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Guia da administração brasileira:

império e governo provisório |

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Guia da administração brasileira:

império e governo provisório

do controle do Estado. A trajetória das secretarias foi marcada por sucessivas

reformas de suas estruturas e competências, onde se observa o progressivo

aumento de poder e de independência dos secretários de Estado na decisão

dos negócios sob sua jurisdição (

almeida

, 2008).

1

Assim, este novo paradigma

de ação político-administrativa, com funções e burocracia especializada, ainda

que tenha convivido longamente com modelos tradicionais, acabou por deter

uma “capacidade concorrencial” em função do esvaziamento “dos órgãos tradi-

cionais do sistema corporativo de governo” (

subtil

, 1992, p. 184).

A arquitetura política do Império português ganhou novos contornos com o

movimento liberal constitucionalista que deu origem à Revolução do Porto,

em 1820. Destituída a regência encarregada de exercer as funções de governo

na ausência de d. João VI, assumiu a Junta de Governo do Porto, tendo como

tarefa convocar as Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa para a

elaboração de uma constituição. A crise que teve início com o retorno da corte

e a proposição de uma recomposição das relações de poder entre Portugal e

Brasil, que deflagrou o processo de independência capitaneado pelo prínci-

pe regente d. Pedro, que ficara no Brasil, esteve na base dos atos aprovados

que alteraram a organização político-administrativa vigente.

2

Porém, o que

interessa-nos é perceber o quanto de inovação o liberalismo constitucionalis-

ta trouxe à estrutura do Estado português, antes mesmo da promulgação da

Constituição em 1822.

3

As Cortes Gerais, reunidas em 1821, aprovaram uma série de atos que causa-

riam um importante reordenamento político no Brasil, mas não houve qual-

quer alteração no modelo administrativo que vigorava desde 1808. Neste pri-

meiro momento, as mudanças disseram mais respeito à tentativa de retomada

da centralidade política de Lisboa no Império luso-brasileiro, com a criação

de juntas de governo nas províncias e do cargo de governador das armas −

subordinados diretamente a Portugal −, a extinção dos tribunais superiores

instalados em 1808 e a transformação das capitanias em províncias.

De fato, nem todas as determinações das Cortes Gerais atingiram o Brasil, mas

orientaram as modificações administrativas que se seguiram no tumultuado

período da regência de d. Pedro. Em 1820 funcionavam no Brasil três secre-

tarias de Estado, a do Reino, a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e da

Marinha e Domínios Ultramarinos, além do Erário Régio. Por determinação

das Cortes Gerais, em 1821 foi criado o lugar de ministro e secretário dos

Negócios da Fazenda no Brasil, que somente existia em Portugal, e alterada

a denominação de Erário Régio para Tesouro Público do Rio de Janeiro. No

caso das secretarias, ordenou-se que os assuntos pertencentes ao Reino fossem

divididos, tendo sido criada a pasta dos Negócios da Justiça, que foi instalada

apenas por decreto de 3 de julho de 1822.

A importância dessas alterações e o papel de centralidade política das secre-

tarias, que assumiam um número cada vez maior de atribuições e, ao mesmo

tempo, especializavam sua ação político-administrativa, foi expressa pelo de-

creto de 3 de julho de 1822, que, ao confirmar as disposições das Cortes Ge-

rais de criar uma pasta destinada aos negócios da Justiça, reafirma a intenção

original do legislador de facilitar o expediente “dos multiplicados negócios

que pesam sobre a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino” (

BRASIL

,

CLB

,

1887, p. 26-27). O que estava em questão era o necessário esvaziamento da

arquitetura institucional do Antigo Regime, que tivera início na administração

pombalina, mas necessitava ainda de profundas reformas para harmonizar-se

com os princípios definidos pelo constitucionalismo e a divisão de poderes do

Estado, o que significou de imediato a distinção das funções administrativas,

legislativas e judiciais.

Com a Independência, tornava-se imperioso organizar o aparato administrati-

vo e o ordenamento jurídico, requisitos essenciais à estabilização da ordem e à

recomposição das relações internas de poder. A promulgação da Constituição

em 1824 conferiu o formato do Estado e estabeleceu a separação de poderes

e uma nova forma de governo, definida pela “concepção do Poder Executivo

enquanto poder distinto, dirigido pelo rei e assessorado pelos secretários de

Estado” (

almeida

, 2008, p. 33).

O arranjo da estrutura institucional fez parte do processo de construção do

Estado brasileiro, sendo uma de suas dimensões mais dinâmicas. A outorga

da Constituição de 1824 estabeleceu o contorno político-jurídico do Estado,

permitindo que paulatinamente se edificasse um modelo de administração que

atendesse às imposições da agenda política do processo de independência. Foi

entre o modelo administrativo que vigorara no Antigo Regime e os princípios

norteadores do constitucionalismo monárquico que a estrutura político-admi-

nistrativa do Império brasileiro se organizou, e o esforço em compatibilizar o

peso do legado da administração portuguesa e o ideário liberal acabou por lhe

conferir um caráter singular.

A Constituição brasileira estabeleceu apenas os princípios básicos da organiza-

ção do Poder Executivo e que haveria diferentes secretarias de Estado, cabendo

à legislação ordinária determinar os negócios pertencentes a cada uma e o seu

número. Repetindo tendência que se verificara em 1808, somente o Tribunal

do Tesouro Público Nacional foi previsto na Constituição, mantido como um

órgão que desempenhava funções administrativas e judiciais, responsável pela

administração, arrecadação e contabilidade do Império, subordinando as tesou-

rarias provinciais e demais unidades arrecadadoras (

brasil

,

cf

, 1824, art. 170).

O exercício do Poder Executivo, como uma concessão do imperador, cabia aos

secretários de Estado, que detinham a prerrogativa de expedir decretos, ins-

truções e regulamentos “adequados à boa execução das leis” (

brasil

,

cf

, 1824,

art. 102, XII). Obedecendo à estrutura piramidal de administração, consa-

grada pelo sistema administrativo napoleônico e pela doutrina constitucional

francesa, os princípios gerais que regulavam a administração imperial brasilei-

ra eram a centralização e a subordinação da “autoridade dos administradores

locais à autoridade central que os nomeia e demite, e reserva para si a decisão

1.

Para discussão sobre

‘cameralismo’ e a ‘ciência de

polícia’, ver

hespanha

, 1994.

2.

Sobre as mudanças

administrativas no período

pré-independência, ver

cabral

;

camargo

, 2010.

3.

Para uma análise das

alterações da administração

portuguesa e a organização do

Poder Executivo pela Revolução

de 1820, ver

almeida

, 2008.