

Cadernos Mapa n. 3 ▪ Entre caminhos e descaminhos
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envolvida, relacionando-a com a ampla tradição de reformas a que foi submetida em diferentes
governos e tomando como premissa a importância que tem o conhecimento sobre a trajetória
institucional (
path dependence
) das burocracias para o estudo dos Estados modernos. Para
tanto, levaremos em conta o fato de que a compreensão das reformas administrativas, tanto
organizacionais como gerenciais, perpassa, necessariamente, as relações que a administração
pública possui com a sociedade civil e com os diferentes governos, atuando dentro de
diferentes conjunturas legais e políticas (Costa, 2002, p. 12).
É importante reconhecer, no entanto, que esse campo de pesquisa é bastante amplo e
abarca uma série de questões que não nos propomos tratar aqui. Na verdade, estaremos
preocupados, essencialmente, com os aspectos institucionais desse processo, ou seja, com as
mudanças organizacionais que afetaram especificamente a estrutura do Poder Executivo no
período, acreditando com isso contribuir em dois sentidos: a) na busca por uma interpretação de
como estas alterações podem ter influenciado a condução das políticas públicas ou, ao contrário,
se apresentado como consequência delas
; e b) na identificação da administração pública como
um elemento complexo, que não deve ser visto isoladamente, e sim como parte da história e do
desenvolvimento do próprio Estado brasileiro e de suas relações com a sociedade.
Neste ponto, duas observações são importantes. A primeira é que, ao darmos
prioridade às alterações estruturais, estaremos deixando de lado a ambição de abordar outros
fatores relevantes, referentes principalmente à evolução dos procedimentos administrativos e
gerenciais, incluindo aí a própria política de recursos humanos ligada ao funcionalismo público.
A segunda observação refere-se ao fato de que, ao unirmos o estudo das estruturas
administrativas com a análise da evolução do Estado brasileiro, tentaremos mostrar como a
importância da burocracia não se limita às atuações de uma classe dentro do aparelho de
Estado, mas inclui toda uma dinâmica institucional.
Para melhor entender este ponto, podemos resgatar a conhecida análise de Max
Weber que identifica três formas de dominação legítima: a) a dominação carismática, baseada
na veneração do “poder heroico” ou do caráter exemplar de uma única pessoa; b) a dominação
tradicional, fundamentada na legitimidade daqueles que, devido à tradição, representam a
autoridade; c) a dominação racional/legal, ancorada na legitimidade “das ordens estatuídas e
do direito de mando daqueles que, em virtude destas ordens, estão nomeados para exercer a
dominação” (Weber, 2004, p. 141). Reconhecendo que as três formas podem atuar
simultaneamente e em diferentes graus de intensidade, tanto verticalmente, nos diferentes
níveis hierárquicos de determinada estrutura administrativa, quanto horizontalmente, ao longo
de uma trajetória histórica, não podemos deixar de identificar que, teoricamente, o modelo de
dominação racional está na base da organização dos Estados modernos.
Este diagnóstico nos oferece algumas chaves de interpretação. Ao afirmar que “o tipo
mais puro de dominação legal é aquele que se exerce por meio de um quadro administrativo
burocrático”, Max Weber ressalta a importância da burocracia no contexto social, explicitando,
como afirma Giglioli, que o “Estado moderno, independente do seu regime político, não pode
prescindir da Burocracia” (2000, p. 126; Weber, 2004, p. 144). O trabalho de Weber deu origem
a um modelo administrativo denominado
burocrático
ou
weberiano
que, ao enfatizar o aspecto
“legal-burocrático”, busca a profissionalização e a racionalização do aparelho estatal, opondo-
se assim às práticas patrimonialistas vigentes na administração no século XIX. Como veremos,