As aulas régias foram estabelecidas em Portugal e em suas colônias pelo alvará de 28 de junho de 1759, no âmbito das reformas políticas, administrativas, econômicas e culturais promovidas pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, durante o reinado de d. José I (1750-1777).
A criação das aulas régias marcou o surgimento do ensino público oficial e laico, visto que, até então, a educação formal em todos os seus níveis estava sob o controle da Igreja, que também detinha grande influência sobre outras áreas da cultura, como as artes e a impressão de livros. A posição-chave ocupada pelos jesuítas e a crescente influência destes nos assuntos seculares contrariavam os pressupostos das reformas empreendidas por Pombal, que possuíam um caráter marcadamente secularizador e regalista, inspirado pelo ideário ilustrado da época. O que estava em causa não era, portanto, a Igreja em seu sentido espiritual, mas seu papel no terreno cultural do contexto português da época (Falcon, 1989, p. 423-424; 432).
Outras questões concorreram para acentuar o problema da Coroa com os jesuítas, tais como a resistência do governo ao plano dos padres para libertação dos indígenas e os obstáculos colocados no processo de demarcação das fronteiras espanholas e portuguesas estabelecidas pelo Tratado de Madri em 1750 (Reis, 1976, p. 78-79). Além disso, desde a primeira metade do século XVIII havia, em Portugal, um interesse pelos problemas de ensino, que pode ser verificado em obras como o Verdadeiro método de estudar, de Luís Antônio Verney, que criticava o sistema utilizado pelos jesuítas e propunha uma grande reforma pedagógica, vista como elemento importante para reaproximar o país dos grandes centros culturais europeus (Cardoso, 1998, p. 74).
Esses fatores, somados à necessidade de produzir um novo corpo de funcionários ilustrados, contribuíram para que Pombal empreendesse uma reforma em todos os níveis da esfera educacional. A primeira iniciativa nesse sentido ocorreu em 3 de maio de 1757, quando a Coroa mandou estabelecer o Diretório dos Índios no Pará e Maranhão, substituindo a administração antes submetida às ordens religiosas e determinando a abertura de escolas públicas para meninos e meninas em todas as povoações. Mais tarde, o alvará de 28 de junho de 1759 ordenou a criação de aulas régias compreendendo os estudos menores, ou seja, o ensino de primeiras letras e humanidades, em substituição às classes e escolas dirigidas pelos jesuítas, extintas pelo mesmo ato.
O alvará trazia, em seu preâmbulo, duras críticas ao “fastidioso” e “pernicioso” método usado pelos jesuítas, assinalando, também, a decadência dos estudos, que seriam reformados em conformidade com o que se praticava nas “nações polidas da Europa” (Portugal, 1830b, p. 673-675). Para realizar essa nova organização do ensino, seria criado o cargo de diretor dos Estudos, competindo-lhe o cuidado no progresso da reforma e sua fiscalização, bem como a aprovação dos professores em concurso. O documento instituía, ainda, aulas de Gramática Latina, Grego e Retórica, e determinava instruções sobre as metodologias que deveriam ser utilizadas. Posteriormente, a partir da década de 1770, foram introduzidas outras aulas, como Filosofia Moral e Racional, Economia Política, Desenho e Figura, Língua Inglesa, Língua Francesa.
As transformações abrangeram não somente os estudos menores, mas incluindo os estudos maiores, concentrados na Universidade de Coimbra, que teve seus estatutos reformulados em 1772. Houve, ainda, o restabelecimento do Real Colégio dos Nobres em 1761, que preparava os filhos da nobreza e da alta burguesia para a universidade, e a criação de aulas de comércio destinadas à preparação para as práticas contábeis e mercantis (Falcon, 1982, p. 439).
No Brasil, ainda em 1759, a carta régia de 5 de novembro nomeou como comissário do diretor dos Estudos o chanceler da Relação da Bahia, desembargador Thomaz Robim de Barros, para execução de todas as instruções dispostas no alvará de 28 de junho. Eram também comissários o chanceler da Relação do Rio de Janeiro e os ouvidores-gerais (Silva, 1994, p. 260). No ano seguinte, foram realizados os primeiros concursos para professores públicos na colônia, em Recife e no Rio de Janeiro. Para serem aceitos, os candidatos não precisavam comprovar sua formação escolar, bastando obter um desempenho adequado nos exames e apresentar documentação atestando bons antecedentes. Contudo, até 1765 não houve nomeação de nenhum professor (Cardoso, 1998, p. 151-158).
Essa demora demonstrava a dificuldade na implementação das reformas em Portugal e em suas colônias, ocasionada por fatores como a reduzida verba disponível para empreendê-las, a falta de professores, os baixos salários desses funcionários e a escassez de livros destinados aos estudos (Cardoso, 1998, p. 161-163). Tudo isso contribuiu para a extinção do cargo de diretor dos Estudos, cujas competências foram transferidas, pelo alvará de 4 de junho de 1771, para a Real Mesa Censória, órgão instaurado em 1768 e responsável pela secularização do controle da circulação de livros. Outra medida que visou sanar esses problemas foi a instituição de um imposto que se destinava à instrução pública. Criado pela lei de 10 de novembro de 1772, o chamado subsídio literário incidia sobre o vinho, a aguardente, o vinagre e outros produtos comercializados no Reino e domínios.
O reinado de d. Maria I não promoveu grandes alterações na estrutura do sistema educacional. A Real Mesa Censória foi substituída pela Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame e Censura dos Livros em 1787, que, por sua vez, foi extinta em 1794. No Brasil, a partir de 1799, a inspeção sobre as escolas e o provimento dos professores tornou-se responsabilidade dos ouvidores-gerais e bispos.
Com a transferência da Corte em 1808, o príncipe regente d. João tomou várias medidas referentes ao âmbito educacional, iniciadas com a criação de cursos superiores de medicina, da Academia Real Militar, além de outras instituições, como o Museu Real e os laboratórios de Química e Químico-Prático. Verificou-se, também, o aumento do número de aulas régias em todas as capitanias. O decreto de 17 de janeiro de 1809 estabelecia que a confirmação do provimento dos professores escolhidos nas capitanias caberia à Mesa do Desembargo do Paço e previa a nomeação de um magistrado para a fiscalização dos procedimentos de ensino na Corte.
O Almanaque da cidade do Rio de Janeiro para o ano de 1811 informa que, em cada freguesia, havia aulas de primeiras letras e, na sede da Corte, aulas de lógica, grego, latim e português, retórica e francês. No almanaque de 1816, aparecem as aulas de gramática latina, filosofia, desenho e figura. Existiu, ainda, nesse período, uma cadeira de aritmética, álgebra e trigonometria (Almanaque..., 1969, p. 223-224; Almanaque..., 1965, p. 325; Silva, 1994, p. 84).
Em 21 de fevereiro de 1821, foi criado o cargo de Inspetor dos Estabelecimentos Literários e Científicos do Reino, que ficou responsável pela promoção da instrução pública no Brasil, devendo exercer as instruções reais e a direção dos estudos e escolas do Reino, do Museu Real e outros estabelecimentos científicos.
Com a Independência, em 1822, foram criadas novas escolas de primeiras letras, sendo a primeira instituída no Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro, voltada para os operários. No ano seguinte foi criada outra, destinada às corporações militares e aos súditos em geral.
A primeira Constituição da nação independente, outorgada em 1824, dispôs como garantia para todos os cidadãos brasileiros a instrução primária e gratuita, mas o estabelecimento efetivo de escolas públicas foi realizado muito lentamente. A decisão n. 49, de 1825, determinou que os presidentes das províncias enviassem informações sobre as aulas e escolas existentes, demonstrando o interesse do imperador, d. Pedro I, no melhoramento da situação. Nesse mesmo ano, a decisão n. 182 ordenou a instituição de escolas públicas de primeiras letras pelo método lancasteriano, ou do ensino mútuo, em todas as províncias. Este método orientava que um mestre deveria dirigir os alunos, que ensinariam uns aos outros, tornando o aprendizado mais rápido e mais barato, o que era oportuno devido à escassez de professores no Brasil nessa época (Cardoso, 1998, p. 244).
Em 1827, a lei de 15 de outubro ordenou a criação de escolas de primeiras letras de ensino mútuo em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império, tarefa que ficaria a cargo dos presidentes de províncias e do ministro do Império na província do Rio de Janeiro. De acordo com esse ato, nas escolas os professores ensinariam a ler e escrever, as quatro operações de aritmética, a prática de quebrados, decimais e proporções, as noções gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, além de princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana. A lei também previa a criação de escolas para meninas nas cidades e vilas mais populosas. Posteriormente, o decreto de 19 de novembro de 1829 mandou instituir uma comissão para organizar um projeto de regulamento para as escolas de primeiras letras, além de ordenar compêndios e materiais para o ensino.
Após a abdicação de d. Pedro I e o início do período do governo regencial, a lei n. 16, de 12 de agosto de 1834, usualmente chamada de Ato Adicional, reformou diversos aspectos da Constituição e conferiu às assembleias legislativas provinciais a atribuição de legislar sobre a educação primária e secundária, promovendo o início da descentralização no sistema educacional brasileiro.
Angélica Ricci Camargo
Maio 2013
Fontes e bibliografia
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ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1825. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 291, p. 177-284, 1971.
ALMANAQUES da cidade do Rio de Janeiro para os anos de 1792 e 1794. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Ministério da Educação, v. 59, p. 188-356, 1937. Publicado em 1940. Disponível em: https://bit.ly/2Om4pQ7. Acesso em: 2 jul. 2009.
CARDOSO, Tereza Maria Rolo Fachada Levy. As luzes da educação: fundamentos, raízes históricas e práticas das aulas régias no Rio de Janeiro: 1759- 1834. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
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FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982. (Ensaios, 83).
MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
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REIS, Arthur Cézar Ferreira. Os tratados de limites. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. t. 1: A época colonial. v. 1: Do descobrimento à expansão territorial. 5. ed. Rio de Janeiro; São Paulo: Difel, 1976. p. 364-379.
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Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_93 Série Educação - Ensino Primário (IE5)
Referência da imagem
Encyclopédie, ou, Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, par une société de gens de lettres. Paris: Briasson, 1751-1780. OR_1896_V4_PL01