Passaporte de Skoich Okuyama, 1921
Passaporte de Skoich Okuyama, 1921

A Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento foi criada pelo decreto n. 6.479, de 16 de maio de 1907, com a finalidade de encaminhar e inspecionar os trabalhos relativos à imigração e à colonização, promovidos ou auxiliados pelo governo federal. Suas atribuições envolviam o estímulo à vinda de imigrantes e a superintendência dos serviços de recepção, desembarque, hospedagem e expedição desses estrangeiros; o registro das entradas; o estudo dos assuntos relacionados ao povoamento do solo nacional; o incentivo à fundação de núcleos coloniais; a organização de estatísticas; a coleta de informações para divulgação no exterior; e a fiscalização do cumprimento das prescrições de leis, decretos, regulamentos, instruções e contratos a respeito dos assuntos pertencentes a sua esfera de atuação (Brasil, 1941, p. 913).

As iniciativas governamentais de promoção da entrada de imigrantes voltadas para a colonização, especialmente de europeus, tiveram início no período joanino e se estenderam até 1830, quando a lei orçamentária aboliu as despesas com a colonização estrangeira. Apenas nos anos 1840, o processo imigratório foi retomado, e seria acentuado na década seguinte, no contexto dos debates sobre o fim do tráfico de africanos, que ocorreu em 1850 com a Lei Eusébio de Queirós, e sobre a regulamentação da propriedade da terra, que resultou na aprovação da Lei de Terras naquele mesmo ano (Seyferth, 2002, p. 4).

A Lei de Terras definiu que o acesso às terras devolutas fosse realizado por meio da compra em hasta pública, permitindo, entretanto, a revalidação das antigas sesmarias (Lei..., 2015). Dispôs também que os estrangeiros que comprassem terras ou viessem às suas próprias custas exercer qualquer indústria no país seriam naturalizados depois de dois anos de residência e autorizou a criação da Repartição-Geral das Terras Públicas. Estabelecido em 1854, este órgão era responsável pela medição, divisão, descrição, conservação, fiscalização da venda e distribuição das terras devolutas, e pela promoção da colonização nacional e estrangeira. Sua trajetória, no entanto, foi breve, pois foi extinto em 1868. Em 1876, instituiu-se um novo órgão para cuidar desses assuntos, a Inspetoria-Geral das Terras e Colonização.

No período republicano, foram preservadas as duas correntes de imigração existentes, uma ligada ao fornecimento de mão de obra para a grande lavoura de café, e a outra, ao estabelecimento de pequenas propriedades nas áreas escassamente povoadas (Petrone, 2006, p. 109). Nos debates da época, marcados pela recente supressão da escravidão em 1888, a imigração foi, por vezes, vista como um meio para a ‘civilização’ do país. Um dos pontos de destaque foi a necessidade de assimilação do elemento estrangeiro, associada à ideia da miscigenação racial, que contribuiria para o ‘branqueamento’ da população brasileira (Seyferth, 1996, p. 49; 56).

Logo após a Proclamação da República, uma série de atos regulamentou as questões relativas à imigração e à colonização. O decreto n. 528, de 28 de junho de 1890, regularizou o serviço de introdução e localização dos imigrantes, declarando a livre entrada de indivíduos aptos para o trabalho, que não se achassem sujeitos à ação criminal em seu país de origem, excetuados os “mendigos e indigentes” e pessoas provenientes da Ásia e África, que somente poderiam entrar com autorização do Congresso (Brasil, 1896, p. 1.425). Cerca de um mês depois, o decreto n. 603, de 26 de julho, regulamentou a Inspetoria-Geral das Terras e Colonização, ampliando sua estrutura.

A Constituição de 1891 passou o domínio das terras devolutas aos estados, cabendo à União apenas a porção do território destinada à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Em 1892, a lei n. 126-B, de 21 de novembro, autorizou a transferência do serviço de colonização para os estados. Quatro anos depois, a Inspetoria-Geral das Terras e Colonização foi extinta.

Com exceção de São Paulo, os estados tiveram dificuldades em dar prosseguimento à política imigratória em razão da falta de meios ou de infraestrutura adequada (Petrone, 2006, p. 109). Em 1907, o governo federal voltou a intervir nos serviços de imigração e colonização e criou a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento e a Diretoria do Serviço de Propaganda e Expansão Econômica do Brasil no Estrangeiro, ambas subordinadas ao Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas.

Naquele ano, o decreto n. 6.455, de 19 de abril, determinou que o povoamento do solo nacional fosse promovido pela União, mediante acordo com os governos estaduais, empresas de viação férrea ou fluvial, companhias ou associações e particulares. Deliberou também sobre a entrada de imigrantes estrangeiros, com exceção de portadores de doenças contagiosas, “criminosos, desordeiros, mendigos, vagabundos, dementes, ou inválidos” (Brasil, 1907, p. 757), e fixou a garantia de liberdade de trabalho, de crença e culto, e o gozo dos direitos civis. O decreto ainda dispôs sobre a fundação dos núcleos coloniais, os favores concedidos aos imigrantes, o acesso à terra, e regulou os serviços de recepção, hospedagem e transporte.

O decreto n. 6.479, de 16 de maio de 1907, que criou a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento, organizou sua estrutura em três divisões: a primeira, denominada administração central, a segunda, expediente e trabalhos técnicos, e a terceira, contabilidade e movimento imigratório. Também colocou sob sua dependência as hospedarias de imigrantes no porto do Rio de Janeiro e outros organismos correlatos custeados pela União. Além disso, previu a nomeação de inspetores do órgão nos estados e prepostos junto às hospedarias.

A retomada da condução da política imigratória pelo governo federal refletiu no aumento do número de imigrantes em 1908, que também foi resultado do êxito do programa de valorização do café (Petrone, 2006, p. 109).

Ao lado de ações de estímulo à imigração, nas primeiras décadas republicanas foi promulgada uma legislação regulamentando a expulsão dos elementos considerados ‘indesejáveis’. O primeiro foi o decreto n. 1.641, de 7 de janeiro de 1907, conhecido como Lei Adolfo Gordo, que vigorou até 1921, quando o decreto n. 4.247 regulou a entrada de estrangeiros no território nacional, acentuando a repressão sobre o trabalhador estrangeiro e, de forma estendida, ao movimento operário, responsável por inúmeras greves nesse período (Menezes, 2014, p. 654).

Em 1909, o decreto n. 7.501, de 12 de agosto, que estabeleceu as medidas provisórias para a instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, transferiu a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento para essa pasta, que passou a tratar, igualmente, dos chamados ‘trabalhadores nacionais’, grupo que abrangia ex-escravizados e seus descendentes, sertanejos, entre outros. O decreto n. 8.072, de 20 de junho de 1910, criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais, voltado para a incorporação dos trabalhadores nacionais no processo produtivo e para a diminuição dos desequilíbrios regionais no que se referia ao “atendimento das demandas por mão de obra emanadas de setores à margem da cafeicultura” (Mendonça, 1997, p. 170).

Em 1911, o decreto n. 9.081, de 3 de novembro, deu novo regulamento à Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento, alterando sua denominação para Diretoria do Serviço de Povoamento e ampliando as disposições presentes no ato de 1907, no que concerne aos benefícios, serviços de recebimento, hospedagem, sustento e expedição de imigrantes, e organização dos núcleos coloniais fundados pelo governo federal. De acordo com este ato, os núcleos passaram a permitir uma reserva maior de lotes para brasileiros, aumentando-a de 10 para 30% em relação ao regulamento de 1907. Os núcleos seriam administrados por um diretor subordinado ao órgão e contariam com escola de ensino primário agrícola, campo de demonstração, oficinas para o trabalho do ferro e madeira, inserindo-se, desse modo, no projeto de aperfeiçoamento da mão de obra rural e de diversificação e modernização da produção agrícola, que se constituiu como um dos principais eixos de atuação da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio (Mendonça, 1997, p. 137-138).

O decreto n. 9.081 expandiu a estrutura da Diretoria do Serviço de Povoamento, formada por inspetorias nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, colônias, núcleos coloniais, hospedarias de imigrantes, prepostos e outros serviços relativos à imigração e à colonização. Também instituiu, no Rio de Janeiro, a Intendência de Imigração, com o objetivo de realizar visitas regulares aos vapores procedentes de portos estrangeiros com passageiros destinados ao país; impedir, de acordo com as autoridades de polícia e saúde do porto, o desembarque de imigrantes proibidos de entrar no país conforme a legislação existente; efetuar o registro ou matrícula de imigrantes, entre outras competências (Brasil, 1915, p. 584-585).

Em 1918, a lei n. 3.454, de 6 de janeiro, transferiu as funções e estruturas ligadas à localização de trabalhadores nacionais do Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais para a Diretoria do Serviço de Povoamento. Assim, a diretoria ficou a cargo dos centros agrícolas, formados por trabalhadores brasileiros em moldes semelhantes aos núcleos coloniais, formados quase que exclusivamente por estrangeiros. Naquele ano, o órgão socorreu os moradores da região onde ocorreram os conflitos do Contestado e milhares de flagelados da seca do Ceará, que receberam abrigo na Hospedaria da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, sendo depois enviados para propriedades agrícolas de vários estados (Brasil, 1918, p. 264). Foram organizados, ainda, dez distritos regionais, que ficaram a cargo de delegados incumbidos de centralizar as ofertas e demandas de trabalho, facilitar a compra e venda de terras, entre outras atribuições (Brasil, 1918, p. 269).

O decreto n. 3.550, de 16 de outubro de 1918, autorizou o governo a reorganizar a Diretoria do Serviço de Povoamento, alterando sua denominação para Departamento Nacional do Trabalho, mas tais mudanças não se concretizaram, como indica legislação posterior.

No ano seguinte, o decreto n. 13.706, de 25 de julho, deu organização aos patronatos agrícolas, criados pelo decreto n. 12.893, de 28 de fevereiro de 1918, subordinando-os à Diretoria do Serviço de Povoamento. Os patronatos agrícolas eram destinados às ‘classes pobres’ e tinham por finalidade promover a educação moral, cívica, física e profissional de ‘menores desvalidos’, em uma tentativa de incorporá-los ao meio rural (Nagle, 2006, p. 300).

Em 1924, o decreto n. 16.761, de 31 de dezembro, regulamentou a proibição da entrada de imigrantes nos casos e condições previstas na lei n. 4.247, de 1921, e reorganizou os procedimentos de recepção, atribuindo a fiscalização dessas determinações à então denominada Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento em conjunto com o Departamento Nacional de Saúde Pública.

Em 1930, com a chegada de Getúlio Vargas à Presidência da República, ocorreu uma grande transformação na pasta da Agricultura com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, para o qual foi transferida a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento. No ano seguinte, o órgão foi extinto pelo decreto n. 19.667, de 4 de fevereiro, tendo suas funções absorvidas por diferentes seções do Departamento Nacional do Povoamento, que também incorporou o Serviço de Proteção aos Índios.

Angélica Ricci Camargo
Ago. 2019

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 528, de 28 de junho de 1890. Regulariza o serviço da introdução e localização de imigrantes na República dos Estados Unidos do Brasil. Decretos do governo provisório do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, fascículo 6, p. 1.424-1.433, 1896.

______. Decreto n. 7.637, de 19 de abril de 1907. Aprova as bases regulamentares para o Serviço de Povoamento do solo nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 757-778, 1907.

______. Decreto n. 6.479, de 16 de maio de 1907. Cria a Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 912-915, 1941.

______. Decreto n. 9.081, de 3 de novembro de 1911. Dá novo regulamento ao Serviço de Povoamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 558-616, 1915.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas Miguel Calmon du Pin em 1909, v. 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. Disponível em: https://bit.ly/2KOVbH5. Acesso em: 14 ago. 2019.

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INSPETORIA-GERAL das Terras e Colonização. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2016. Disponível em: https://bit.ly/2N6uIYG. Acesso em: 14 ago. 2019.

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MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.

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PETRONE, Maria Theresa. Imigração. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. t. 3: O Brasil republicano. v. 9: Sociedade e instituições (1889-1930). 8. ed. . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 104-146.

SEYFERTH, Giralda. Colonização, imigração e a questão racial no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 53, p. 117-149, mar./maio 2002.

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Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_OB Departamento Nacional do Povoamento

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO_OL Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Série Interior – Naturalização, IJJ6 355, PNE 10753