a República, com sede no Tesouro Nacional e na Alfândega do Rio de Janeiro, bem como nas delegacias fiscais e alfândegas dos estados; e por um serviço de informações secretas. O decreto aprovou ainda as instruções relativas ao serviço de inspeção das repartições de Fazenda, executado por meio das comissões permanentes, que se manteve em vigor até o final do período.

 

Dilma Cabral
Set. 2022

 

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, decretada e promulgada pelo Congresso Nacional Constituinte, em 24 de fevereiro de 1891. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 1, 1891.

BRASIL. Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Reorganiza os serviços da administração federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 42-45, 1892.

BRASIL. Decreto n. 9.286, de 30 de dezembro de 1911. Cria a Inspetoria de Fazenda e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, [n.p.], 1915.

BRASIL. Decreto n. 16.011, de 20 de abril de 1923. Aprova o regulamento para o Serviço de Inspeção de Fazenda. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, v. 2, p. 216-227, 1923.

BRASIL. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo dr. Francisco Sales, no ano de 1912. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 1, 1912.

EZEQUIEL, Márcio. Receita Federal. História da Administração Tributária no Brasil. Brasília: Secretaria da Receita Federal, 2014.

PEREIRA, Lia Alt (coord.); PEREIRA, Lia Valls. O setor público brasileiro (1890-1945). Rio de Janeiro: Ipea, 2001. Disponível em: https://bit.ly/3dgjYq1. Acesso em: 15 set. 2022.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã, BR_RJANRIO_PH_0_FOT_21909_006