Guia da administração brasileira:
império e governo provisório |
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Guia da administração brasileira:
império e governo provisório
dos negócios mais importantes” (
rego
, 1857, p. 21). Deste modo, todos os
agentes diretos da administração geral, ministros e secretários, estavam sob
a autoridade do chefe de Estado, o imperador. Por sua vez, em uma perspec-
tiva hierárquica, se os ministros eram os agentes imediatos do poder central,
seriam seguidos pelo que Pereira Rego classificava de seus agentes locais, os
presidentes de província (1857, p. 32).
Além dos aspectos políticos, as atividades dos secretários de Estado expressa-
vam também uma autoridade administrativa que decorria da especialização das
funções sob sua jurisdição, consequência das atribuições conferidas à adminis-
tração pública no regime liberal. Uma das dimensões deste processo foi a atri-
buição de responsabilidade aos detentores dos cargos públicos no exercício de
suas atividades, o que se deu com a lei de 15 de outubro de 1827. Definida pela
Constituição a inviolabilidade da figura do imperador, que não estava sujeito
à qualquer responsabilidade (BRASIL, Cf, 1824, art. 99), fazia recair sobre os
ministérios a obrigação de responder pelas ações do governo.
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No entanto, é importante observar que na prática as secretarias de Estado
pouco mudaram nos primeiros anos após a Independência. Instaladas por oca-
sião da transferência da corte não tiveram um ato formal que regulamentasse
sua estrutura e atuação no Brasil, funcionando segundo o disposto nos alvarás
de 28 de julho de 1736 e 14 de outubro de 1788. No decorrer da adminis-
tração joanina aprovaram-se vários atos legais que normalizaram suas atri-
buições, estrutura e empregados. Na verdade, grande parte dessa legislação
resultou da tentativa de solucionar problemas, seja em virtude da sobreposi-
ção de competências com a estrutura administrativa já existente na colônia ou
da reorganização na composição desses órgãos por ocasião de sua instalação
no Brasil.
Também por ocasião da Independência, não houve qualquer legislação que re-
organizasse a administração imperial, em especial as secretarias de Estado. Na
verdade, ao longo da primeira metade do século XIX mantiveram-se os traços
gerais da estrutura burocrática que resultara da permanência da corte no Bra-
sil. As alterações que se processaram neste período foram bastante localizadas
e não obedeceram qualquer projeto de reordenar o modelo institucional e
administrativo. Ainda em 1821, durante a reunião das Cortes Gerais, os ‘negó-
cios ultramarinos’ passavam a ser expedidos por todas as secretarias de Estado,
e mudava a denominação da pasta para Secretaria de Estado dos Negócios da
Marinha. Já em 1822, os ‘assuntos estrangeiros’ saíram da área de atuação da
Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra e passaram para a Secretaria de
Estado dos Negócios do Reino, que recebeu a denominação de Reino e Estran-
geiros. Em 1823, a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros
foi desmembrada, passando a constituir duas pastas independentes, a do Impé-
rio e a dos Estrangeiros.
Podemos estabelecer, grosso modo, uma periodização das reformas da admi-
nistração imperial de 1822 a 1842, de 1842 a 1859, de 1859 a 1868 e 1868 a
1891, quando foi aprovada a Constituição republicana. Este primeiro período
pode ser caracterizado como aquele em que se identificam as deficiências no
edifício institucional do Império e a necessidade de sua reorganização, ainda
que não se tenha constatado medidas mais amplas de rearranjo da estrutu-
ra administrativa vigente. As mudanças ocorridas foram bastante localizadas,
obedecendo à dinâmica interna de cada área de governação, bem como ao peso
de cada uma dessas repartições na organização administrativa. Podemos iden-
tificar três tentativas de reordenar os trabalhos e reestruturar as secretarias no
período 1822-1840.
A primeira se deu por portaria de 15 de setembro de 1828, que distribuiu os
oficiais e trabalhos da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros por seis
divisões. Tal como nas outras secretarias, a organização das atividades admi-
nistrativas era de competência de um oficial-maior, que as encaminhava pelas
unidades responsáveis.
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Ainda durante este período inicial foram aprovados o
primeiro Regimento Consular, pelo decreto de 14 de abril de 1834; e pelo
decreto de 15 de maio deste mesmo ano o Regimento das Legações Brasileiras
de sua majestade o imperador do Brasil (
castro
, 1983, p. 49-53).
A segunda ocorreu na Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, pela de-
cisão n. 77, de 15 de março de 1830, que alterou sua organização interna.
Seus trabalhos passavam a ser distribuídos em cinco unidades administrativas
denominadas ‘classes’, divididos em grandes grupos temáticos que correspon-
diam, grosso modo, às suas principais competências: justiça civil, criminal e
negócios eclesiásticos. Encimava esta organização em ‘classes’ o oficial-maior,
a quem competia a direção e distribuição dos serviços internos, bem como a
comunicação com o secretário de Estado.
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A secretaria sofreria apenas mais
uma alteração neste período, de caráter bastante circunscrito, pela lei de 4 de
dezembro, que lhe incorporou uma nova atribuição, a administração do selo
do Império (grande e pequeno) nos documentos oficiais.
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No entanto, a área que recebeu maiores atenções do governo imperial foi a Fa-
zenda, que sofreu uma ampla reformulação aprovada pela lei de 4 de outubro
de 1831. Durante a permanência da corte portuguesa no Brasil, os negócios
da Fazenda foram geridos pelo Erário Régio, que desde sua instalação, em
1808, possuía uma organização altamente especializada, bastante distinta da
apresentada pelas secretarias de Estado, estruturando-se em unidades admi-
nistrativas, e não em cargos, o que era o mais comum. No Brasil não foi criada
uma repartição da Fazenda, a secretaria em Lisboa continuou a funcionar regu-
larmente até a revolução liberal de 1820 (
almeida
, 2008, p. 79). Somente em
1821 foi instituído o lugar de ministro e secretário dos Negócios da Fazenda,
papel que era exercido pelo secretário de Estado dos Negócios do Brasil, que
também era o presidente do Erário. Porém, a criação do cargo não significou o
imediato estabelecimento da secretaria, atuando o secretário “na condução da
política fazendária através do Tesouro Público, do qual era presidente, e suas
repartições” (
barcelos
, 2014, p. 31).
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4.
O tema da inviolabilidade
da figura do imperador foi
analisado por Duarte (2010)
e Slemian (2006).
5.
Sobre a Secretaria de Estado
dos Negócios Estrangeiros
durante o período imperial
brasileiro, ver
gabler
, 2013.
6.
Para uma análise da Secretaria
de Estado dos Negócios da
Justiça no império,
ver
sá
netto
, 2011.
7.
Este ato extinguiu a
Chancelaria-Mor do Império e
a Superintendência dos Novos
Direitos, definindo ainda que o
ministro e secretário de Estado
da Justiça seria o chanceler
do Império.
8.
Para uma análise detalhada
da reorganização dos órgãos
da administração fazendária no
período anterior à reforma de
1831, ver
barcelos
, 2014.