O Departamento Nacional do Ensino foi criado pelo decreto n. 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925, para tratar dos assuntos relacionados ao ensino e realizar o estudo e a aplicação dos meios favoráveis “à difusão e ao progresso das ciências, letras e artes no país” (Brasil, 1926a, p. 20). Sua instalação se deu em conjunto com a do Conselho Nacional do Ensino, no contexto da última reforma educacional conduzida pelo governo federal durante a Primeira República.
A área da educação recebeu destaque em diversos projetos republicanos, que conceberam a escola como lugar privilegiado para a promoção da civilização e progresso do país, e figurou entre as primeiras medidas tomadas pelo novo governo instaurado em 15 de novembro de 1889. O decreto n. 6, de 19 de novembro daquele ano, declarou a faculdade de voto a todos os cidadãos brasileiros que soubessem ler e escrever, mantendo a condição estabelecida em 1881, com a chamada ‘Lei Saraiva’, e associando a educação à ideia de cidadania política (Gomes, 2002, p. 391; Secretaria..., 2017).
Ainda nesse período inicial, o decreto n. 346, de 19 de abril de 1890, instituiu uma nova pasta, que reuniu as competências e órgãos ligados à educação, ciências, artes, letras e comunicações, a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. A Constituição, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, determinou o ensino leigo nos estabelecimentos públicos e conservou o sistema descentralizado, introduzido pelo ato adicional de 1834, ficando as assembleias estaduais com a prerrogativa de legislar sobre a instrução primária e secundária, e o Congresso Nacional, sobre o ensino secundário na capital federal e o ensino superior em todo o país.
A primeira grande reforma administrativa do período republicano, realizada pela lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, extinguiu a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e transferiu as atribuições relativas a educação, ciências, artes e letras para o Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Já aquelas referentes às comunicações foram delegadas para o Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Assim, o Ministério da Justiça e Negócios Interiores passou a compreender duas áreas de atuação que se constituíram como desafios para o projeto de construção da nação brasileira naquele momento: a educação e a saúde (Camargo, 2015, p. 21).
Essas áreas foram objeto de debates, que expressaram, em grande parte, a preocupação da elite política e intelectual com o que identificavam como atraso econômico e social do Brasil, visão marcada pelas teorias raciais europeias. Para contornar essa situação, era necessário preparar o indivíduo para atuar em uma sociedade mais complexa, ainda sob o impacto da recente abolição do trabalho escravo, que demandava a redução dos efeitos negativos do analfabetismo e da debilidade física (Bomeny, 1993, p. 24).
Assim, educação e saúde transformaram-se em bandeiras de diversas agremiações criadas, especialmente, na década de 1910, como a Liga de Defesa Nacional (1916) e a Liga Pró-Saneamento do Brasil (1918), que desempenharam um papel de relevo nessa conjuntura. Muitas das propostas presentes nesses debates elegeram o Estado como protagonista, defendendo a centralização desses serviços, que foi, em certa medida, adotada pelo governo federal, sobretudo na esfera da saúde (Bomeny, 1993, p. 26-28; Departamento..., 2018).
No caso da educação, várias ligas existentes atuaram na luta por um “projeto de alfabetização em massa da população e a disseminação da escola primária” (Bomeny, 2003, p. 30). Na década de 1920, as discussões se acentuaram, caminhando ao lado da expansão da publicação de obras e revistas especializadas, organização de inquéritos e congressos, e criação de uma entidade, a Associação Brasileira de Educação (ABE), que reuniu professores e intelectuais em torno do objetivo de “sensibilizar a nação para a questão educacional” (Vieira, 2017, p. 24; Nagle, 2006, p. 286). Muitos membros da ABE também integraram um movimento maior, que ficou conhecido como Escola Nova. Inspirados em experiências e modelos estrangeiros, os ‘escolanovistas’ defendiam, entre outros pontos, um único tipo de educação primária para todas as crianças, combatendo a separação entre “os que se encaminhavam para o trabalho” e os que “deveriam prolongar seus estudos” (Gomes, 2002, p. 411). Ainda na década de 1920, vários educadores adeptos dos preceitos da Escola Nova conduziram reformas educacionais em diferentes estados e cidades do país.
No plano federal, foram realizadas reformas de cunho organizacional, que se tornaram importantes para a institucionalização do campo da educação (Bomeny, 1993, p. 28). Tais medidas destinavam-se, especialmente, à educação secundária e superior, e dialogaram com as transformações e debates ocorridos no período. Essas reformas ficaram conhecidas, em sua quase totalidade, pelo nome dos ministros que ocuparam as pastas da Instrução Pública, Correios e Telégrafos e da Justiça e Negócios Interiores na época da sua aprovação: Reforma Benjamin Constant (decreto n. 981, de 1890), Reforma Epitácio Pessoa (decreto n. 3.890, de 1901), Reforma Rivadávia Correia (decreto n. 8.659, de 1911), Reforma Carlos Maximiliano (decreto n. 11.530, de 1915) e Reforma Rocha Vaz ou João Luís Alves (1925), empreendida pelo decreto n. 16.782-A, que resultou no estabelecimento do Departamento Nacional do Ensino.
Esta última reformulação deu continuidade às ações efetuadas pela Reforma Carlos Maximiliano, responsável por reiniciar o processo de expansão do controle e regulamentação do ensino pelo governo federal, desoficializado pela Reforma Rivadávia Correia, que possibilitou a abertura de escolas de todos os tipos, dotadas de autonomia didática e administrativa (Bomeny, 1993, p. 28; Nagle, 2006, p. 305). Nessa direção, o decreto n. 16.782-A preservou o mecanismo de equiparação dos estabelecimentos de ensino superior mantidos pelos estados ou por particulares para efeito da validade dos títulos ou diplomas, fixando as condições relacionadas à organização do patrimônio, corpo docente, didática e administrativa; dispôs sobre os procedimentos de fiscalização por parte do Ministério da Justiça e Negócios Interiores; entre outros pontos. Semelhantes disposições foram estendidas para os estabelecimentos de ensino secundário estaduais, orientadas de acordo com o Colégio Pedro II (Brasil, 1926a).
O ato também instituiu juntas examinadoras nos estabelecimentos particulares para admissão de alunos nos diferentes anos do ensino secundário, compostas por três membros nomeados pelo diretor do Departamento Nacional do Ensino; eliminou os exames preparatórios e parcelados, instituindo a obrigatoriedade do curso secundário com seis anos de duração e seriado; e criou a disciplina de educação moral e cívica, além de dispor sobre os currículos e organização das escolas de ensino superior e secundário federais (Bomeny, s. d., p. 8; Brasil, 1926a).
O decreto n. 16.782-A, diferente dos atos anteriores, com exceção daquele que ficou conhecido como Reforma Benjamin Constant, contemplou o ensino primário, ao estabelecer medidas do governo federal para sua promoção. Esta seria feita por meio de acordos, ficando o governo federal responsável pelo pagamento dos vencimentos dos professores até o máximo de 2:400$ anuais, e os estados, pelo fornecimento de locais para abrigar as escolas, do material escolar, e pela adoção do programa organizado pela União, dentre outros dispositivos. As escolas subvencionadas obedeceriam “às mais urgentes necessidades da população, tendo em vista a estatística dos menores em idade escolar (8 a 11 anos de idade)” (Brasil, 1926a, p. 27-28), e seriam de natureza rural, ficando sua fiscalização a cargo de um inspetor nomeado pelo ministro da Justiça e Negócios Interiores.
O Departamento Nacional do Ensino, criado pelo mesmo ato, ficaria sob o comando de um diretor-geral, que seria o presidente do Conselho Nacional do Ensino, podendo também exercer a função de reitor da Universidade do Rio de Janeiro. A estrutura do órgão seria dividida em duas seções: Expediente e Contabilidade e Ensino. A esta última cabia a fiscalização dos estabelecimentos de ensino particular e a organização da estatística do ensino, bem como o estudo de todos os assuntos relacionados aos estabelecimentos federais de ensino superior e secundário e aos que lhes fossem equiparados; às escolas de ensino científico, literário, artístico e profissional subordinadas ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, subvencionadas, mantidas ou fiscalizadas pela União; e aos institutos de ensino primário subvencionados (Brasil, 1926a).
Durante seus primeiros anos, o departamento atuou na elaboração de instruções para exames de curso seriado, preparatórios e de admissão nos institutos de educação secundária; publicou, no Diário Oficial, editais para concursos de professores em ginásios e faculdades, e circulares com esclarecimentos a respeito de exigências de documentos para ingresso em cursos superiores, por exemplo (Brasil, 1925, p. 13.134; 1926b, p. 14.746; 1929, p. 8.818-8.127).
O Departamento Nacional do Ensino foi considerado, por alguns autores, como um “precursor” do Ministério da Educação, por tratar-se de uma estrutura mais “ampla” e “técnica”, distinta das até então existentes em âmbito federal (Bomeny, 2003, p. 19). No entanto, vale assinalar que o órgão, nesse período inicial de sua trajetória, apresentou um perfil distinto do outro grande departamento estabelecido na estrutura do Ministério da Justiça e Negócios Interiores na década de 1920, o de Saúde Pública, igualmente referenciado como “precursor” da pasta da Saúde. A este último coube uma vasta gama de atribuições, refletidas na complexidade de sua composição, que contemplavam a execução de serviços sanitários em todo o país, pesquisas laboratoriais, fornecimento de soros, vacinas e medicamentos, fiscalização de produtos e serviços, enquanto o Departamento do Ensino ficou mais limitado à realização de estudos e inspeção de estabelecimentos de ensino oficiais, subvencionados e particulares, como pode ser observado na legislação e nas publicações pesquisadas no Diário Oficial (Departamento..., 2018).
O departamento passaria por grandes transformações após os acontecimentos que ficaram conhecidos como Revolução de 1930. O decreto n. 19.402, de 14 de novembro de 1930, instituiu o Ministério da Educação e Saúde Pública, para o qual o Departamento Nacional do Ensino foi transferido. No mesmo ano, o decreto n. 19.444, de 1º de dezembro, organizou a pasta, inserindo o departamento em sua estrutura central, e subordinou a ele os órgãos voltados para as áreas de educação e cultura, exceto aqueles ligados aos ministérios militares e ao ensino agronômico ou agrícola, que permaneceram na esfera do Ministério da Agricultura. Em 1932, o decreto n. 22.084, de 14 de novembro, alterou sua denominação para Diretoria-Geral de Educação.
Angélica Ricci Camargo
Louise Gabler
Mar. 2022
Fontes e bibliografia
BOMENY, Helena. Reformas educacionais, s.d. Disponível em: https://bit.ly/2Io9cuZ. Acesso em: jun. 2019.
______. Os intelectuais da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
______. Novos talentos, vícios antigos: os renovadores e a política educacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 11, p. 24-39, 1993.
BRASIL. Decreto n. 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925. Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e o superior. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 20-96, 1926a.
______. Decreto n. 19.444, de 1º de dezembro de 1930. Dispõe sobre os serviços que ficam a cargo do Ministério da Educação e Saúde Pública. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 53-55, 1931.
______. Circular n. 580 [do Departamento Nacional do Ensino]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 19 jun. 1925. Seção 1, p. 13.134.
______. [Concursos e editais]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 29 jul. 1926b. Seção 1, p. 14.746.
______. [Instruções para os exames do curso seriado e de preparatórios, bem como para os exames de admissão, nos institutos de instrução secundária, no ano letivo de 1929]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 7 abr. 1929. Seção 1, p. 8.818-8.127.
CAMARGO, Angélica Ricci. Ministério da Justiça e Negócios Interiores: um percurso republicano (1891-1934). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2015. Disponível em: https://bit.ly/2GmnSKo. Acesso em: jun. 2019.
DEPARTAMENTO Nacional de Saúde Pública. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2018. Disponível em: https://bit.ly/35kKpHb. Acesso em: 3 mar. 2022.
GOMES, Ângela de Castro. A escola republicana entre luzes e sombras. In: ______; PANDOLFI, Dulce; ALBERTI, Verena (coord.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Cpdoc, 2002, p. 384-437.
NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (org.). História geral da civilização brasileira. t. 3: O Brasil republicano. v. 9: Sociedade e instituições (1889-1930). 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 283-318.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930-1973. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1978.
SECRETARIA de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2017. Disponível em: https://bit.ly/3c5WkbL. Acesso em: 3 mar. 2022.
VIEIRA, Carlos Eduardo. Conferências Nacionais de Educação: intelectuais, Estado e discurso educacional (1927-1967). Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 65, p. 19-34, jul./set. 2017. Disponível em: https://bit.ly/3pVHUCj. Acesso em: 3 mar. 2022.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
Referência da Imagem
BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Estatística da instrução, Statistique de l’instruction. Rio de Janeiro: Tipografia de Estatística, 1916. Arquivo Nacional, ACG10894