Docas da Alfândega do Rio de Janeiro, s.d.
Docas da Alfândega do Rio de Janeiro, s.d.

O Conselho de Fazenda foi criado pelo decreto n. 1.166, de 17 de dezembro de 1892, como órgão consultivo, cabendo-lhe assistir o ministro da Fazenda, em grau de recurso nas deliberações relativas aos assuntos fiscais (Brasil, 1893). Esse decreto regulamentou a execução da lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, que promoveu a primeira reestruturação da administração pública federal no período republicano.

Esse conselho criado em 1892 foi o segundo com esse nome, já que em 1808, por ocasião da transferência da família real para o Brasil, foi instalado o Conselho de Fazenda, responsável pelos assuntos da Fazenda antes pertencentes à alçada do Conselho Ultramarino, atuando como tribunal de última instância para o contencioso administrativo, competindo-lhe julgar as causas relativas à arrecadação de rendas e bens e direitos da Coroa. Em 1831, pela lei de 4 de outubro, que organizou o Tesouro Público Nacional e as tesourarias provinciais, o Conselho de Fazenda foi extinto, transferida a jurisdição contenciosa para os juízes territoriais, com recurso para a Relação do distrito, e coube ao Tesouro a jurisdição voluntária (Conselho, 2012).

A Proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891 promoveram uma série de mudanças na administração federal, de forma a adequar a distribuição de competências entre a União e os entes federados, com a transferência de serviços e a divisão das fontes dos recursos fiscais, em observância à forma federativa assumida pelo Estado brasileiro. Pela Carta, eram de competência exclusiva do governo federal os impostos sobre importação; os direitos de entrada, saída e estada de navios; as taxas de selo e dos Correios e telégrafos federais; além da instituição de bancos emissores e a criação e manutenção de alfândegas (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 7º).

O processo de organização dos estados para assumir seus encargos administrativos e fiscais, após a nova ordenação constitucional, se deu de forma lenta, subordinado às dinâmicas locais estaduais. Na questão referente às receitas, ainda que a Constituição tivesse discriminado suas fontes, também permitiu que os governos federal e estaduais criassem impostos, o que gerava dúvidas e conflitos. Além disso, havia incertezas quanto à interpretação de alguns impostos, como a classificação da venda de mercadorias entre estados. Assim, a discriminação das rendas da União e estados foi uma fonte de conflitos para a administração fazendária ao longo da Primeira República (Pereira; Pereira, 2001).

Para fazer frente a competências fiscais estabelecidas pela Constituição, o Ministério da Fazenda foi reestruturado em 1891, sendo extintas a Secretaria do Tesouro; o Tribunal do Tesouro Nacional, cujas atribuições administrativas ficariam a cargo do Ministério da Fazenda, entregues as contenciosas ao Tribunal de Contas, a ser criado; e as tesourarias de Fazenda e coletorias, com a transferência de suas competências às alfândegas, mesas de rendas ou repartições competentes nos estados (Brasil, 1892). Para a aplicação da lei n. 23, de 1891, na parte referente ao Ministério da Fazenda, foi aprovado, no ano seguinte, o decreto n. 1.166.

No caso do Conselho de Fazenda, o objetivo era que o órgão sucedesse ao Tribunal do Tesouro, exclusivamente nas atribuições consultivas ou administrativas conferidas ao ministro da Fazenda. Assim, coube ao conselho assistir o ministro unicamente nos recursos referentes às deliberações sobre as decisões dos inspetores das alfândegas que excedessem as respectivas alçadas; no lançamento, aplicação, execução, arrecadação e restituição de impostos e quaisquer rendas públicas, bem como quaisquer outras questões entre a administração e os contribuintes, a respeito das ditas imposições; e nas apreensões, multas ou quaisquer penas impostas, por infração de leis ou regulamentos fiscais, em virtude de atribuições legais conferidas a qualquer agente da administração de Fazenda (Brasil, 1893).

O conselho era composto pelos diretores das diretorias que compunham a estrutura central do Ministério da Fazenda – de Contabilidade, das Rendas Públicas, do Contencioso – e pelo presidente do Tribunal de Contas, reunindo-se por convocação do ministro da Fazenda. A maior parte dos processos apresentados ao Conselho de Fazenda originavam-se do expediente das repartições subordinadas à Diretoria das Rendas Públicas, responsável pela arrecadação e fiscalização dos serviços concernentes à arrecadação das rendas públicas, e muitos diziam respeito à classificação ou qualificação de mercadorias, conforme o disposto na Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas, aprovada pelo decreto n. 355-A, de 25 de abril de 1890.

Em função do decreto n. 2.807, de 31 de janeiro de 1898, que reorganizou as repartições de Fazenda, o conselho teve sua composição modificada, passando a ser integrado pelo ministro da Fazenda ou pelo membro mais antigo, na qualidade de presidente, pelos diretores da Diretoria do Expediente e Inspeção de Fazenda, da Diretoria de Contabilidade, da Diretoria das Rendas Públicas e da Diretoria do Contencioso. Ficavam ainda alteradas as atribuições do conselho, que deveria tratar em grau de recurso as decisões proferidas pelos chefes das repartições de Fazenda excedentes de suas alçadas em questões relativas à aplicação, arrecadação e restituição de impostos e quaisquer rendas públicas; e as apreensões, multas ou penas impostas por infração de leis ou regulamentos fiscais. O conselho ficaria ainda encarregado da “regulamentação de impostos e mais matérias concernentes ao serviço de Fazenda” (Brasil, 1900).

Em 1909, na gestão do ministro Leopoldo de Bulhões, na presidência de Nilo Peçanha (1909-1910), o Ministério da Fazenda passou por uma grande reforma administrativa, aprovada pela lei n. 2.083, de 30 de julho de 1909, e regulamentada pelo decreto n. 7.751, de 23 de dezembro do mesmo ano. Nessa reestruturação, ainda que não tenha tido uma extinção expressa, o Conselho de Fazenda desapareceu da estrutura do ministério e do relatório ministerial referente às atividades daquele ano. Assim, extinto, na prática, o Conselho de Fazenda, suas atribuições foram transferidas à Diretoria do Gabinete, responsável por meio da segunda seção da expedição e encaminhamento dos recursos de toda a espécie e procedência (Brasil, 1912, p. 33).

Em 1918, pela lei n. 3.454, de 6 de janeiro, que fixou a despesa geral da União para aquele ano, foi restabelecido o Conselho de Fazenda, que seria composto por todos os diretores do Tesouro Nacional e pelo procurador-geral da Fazenda Pública, sob a presidência do ministro da Fazenda ou, na sua ausência, do diretor-geral chefe do gabinete. Mantinha-se seu caráter apenas consultivo, cabendo a deliberação ao ministro da Fazenda ou ao diretor-geral, nos termos do art. 7º do decreto n. 2.083, de 30 de julho de 1909. O conselho deveria ser consultado obrigatoriamente nas questões, em grau de recurso, em consulta ou reclamações, relativas à aplicação, cobrança, fiscalização e restituição de impostos, direitos, taxas ou quaisquer rendas públicas; nos recursos e reclamações sobre multas ou penas impostas por infração ou em virtude de leis ou regulamentos fiscais; nos inquéritos e processos administrativos instaurados ou abertos para apurar responsabilidades ou falta de exação funcional de qualquer empregado do Ministério da Fazenda; e nos projetos de regulamentos e instruções relativos à receita e às despesas públicas que tenham de ser expedidos pelo Tesouro (Brasil, 1919a). O decreto n. 13.248, de 23 de outubro de 1918, que aprovou o regulamento de alteração da estrutura do Tesouro Nacional, definiu a organização e funcionamento do conselho, além da periodicidade de suas reuniões (Brasil, 1919b).

Em 1921, o Ministério da Fazenda passou por nova reorganização, aprovada pelo decreto n. 15.210, de 28 de dezembro, que conferiu um regulamento à administração fazendária da União. Por esse ato, o conselho mais uma vez não apareceu na nova estrutura do Ministério da Fazenda, devendo ser distribuídos para diferentes órgãos, conforme seu objeto, os recursos referentes ao contencioso tributário que lhe eram destinados . Os recursos referentes às multas por infração de regulamentos relativos às rendas internas, bem como aqueles relativos a questões suscitadas nas alfândegas, seriam enviados à Diretoria da Receita Pública. No caso dos concernentes à classificação ou valor de mercadorias, ficariam na alçada da Inspetoria da Alfândega do Rio de Janeiro, que, prestadas as informações necessárias, remeteria também para a Diretoria da Receita Pública (Brasil, 1922). Dessa forma, considera-se o decreto n. 15.210, de 1921, o ato legal de extinção do Conselho de Fazenda.

Dilma Cabral
Set. 2022

 

Bibliografia

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, decretada e promulgada pelo Congresso Nacional Constituinte, em 24 de fevereiro de 1891. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 1, 1891.

BRASIL. Lei n. 23, de 30 de outubro de 1891. Reorganiza os serviços da administração federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 42-45, 1892.

BRASIL. Decreto n. 1.166, de 17 de dezembro de 1892. Dá regulamento para execução da lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, na parte referente ao Ministério da Fazenda. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 1028-1074, 1893.

BRASIL. Decreto n. 2.807, de 31 de janeiro de 1898. Reorganiza as repartições de Fazenda. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 220-245, 1900.

BRASIL. Lei n. 2.083, de 30 de julho de 1909. Reforma o Tesouro Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 20-31, 1913.

BRASIL. Lei n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918. Fixa a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1918. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 5-117, 1919a.

BRASIL. Decreto n. 13.248, de 23 de outubro de 1918. Aprova o regulamento que altera a organização do Tesouro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, parte 2, p. 188-203, 1919b.

BRASIL. Decreto n. 15.210, de 28 de dezembro de 1921. Aprova o regulamento que altera a organização dos serviços da administração-geral da Fazenda Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 6, parte 2, p. 142-172, 1922.

BRASIL. Relatório apresentado do ano de 1894 ao vice-presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro da Fazenda dr. Felisberto Firmo de Oliveira Freire. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: https://bit.ly/3E90jCy. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL. Relatório do ano de 1903 apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Fazenda Leopoldo de Bulhões. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904. Disponível em: https://bit.ly/3S8hoRw. Acesso em: 15 set. 2022.

BRASIL. Relatório dos anos de 1910 e 1911 apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Fazenda Francisco Salles. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904, v. 1.

CONSELHO de Fazenda. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1889-1930). Disponível em: https://bit.ly/3QPR5Ph. Acesso em: 16 set. 2022.

EZEQUIEL, Márcio. Receita Federal. História da Administração Tributária no Brasil. Brasília: Secretaria da Receita Federal, 2014.

PEREIRA, Lia Alt (coord.), PEREIRA, Lia Valls. O setor público brasileiro (1890-1945). Rio de Janeiro: Ipea, 2001. Disponível em:  https://bit.ly/3RXDyY5. Acesso em: 15 set. 2022.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR RJANRIO B2_ Série Marinha - Ministro - Secretaria de Estado (X M)

 

Referência da imagem

 Arquivo Nacional, Fotografias Avulsas,  BR_RJANRIO_O2_0_FOT_444_d0003de0058