O Museu Nacional foi criado com a denominação de Museu Real pelo decreto de 6 de junho de 1818, com a finalidade de realizar o estudo das ciências naturais, de forma a contribuir para o conhecimento das riquezas que poderiam ser empregadas em benefício do comércio, da indústria e das artes (Museu..., 2012).
Além do Museu Real, diversas instituições educacionais, culturais e científicas foram instaladas no contexto de montagem do aparato administrativo da nova sede do Reino português após a transferência da corte para o Brasil em 1808, como os cursos de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, a Academia Real Militar, a Biblioteca Real e o Jardim Botânico.
Inicialmente, o acervo do museu foi formado por uma coleção de objetos naturais, de arte e artefatos indígenas, itens doados pela nobreza e um Gabinete dos Instrumentos de Física e Matemática (Museu..., 2012). Durante o Império, foram obtidos novos materiais por meio de compras, doações, permutas com instituições estrangeiras e coletas realizadas nas viagens favorecidas pelo Estado (Museu..., 2015).
A primeira organização do órgão foi aprovada pelo regulamento n. 123, de 3 de fevereiro de 1842, que alterou sua denominação para Museu Nacional e dividiu sua estrutura em quatro seções: de Anatomia Comparada e Zoologia; de Botânica, Agricultura e Artes Mecânicas; de Mineralogia, Geologia e Ciência Físicas; e de Numismática, Artes Liberais, Arqueologia, Usos e Costumes das Nações Modernas. Em 1868, o museu passou da jurisdição da Secretaria de Estado dos Negócios do Império para a pasta da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, onde assumiu um papel de destaque na promoção do ensino e da pesquisa aplicada ao desenvolvimento agrícola e industrial (Museu..., 2015).
Nessa nova conjuntura, especialmente sob a direção de Ladislau de Sousa Melo Neto (1874-1893), foram empreendidas grandes transformações. O decreto n. 6.116, de 9 de fevereiro de 1876, reorganizou as seções e fundou uma revista, Arquivos do Museus Nacional, e cursos públicos para difusão científica. Em 1880, foi estabelecido um Laboratório de Fisiologia Experimental, encarregado de estudos práticos de fisiologia e bacteriologia, e de doenças de animais domésticos. Data também dessa época a realização de estudos etnográficos e antropológicos, que contribuíram para sustentar as teorias raciais presentes nos debates intelectuais (Schwarcz, 1993).
Após a Proclamação da República, o museu passou por diferentes pastas e transformações, consolidando sua posição como uma das mais importantes instituições científicas do país. O órgão foi transferido para a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criada pelo decreto n. 346, de 19 de abril de 1890, que congregou as instituições federais educacionais, culturais e científicas, ainda que seu regulamento aprovado pelo decreto n. 379-A, de 8 de maio de 1890, o vinculasse à antiga pasta, o que foi corrigido posteriormente pelo decreto n. 740, de 11 de setembro de 1890.
De acordo com o decreto n. 379-A, cabia ao museu o estudo da história natural, a organização da coleção de materiais, sua classificação “pelos métodos mais aceitos nos grêmios científicos modernos” e sua conservação acompanhada de indicações “explicativas ao alcance dos entendidos e do público” (Brasil, 1898a, p. 912). Não houve alteração de sua estrutura em relação à última reforma implementada no período imperial, aprovada pelo decreto n. 9.942 de 1888, permanecendo as seções de Zoologia, Anatomia e Embriologia Comparada, de Botânica, de Mineralogia, Geologia e Paleontologia e de Antropologia, Etnologia e Arqueologia. O ato manteve o Conselho Administrativo formado pelo diretor-geral e pelos diretores e subdiretores das seções, que ficou incumbido de organizar as instruções destinadas às comissões técnicas, civis e militares, às colônias e às administrações dos estados, a fim de se coletarem objetos de história natural para o museu, dentre outras atribuições.
Outras alterações em relação ao decreto de 1888 foram a diminuição do número de dias para visitas, que ficou limitado aos domingos, e o desligamento do Laboratório de Fisiologia Experimental, cuja administração já era independente, conforme determinado pelo decreto n. 10.418, de 30 de outubro de 1889.
Essa reorganização sofreu modificação no mesmo ano, com o decreto n. 810, de 4 de outubro, que dispôs sobre os cursos públicos a serem realizados pelo órgão. O ato também aprovou o regimento interno do Museu Nacional, que incluiu itens relativos à administração e dedicou capítulos específicos às viagens e excursões para aquisição de produtos naturais, artefatos indígenas e outros objetos ou para exame de algum fenômeno; à organização da biblioteca; às exposições públicas; e aos laboratórios pertencentes às seções (Brasil, 1891, p. 2.535).
Em 1891, a lei n. 23, de 30 de outubro, extinguiu a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, subordinando o museu ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. No ano seguinte, foi transferido para uma nova sede, o Palácio de São Cristóvão, antiga residência da família imperial, localizado na Quinta da Boa Vista. O edifício, que, segundo os relatórios ministeriais, encontrava-se bastante deteriorado, exigiu a realização de diversas obras nos anos seguintes (Brasil, 1897 p. 228; 1898b, p. 408).
Ainda em 1892, foi aprovado outro regulamento pelo decreto n. 1.179, de 26 de dezembro, que dispôs sobre o parque, o horto botânico e os jardins do museu, e ampliou os dias de visita para três por semana, dentre outras transformações (Brasil, 1893, 1.119-1.134).
Poucos anos depois, em 1899, o decreto n. 3.211, de 11 de fevereiro, conferiu novo regulamento ao Museu Nacional, modificando a nomenclatura de diretores de seção para professores, de Conselho Administrativo para Congregação, e da primeira seção, que passou a ser apenas de Zoologia (Brasil, 1902, p. 109-122).
O Museu Nacional foi transferido em 1909 para o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. A pasta, criada em 1906, foi objeto de demandas de setores agrários afastados do pacto político dominado pelos cafeicultores de São Paulo e apresentada como projeto na Câmara dos Deputados em 1902, motivado pelos debates capitaneados pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), que defendiam propostas de diversificação e modernização para a produção agrícola brasileira (Mendonça, 1997).
A partir desse momento, os estudos e pesquisas realizados pelo museu ganharam uma dimensão ainda mais aplicada, voltados para o combate dos males que atingiam a agricultura e a pecuária do país (Bhering; Maio, 2011, p. 78). Vale assinalar que esse perfil já se desenhava desde o início da gestão de João Batista de Lacerda (1895-1915), que defendia a ideia do museu como um espaço para a realização da pesquisa experimental, e não um “simples repositório de objetos interessantes e expostos às vistas do público” (Lacerda, 1905, p. 72).
O novo regulamento do museu foi aprovado pelo decreto n. 7.862, de 9 de fevereiro de 1910, que incluiu em sua estrutura os laboratórios de Química Vegetal, de Entomologia Agrícola e de Fitopatologia. O primeiro era dedicado a analisar produtos de origem vegetal; o segundo, os insetos nocivos à agricultura; e o último, as doenças das plantas, cabendo aos três atender às requisições do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio ou do Serviço de Inspeção, Estatística e Defesa Agrícolas (Brasil, 1915a, p. 142-147).
Este decreto manteve um laboratório de biologia anexo ao museu, montado a partir dos instrumentos e aparelhos do antigo Laboratório de Fisiologia Experimental, que foi extinto em 1894 (Brasil, 1895, p. 238). Previu-se, ainda, a organização de um museu escolar de história natural, “destinado ao ensino intuitivo, especialmente adaptado às crianças” (Brasil, 1915b, p. 147).
Um ano depois, o decreto n. 9.211, de 15 de dezembro, reorganizou o museu, excluindo ‘arqueologia’ da denominação da última seção, embora esta área permanecesse responsável pelas coleções arqueológicas existentes na instituição. O ato também criou um laboratório de química geral, encarregado de fazer estudos e pesquisas orientados para o desenvolvimento científico ou relacionados à agricultura e à indústria. Foi determinado, ainda, que o museu serviria de sede para alguns cursos de especialização da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária (Brasil, 1915, p. 21-32).
Em 1915, a lei n. 2.924, de 5 de janeiro, unificou os laboratórios de Química existentes no Museu Nacional. No ano seguinte, o decreto n. 11.885, de 12 de janeiro, transferiu o Laboratório de Fitopatologia para o Jardim Botânico. Tais mudanças foram regulamentadas pelo decreto n. 11.896, de 14 de janeiro de 1916. Este regulamento dedicou um capítulo específico para o ensino ministrado pelo museu, que seria desenvolvido a partir das coleções cientificamente organizadas, das conferências públicas e dos cursos de especialização e aperfeiçoamento, de caráter essencialmente prático, realizados nos laboratórios. Além disso, estabeleceu a abertura do museu para visitas todos os dias da semana, exceto nas segundas-feiras, quando as entradas ficavam condicionadas à autorização do diretor, e determinou que enquanto não houvesse, no Rio de Janeiro, um museu de história, o Museu Nacional teria uma seção com a finalidade de colecionar e organizar os mostruários dos objetos e documentos históricos referentes ao Brasil (Brasil, 1917, p. 60-69). Essa coleção serviria, posteriormente, para compor o acervo do Museu Histórico Nacional, instituído pelo decreto n. 15.596, de 2 de agosto de 1922.
As transformações administrativas determinadas pelos regulamentos acarretaram um aumento das atividades do museu, marcadas pela ênfase na “dimensão etnográfica e na busca por uma ciência prática herdeira da história natural” (Santos, 2019, p. 292). O Museu Nacional atendeu a diversas consultas solicitadas por órgãos, associações e particulares, de vários pontos do país, referentes a questões relativas ao cultivo de café, mate, plantas forrageiras e árvores frutíferas, e às moléstias e pragas que atacavam as lavouras, que foram objetos de estudos e pesquisas (Brasil, 1914, p. 37). Em 1918, foi criado, em sua esfera, o Serviço de Combate à Lagarta-Rósea, para organização de medidas de enfrentamento a uma praga que destruía os algodoeiros e causava muitos prejuízos aos produtores (Rangel, 2013).
A importância que tais trabalhos assumiram levou à fundação de órgãos especializados, como o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, instituído pelo decreto n. 14.356, de 15 de setembro de 1920, no contexto de reorientação das diretrizes da pasta da Agricultura, Indústria e Comércio, então preocupada com o aperfeiçoamento e controle dos produtos agrícolas, em especial das matérias-primas utilizadas pelas indústrias (Mendonça, 1997, p. 161). Para esse novo órgão, foram transferidos, do Museu Nacional, o Laboratório de Entomologia Agrícola, alguns aparelhos e os cientistas Carlos Moreira, chefe do mencionado laboratório, e Ângelo Moreira da Costa Lima, que havia dirigido o Serviço de Combate à Lagarta-Rósea.
Ao lado disso, esses anos registraram a expansão do acervo, sobretudo com a inclusão de objetos originados das expedições comandadas por Cândido Rondon, algumas delas contando com a participação de pesquisadores do museu (Sá; Sá; Lima, 2008). Houve, igualmente, o aumento do número de visitantes, que chegou a 181.556 em 1916 (Brasil, 1916, p. 25), e a realização de várias de excursões de pesquisa. Dentre estas, cabe destacar a viagem realizada ao estado do Mato Grosso, em 1912, para o estudo dos índios da Serra do Norte, localizados durante uma das expedições de Cândido Rondon, resultando na aquisição de mais de dois mil itens e na organização de 52 fichas antropométricas acompanhadas de individuais datiloscópicas e cem clichês cinematográficos de “grande valor antropológico e etnográfico” (Brasil, 1913, p. 78).
Nos últimos anos da década de 1920, sob a direção de Edgar Roquette-Pinto (1926-1935), ganharam impulso as atividades educativas do museu, considerado “como órgão de ensino público em todos os graus, sem prejuízo de suas funções de centro superior de pesquisas” (Brasil, 1930, p. 57). A portaria de 8 de outubro de 1927 criou o Serviço de Assistência ao Ensino, que atendeu a diversas escolas, para quais foram realizadas projeções de filmes, além de distribuir publicações (Brasil, 1929, p. 56).
O Museu Nacional passaria por novas transformações no governo de Getúlio Vargas, iniciado em 1930, após o movimento político que pôs fim ao período que ficaria conhecido como Primeira República. Naquele ano, o decreto n. 19.402, de 14 de novembro, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública, ao qual o museu ficou subordinado.
Angélica Ricci Camargo
Mar. 2022
Fontes e bibliografia
BHERING, Marcos Jungmann; MAIO, Marcos Chor. Ciência, positivismo e agricultura: uma análise do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio na Primeira República. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 27, n. 46, p. 689-709, jul./dez. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3qP7ARt. Acesso em 31 mar. 2022.
BRASIL. Decreto n. 379-A, de 8 de maio de 1890. Reorganiza o Museu Nacional. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 5, p. 912, 1898a.
______. Decreto n. 810, 4 de novembro de 1890. Substitui todo o capítulo terceiro do regulamento do Museu Nacional, a que se refere o decreto n. 379-A, de 8 de maio de 1890. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 11, p. 2.535, 1891.
______. . Decreto n. 1.179, de 26 de dezembro de 1892. Dá novo regulamento ao Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 1.119-1.134, 1893.
______. Decreto n. 3.211, 11 de fevereiro de 1899. Aprova o regulamento para o Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, v. 1, p. 109-122, 1902.
______. Decreto n. 7.862, de 9 de fevereiro de 1910. Reorganiza o Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 142-147, 1915a.
______. Decreto n. 9.211, 15 de dezembro de 1911. Dá novo regulamento ao Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 21-32, 1915b.
______. Decreto n. 11.896, 14 de janeiro de 1916. Dá novo regulamento ao Museu Nacional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 60-69, 1917.
______. Portaria de 8 de outubro de 1927. [Instruções para o Serviço de Assistência ao Ensino da História Natural do Museu Nacional]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 14 out. 1927. Seção 1, p. 22.021.
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SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questões raciais no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
RANGEL, Márcio Ferreira. O cientista, o museu e a lagarta: Costa Lima e o serviço de combate à lagarta-rósea do Museu Nacional. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, v. 26, n. 1, p. 69-80, 2013. Disponível em: https://bit.ly/2TnIcir. Acesso em: 31 mar. 2022.
SANTOS, Rita de Cássia Melo. Um antropólogo no museu: Edgar Roquette-Pinto e o exercício da antropologia no Brasil nas primeiras décadas do século XX. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 25, n. 53, p. 283-315, jan./abr. 2019. Disponível em: https://bit.ly/371NP23. Acesso em: 31 mar. 2022.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas
BR_RJANRIO_Q6 Floriano Peixoto
BR_RJANRIO_O2 Fotografias Avulsas
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
BR_RJANRIO_8M Série Agricultura - Administração (IA2)
BR_ RJANRIO_ 92 Série Educação - Cultura - Belas-Artes - Bibliotecas - Museus (IE7)
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período da Primeira República. Para informações entre 1818-1822 e 1822-1889, consulte Museu Real e Museu Imperial
Referência da Imagem
Arquivo Nacional, Fundo Floriano Peixoto, BR_RJANRIO_Q6_GLE_FOT_00001_d0016de0052
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão na Primeira República. Para informações entre 1808-1822 e 1822-1989, consulte Museu Real e Museu Imperial