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garantido unilateralmente por uma esfera

de poder superior, sendo natural e desejável

a hierarquia social fundada na diferença

de estatuto entre os indivíduos (Mattos,

2004, p. 165). Assim, o ideal de construção

nacional veiculado pelos conservadores

tenderá a intensificar a clivagem social

brasileira, tornando mais nítida a sua

divisão em cidadãos ativos, passivos e

não cidadãos, os escravos, ao enrijecer os

critérios de admissão na primeira categoria

com sucessivas reformas, como aconteceu

com a Guarda Nacional e o Tribunal

do Júri. Por conseguinte, a crescente

hierarquização da sociedade imperial irá

restringir, também, as oportunidades de

acesso aos direitos civis, conferindo-se

maior relevância a critérios de distinção

baseados no nascimento, o que se refletiu,

por exemplo, no acirramento da discussão

acerca dos direitos dos libertos.

Nesse contexto centralizador, a lei n.

105, de 12 de maio de 1840, chamada Lei

Interpretativa do Ato Adicional, retirou

várias atribuições das províncias, como a

nomeação dos funcionários públicos. E,

no que se refere à Justiça, a lei n. 261, de

3 de dezembro de 1841, reformou o Código

do Processo Criminal, criando um sistema

policial sustentado nos delegados, submetidos

a um chefe de polícia ligado à Secretaria da

Justiça, aos quais cabiam as funções policiais

antes a cargo dos juízes de paz.

Como decorrência desse processo, a

Secretaria de Estado dos Negócios

da Justiça passou, em 1842, por uma

reorganização interna para adequar-se

à centralização do poder judiciário e

policial. Ao mesmo tempo, já na Regência,

os relatórios dos titulares da Justiça

expressavam a urgência de se elaborar o

primeiro Código Comercial para o Brasil,

aprovado finalmente em 25 de julho de

1850, tendo seu projeto tramitado no

Legislativo desde 1834. Sua promulgação

foi seguida pela aprovação de inúmeros

decretos sugeridos pelo ministro Eusébio de

Queirós para complementar o novo código,

ficando o expediente da pasta da Justiça,

nos meses subsequentes, marcado pelo

esforço de regular a sua aplicação.

No entanto, a medida mais importante

da gestão de Queirós foi a lei n. 584, de

4 de setembro de 1850, que, diante do

recrudescimento da repressão inglesa

ao comércio internacional de escravos,

transferiu para auditores da Marinha

os processos dos traficantes de escravos,

tornando a repressão ao comércio negreiro

muito mais eficaz. Fruto do empenho

pessoal do ministro, que atualizou um

projeto de 1837 e zelou por sua rápida

aprovação, a lei seria acompanhada de

diversas iniciativas da secretaria voltadas

para sua correta execução e de constante

empenho em sua aplicação, cobrando-

se dureza das autoridades policiais e dos

magistrados no julgamento dos indiciados.

Do ponto de vista dos direitos civis da

população negra, a lei assinalou, ao menos,

o fim da escravidão como meta a ser

atingida num futuro próximo, intenção

reiterada por várias outras leis que, até

1888, restringiram progressivamente o

direito à posse de escravos.

Entre as décadas de 1850 e 1870, o trabalho

da Secretaria de Justiça compreendeu

medidas de rotina voltadas para o

funcionamento da magistratura, com

destaque para a criação, em 1873, de sete

novos tribunais da Relação; ações para

combater a crise comercial decorrente da

Guerra do Paraguai, como a lei n. 1.237,

de 24 de setembro de 1864, que reformou

a legislação hipotecária; a repressão

da produção de moeda falsa; e relativa

preocupação com a segurança pública,

diante da diminuição do contingente

policial acarretada pelo recrutamento para

a guerra.

Em razão do decreto n. 2.747, de 16 de

fevereiro de 1861, instituindo a Secretaria

de Estado dos Negócios da Agricultura,

Comércio e Obras Públicas, a Justiça

perdeu inúmeras de suas atribuições,

tanto para a nova secretaria como para

a do Império. A esse esvaziamento da

Secretaria de Justiça em favor do Império e

da Agricultura, Comércio e Obras Públicas

podemos relacionar a priorização de um

projeto civilizador na agenda do Estado

imperial, em detrimento da necessidade de

manutenção da ordem num contexto de

maior estabilidade política e social (Mattos,

2004, p. 190).

Ensaios para um código de direito

civil no Brasil imperial

A partir da década de 1850, a inexistência

de um código civil brasileiro irá preocupar

a Secretaria de Justiça, pois, mesmo que a

Constituição de 1824 previsse a elaboração