Base de Dados

 

Destaques

 

 

O tema da vacinação ganhou enorme relevância após a pandemia da covid-19. A rapidez no desenvolvimento de um imunizante foi fundamental no enfrentamento da doença. No século XIX, uma das maiores preocupações sanitárias foi a varíola, que desde o período colonial acometia de forma endêmica e epidêmica diversas regiões do Brasil... continue lendo

 

Produção

 

 

Publicações

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil [capa]. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1891
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil [capa]. Rio de Janeiro, 24 de fevereiro de 1891

 A Constituição de 1891 foi promulgada em 24 de fevereiro, após três meses de trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 15 de novembro de 1890, um ano após a Proclamação da República. O cenário em que se desenrolou a crise do Segundo Reinado e a queda da Monarquia já apontava para a instituição de uma república no Brasil, ideário que estivera presente em muitas das revoltas ocorridas ao longo dos períodos colonial e imperial, e fora incorporado à pauta por reformas de diferentes grupos políticos.

O golpe que instaurou a República instalou um governo provisório, até que se procedesse à eleição do Congresso Constituinte e das legislaturas de cada um dos estados, sob o comando do marechal Manuel Deodoro da Fonseca, que estivera à frente do processo de mudança do regime, e do vice-chefe Rui Barbosa, também secretário da Fazenda No processo de institucionalização do novo regime foi publicada uma série de decretos que procuravam conferir forma jurídica à organização política recentemente estabelecida (Bonavides; Andrade, 2008, p. 218).  O decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, definiu as normas pelas quais deveriam se reger o novo governo e os entes federados, promulgou como forma de governo a república federativa e tornou as ex-províncias estados, que, reunidos “pelo laço da federação”, constituíram os “Estados Unidos do Brasil” (Brasil, 1889a art. 2º). Coube aos estados as providências necessárias para a manutenção da ordem e da segurança pública, bem como a defesa e a garantia da liberdade e dos direitos dos cidadãos, quer nacionais ou estrangeiros, podendo o governo provisório intervir em caso de perturbação da tranquilidade pública (Brasil, 1889a, art. 5º e 6º). O ato estabeleceu ainda que os estados, “no exercício de sua legítima soberania”, decretariam sua constituição definitiva elegendo, para tanto, suas assembleias e os governos locais (Brasil, 1889a, art. 3º).

Dentre os atos expedidos estavam a concessão de pensão para manutenção da família real no exílio, a extinção dos castigos corporais na Armada e o estabelecimento dos símbolos nacionais. Além dessas medidas, foram dissolvidos a Câmara e o Senado, bem como o Conselho de Estado; declarado que todos os cidadãos brasileiros, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que soubessem ler e escrever, estariam qualificados como eleitores para as câmaras gerais, estaduais e municipais, determinando ainda que seriam expedidos os regulamentos para a qualificação e o processo eleitoral; dissolvidas as assembleias provinciais e fixadas, provisoriamente, as atribuições dos governadores dos estados, reservado o direito do governo provisório de restringir, ampliar e suprimir quaisquer dessas atribuições, bem como de substituí-los “conforme melhor convenha, no atual período de reconstrução nacional, ao bem público e à paz e direito dos povos” (Brasil, 1889b, art. 3º).

Pelo decreto n. 29, de 3 de dezembro de 1889, foi nomeada uma comissão para elaborar um anteprojeto de constituição, para servir de base aos trabalhos da Assembleia Constituinte, composta pelos juristas Joaquim Saldanha Marinho, como presidente, Américo Brasiliense de Almeida Melo, vice-presidente, e Antônio Luís dos Santos Werneck, Francisco Rangel Pestana e José Antônio Pedreira de Magalhães Castro (Brasil, 1889c). Composta por republicanos históricos, a Comissão dos Cinco ou Comissão de Petrópolis, como ficou conhecida, tinha por tarefa elaborar um projeto comprometido com o modelo constitucional norte-americano de uma república presidencial federalista, em oposição ao grupo que reunia militares e civis positivistas “propensos a uma democracia autoritária” (Lynch, 2011, p. 307).

Ao mesmo tempo, foi definido o dia 15 de setembro de 1890 como a data para eleição geral da Assembleia Constituinte e convocada a sua reunião para dois meses depois na capital da República, pelo decreto n. 78-B, de 21 de dezembro (Brasil, 1890d, p. 276). O próprio ato considerava o curto intervalo de tempo, mas argumentava sobre a “maior conveniência em apressar a solene manifestação do eleitorado sobre o novo regime político, já legitimado pelo pronunciamento geral de todas as opiniões no país”, chamando atenção ainda para as medidas a serem tomadas, como a organização do regime eleitoral, o alistamento do novo eleitorado, o prazo indispensável à convocação da Constituinte e a preparação do projeto de constituição (Brasil, 1889d, p. 275).

Na Comissão dos Cinco foram apresentados três projetos, reunidos em uma única proposta, inspirada nas constituições dos Estados Unidos, da Argentina e da Suíça (Baleeiro, 2012, p. 24). Revisto por Rui Barbosa, discutido com o corpo de ministros do governo e submetido à aprovação do chefe do governo provisório, marechal Deodoro da Fonseca, o projeto foi promulgado como a Constituição dos Estados Unidos do Brasil pelo decreto n. 510, de 22 de junho de 1890. As disputas políticas no interior do próprio Governo Provisório e o temor do baixo compromisso de Deodoro da Fonseca com a democracia, cujas medidas administrativas causavam descontentamento e desconfiança, acabaram por apressar a conclusão do projeto constitucional (Baleeiro, 2012, p. 23-24).

Embora tenha sido formulada com o objetivo de servir de base aos trabalhos da Assembleia Constituinte, à qual seria submetida, a Constituição aprovada entrava em vigor exclusivamente no tocante “à dualidade das Câmaras do Congresso, à sua composição, à sua eleição e à função, que são chamadas a exercer, de aprovar a dita Constituição” (Brasil, 1890a, art. 3º). Porém, o texto seria alterado pelo governo provisório, tendo sido republicado pelo decreto n. 914-A, de 23 de outubro de 1890. Na verdade, a Carta sofreu poucas e pontuais as alterações, “nos raros tópicos sobre que se pronunciou acentuadamente neste sentido a opinião do país”. Tais mudanças procuravam “atender imediatamente ao sentimento nacional” (Brasil, 1890b, p. 31).

Realizadas as eleições em 15 de setembro de 1890 em todo o país, a Assembleia Constituinte foi instalada em 15 de novembro, composta por 205 deputados e 63 senadores, cujo perfil heterogêneo representava a correlação de forças políticas que fundara a República do Brasil. Do total de constituintes, 46 eram militares, oficiais do Exército e da Marinha, mas havia também profissionais liberais oriundos das camadas médias urbanas, “juristas formados em São Paulo e Pernambuco; médicos diplomados na Bahia e no Rio; engenheiros civis e militares; jornalistas e homens de letras (...). Vários eram funcionários públicos” (Baleeiro, 2012, p. 25).

Elaborado provisoriamente por uma comissão, o regimento que nortearia os trabalhos constituintes foi apresentado em 14 de novembro de 1890, e oficialmente aprovado pelo Congresso Nacional em sessão de 21 de novembro daquele ano (Leite, 2003, p. 57). Na mesma sessão foi eleita a mesa diretora do Congresso Nacional, tendo como presidente o senador paulista Prudente José de Moraes Barros, eleito por grande maioria e que viria ser o primeiro presidente civil do país (Roure, 1920, p. 14). O regimento estabelecia a eleição de uma comissão especial de vinte e um membros, que passaria a ser conhecida como Comissão dos 21, para dar parecer sobre a Constituição provisória, composta por um representante de cada estado, tendo por relator Júlio de Castilho, deputado pelo Rio Grande do Sul, cujo parecer foi entregue em 10 de dezembro (Bonavides; Andrade, 1989, p. 232).

A discussão sobre a constituição apresentada pelo governo provisório ocorreu de forma célere, tendo o debate se concentrado nos aspectos principais do projeto, como “a organização federativa, a discriminação de rendas, a unidade do direito, a dualidade de magistratura, o sistema da eleição presidencial, a liberdade religiosa, a organização dos estados e alguns outros” (Roure, 1920, p. 12). Assim, ao final de 58 dias de trabalhos, o projeto foi apresentado, e em 24 de fevereiro de 1891, a segunda Constituição brasileira foi promulgada, a primeira do regime republicano.

No dia seguinte, conforme as disposições transitórias da Constituição, coube ao Congresso realizar a primeira votação para os cargos de presidente e vice-presidente da República (Brasil. Constituição (1891), Disposições Transitórias, art. 1º). Foram eleitos o presidente Deodoro da Fonseca, que derrotou o candidato civil Prudente de Moraes, e o vice-presidente Floriano Vieira Peixoto, que venceu o opositor vice-almirante Eduardo Wandenkolk, senador pelo Distrito Federal (Roure, 1920, p. 753).

A Comissão dos 21 havia feito poucas modificações no texto original apresentado à Assembleia Constituinte – dos noventa artigos da Constituição apenas 16 foram alterados (Bonavides; Andrade, 1991, p. 233). A Constituinte foi o momento em que se confrontaram aqueles que forçosamente se tornaram aliados na derrubada da Monarquia. Mas o processo de instauração do pacto federativo e o papel a ser assumido por cada um dos atores nesse cenário político colocavam em campos adversários republicanos e positivistas, que tinham forte penetração junto ao círculo dos jovens militares, discordavam entre si e dividiam-se em vários grupos políticos que divergiam quanto à “natureza da nova República” (Baleeiro, 2012, p. 27). Foi em torno do federalismo que os constituintes mais se demoraram, no entanto, algumas questões que assumiriam relevância ao longo da Primeira República, como o estado de sítio, a intervenção federal, o controle de constitucionalidade, o habeas corpus e as normas centrais da organização federativa, “não foram sequer objeto de discussão” (Souza Neto; Lynch, 2012, p. 112).

A velha discussão sobre as aspirações federalistas, que embalou a relação do governo central com as províncias durante o Segundo Império, e resultou na realização de reformas de cunho liberal que culminaram no Ato Adicional de 1834, ganhou força no debate acerca do modelo de pacto federativo a ser adotado. A divisão entre liberais e conservadores, unionistas e federalistas, que dividia o governo provisório, ainda “que não institucionalizada em partidos”, se manifestava na temática sobre a natureza e os limites que o Estado federativo deveria assumir, o que definiria o debate em torno do contorno federalista a ser adotado na jovem República “no terreno da competência legislativa e tributária, bem como no da organização judiciária” (Lynch, 2011, p. 314).

A Constituição promulgada em 1891 não apenas conformou a modelagem político-institucional do governo que se instaurou com o fim da Monarquia, como teve papel fundamental na garantia da estabilidade necessária à consolidação do regime republicano. No entanto, a adoção da forma republicana de governo e da forma federativa de Estado não seria capaz de aplacar as tensões decorrentes da expectativa por uma pauta reformista, ainda que difusa. A difícil equação entre a maior autonomia dos estados frente ao poder da União, temática cara à propaganda republicana, a disputa das oligarquias locais no processo de condução na política nacional e a estabilidade do país forneceria um importante freio no avanço dos direitos sociais. O liberalismo ortodoxo, em que se alicerçou a Constituição de 1891, foi um obstáculo à inclusão das reformas sociais propostas pelos radicais durante a década de 1860, especialmente no tocante à garantia dos direitos civis (Carvalho, 2011, p. 143). Na verdade, verificou-se um retrocesso, já que os estados deixavam de ter “por obrigação fornecer educação primária, constante da Constituição de 1824” (Carvalho, 2002, p. 62).

A Constituição apresentava noventa e um artigos na parte geral, além de oito nas disposições transitórias. Estava dividida em cinco títulos que, por sua vez, subdividiam-se em seções e estas, em capítulos. O Título I tratava da organização federal, o que incluía a seção sobre o Poder Legislativo, com capítulos a respeito da Câmara dos Deputados e do Senado, das atribuições do Congresso, leis e resoluções, além das disposições gerais; a seção sobre o Poder Executivo era constituída por capítulos relativos ao presidente, vice-presidente, e sua eleição, às atribuições do Poder Executivo, aos ministros de Estado, à responsabilidade do presidente; e havia ainda uma seção sobre o Poder Judiciário. Os títulos seguintes, do II ao IV, tratavam, respectivamente, dos estados, dos municípios e do cidadão brasileiro, além do Título V, que se voltava para as disposições gerais, acompanhado das disposições transitórias.

Nas disposições preliminares do primeiro título, que se ocupava da organização federal, a Constituição reafirma a república federativa como forma de governo e, por conseguinte, o regime representativo. Nesse sentido, a Constituição rompe com o Estado unitário monárquico, já que o princípio constitucional que sustenta o conceito de Estado federal se baseia na “pluralidade de centros de poder soberanos coordenados entre eles” (Levi, 1998, p. 481). A Constituição conferiu ao povo a fonte de legitimidade do poder político e, ao mesmo tempo, o “fundamento de legitimidade da relação entre governantes e governados, que passou a ser de representação” (Leite, 2003, p. 109).

Ficava estabelecida a separação dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, “harmônicos e independentes entre si” (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 15). A Constituição retomava a teoria da separação dos poderes, conforme fora tratada por Montesquieu, e, seguindo o modelo norte-americano, não a aplicou de forma absoluta. Houve o predomínio de “um sistema complexo de freios e contrapesos”, em que os diversos órgãos não exerceriam o monopólio de cada função do Estado, mas interfeririam na atividade uns dos outros, daí a importância do conceito de harmonia, que garantiria a “independência recíproca dos poderes” (Leal, 1946, p. 407). O Poder Moderador, exercido de forma privativa pelo imperador e que se constituiu na “chave de toda a organização política” imperial, pois funcionava acima dos outros poderes como garantia da independência, equilíbrio e harmonia dos demais, ficava extinto (Brasil. Constituição (1824), art. 98).

As províncias passavam a constituir os estados, e o Município Neutro, o Distrito Federal, mantido como capital da União, cuja mudança ficava prevista para o Planalto Central. Pelas disposições preliminares, os estados deveriam prover os recursos de seu governo e administração, cabendo à União prestar socorro em caso de calamidade pública, mas somente quando solicitada pelos governos estaduais (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 5º). Por sua vez, aos estados ficava garantida a autonomia para fundirem-se, subdividirem-se ou desmembrarem-se, sob aprovação das respectivas assembleias legislativas e do Congresso Nacional (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 4º). Em consonância com o princípio federativo, o governo federal somente poderia intervir nos estados em virtude de invasão estrangeira ou de outro ente federado; para defesa da forma republicana federativa; para restabelecer a ordem e a tranquilidade, por solicitação dos respectivos governos; e para assegurar a execução das leis e sentenças federais (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 6º).

As competências exclusivas dos estados e do governo federal foram dispostas na Constituição, bem como os casos estritos em que poderia haver intervenção federal, instrumento concebido como forma de “equilibrar e harmonizar os poderes” (Bonavides; Andrade, 1991, p. 260), mas que se transformaria em importante arma política que atentaria contra a autonomia dos estados e o pacto federativo. A autonomia dos estados foi um dos temas mais caros ao debate que se travou durante todo o Segundo Reinado e, defendida por representantes de diferentes vertentes políticas e ideológicas, monarquistas e republicanos, era quase unanimidade entre os constituintes, que, no entanto, divergiam quanto à sua forma (Carvalho, 2011, p. 150). Nos trabalhos da Constituinte venceram os chamados ultrafederalistas, que ameaçavam manter a agitação federalista caso não fossem aprovadas medidas descentralizadoras, como a ampliação da competência tributária e processual dos estados (Lynch, 2011, p. 317).

Eram de competência exclusiva da União o estabelecimento de impostos sobre a importação de procedência estrangeira; direitos de entrada, saída e estada de navios, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já tivessem pago imposto de importação; taxas de selo, salvo a restrição do art. 9º, § 1º, n. 1, de responsabilidade privativa dos estados; taxas dos correios e telégrafos federais; além da instituição de bancos emissores e da criação e manutenção de alfândegas (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 7º).

Foram definidos os impostos que deveriam ser decretados pelos estados, como os de exportação de mercadorias de sua própria produção, sobre imóveis rurais e urbanos, de transmissão de propriedade, e de indústrias e profissões (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 9º). Os governos federal e estaduais ficavam impedidos de criar impostos de trânsito pelo território de um estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros estados da República, ou estrangeiros, bem como sobre os veículos, de terra e água, que os transportassem. Mas o governo federal e os estados poderiam criar impostos não previstos em suas atribuições, desde que fossem assegurados os limites constitucionais (Brasil. Constituição (1891), Título I, art. 11, § 1º, 12).

Na seção dedicada ao Poder Legislativo, ficou determinado que se mantinha o sistema bicameral herdado do Império, exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República. O Congresso compunha-se do Senado, representante dos estados, e da Câmara, representante do povo, cujos deputados seriam escolhidos, em eleições diretas e simultâneas em todo o país, pelos estados e Distrito Federal (Brasil. Constituição (1891), art. 16). Cada legislatura teria duração de três anos, e Câmara dos Deputados e Senado trabalhariam separadamente, deliberando por maioria simples de votos, cabendo exclusivamente ao Congresso definir sobre a prorrogação e adiamento de suas sessões (Brasil. Constituição (1891), art. 17). É importante lembrar que na Constituição de 1824 coube ao imperador, no exercício do Poder Moderador, a jurisdição de prorrogar ou adiar a Assembleia Geral, bem como dissolver e convocar a Câmara dos Deputados nos casos previstos (Brasil. Constituição (1824), art. 101, II e V).

O número de deputados seria fixado por lei, em proporção que não excedesse um por setenta mil habitantes, mas não devendo ser inferior a quatro por estado; os senadores seriam em quantidade de três por estado e Distrito Federal, eleitos da mesma forma que os deputados (Brasil. Constituição (1891), art. 28, § 1, e art. 30). Eram condições de elegibilidade para o Congresso Nacional estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistável como eleitor, devendo possuir mais de quatro anos de cidadania brasileira para a Câmara, e mais de seis para o Senado.

O senador deveria ter mais de 35 anos, seu mandato seria de nove anos, e deixava de ser um cargo vitalício, renovando-se um terço do Senado a cada legislatura (Brasil. Constituição (1891), art. 26, 30 e 31). A Constituição determinava ainda que o vice-presidente da República era também o presidente do Senado, onde teria somente voto de qualidade, e seria substituído, nas ausências e impedimentos, pelo vice-presidente da mesma Câmara (Brasil. Constituição (1891), art. 32), o que se manteria até 1961.

Um dos aspectos a ser considerado em relação a Constituição de 1891 foi o rompimento com o sistema eleitoral que vigorara a partir da Constituição de 1824, baseado numa acepção de cidadania que distinguiu detentores de direitos civis e de direitos políticos, qualificando os eleitores e os que poderiam ser eleitos segundo o critério censitário (Constituição, 2014, s.p.). A Carta de 1824 também não permitiu que estrangeiros naturalizados e os que não professavam a religião de Estado se candidatassem à Câmara dos Deputados (Brasil. Constituição (1824), art. 95, I e II). Apesar disso, foram verificados poucos avanços. A Lei Saraiva, aprovada em 1881, já havia promovido uma ampla reforma eleitoral, com a adoção da eleição direta, embora tenha mantido o colégio eleitoral censitário (Carvalho, 2002, p. 40).

Deputados e senadores eram invioláveis “por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato” (Brasil. Constituição (1891), art. 19), e não poderiam ser presos nem processados criminalmente “sem prévia licença da Câmara, salvo caso de flagrante em crime inafiançável” (Brasil. Constituição (1891), art. 20). Os congressistas não poderiam celebrar contratos com o Poder Executivo, receber comissões ou exercer empregos remunerados, exceto nos casos previstos na Constituição, para o que deveriam ter licença prévia da Câmara, não podendo ainda ser presidentes ou fazer parte de diretorias de bancos, companhias ou empresas que gozassem dos favores do governo federal definidos em lei (Brasil. Constituição (1891), art. 23 e 24).

Em relação às atribuições, Câmara dos Deputados e Senado eram responsáveis por sua própria organização, por regular o serviço de sua polícia interna e nomear empregados de sua secretaria (Brasil. Constituição (1891), art. 18). Privativamente à Câmara competiam a iniciativa do adiamento da sessão legislativa e de todas as leis de impostos, das leis de fixação das forças de terra e mar, da discussão dos projetos oferecidos ao Poder Executivo, e a declaração da procedência ou improcedência da acusação contra o presidente da República e ministros de Estado (Brasil. Constituição (1891), art. 29). O Senado respondia exclusivamente pelo julgamento do presidente da República e dos demais funcionários federais designados pela Constituição (Brasil. Constituição (1891), art. 33).

A Carta delegava ao Congresso Nacional a função de velar pela guarda da Constituição e das leis; estimular o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e o comércio, sem benefícios que dificultassem a ação dos governos locais; criar instituições de ensino superior e secundário nos estados; e prover a instrução secundária no Distrito Federal. Além disso, coube somente ao Congresso Nacional uma enorme variedade de atribuições, como aprovar o orçamento anual, autorizar a contratação de empréstimos e legislar sobre a dívida pública; regular o comércio nacional e internacional; resolver questões de limites dos estados, Distrito Federal e nações vizinhas; autorizar declaração de guerra e paz, bem como tratados e convenções com as nações estrangeiras; conceder subsídios aos estados quando solicitado; declarar estado de sítio; regular os casos de extradição entre os estados e conceder anistias (Brasil. Constituição (1891), art. 34).

É importante destacar a excessiva concentração do processo legislativo no plano federal, em detrimento dos legislativos estaduais. Essa característica foi resultado da vitória dos unionistas na Constituinte, que defendiam a “unidade de legislação no país”, contra os federalistas, que advogavam pela “pluralidade de legislação pelos estados”, conforme o modelo norte-americano (Leite, 2003, p. 123; Lynch, 2011, p. 311-318). Assim, o Congresso respondia por legislar sobre o direito civil, comercial e criminal da República e o processual da justiça federal; estabelecer leis uniformes sobre naturalização; legislar sobre terras e minas de propriedade da União, e sobre a organização municipal do Distrito Federal, bem como sobre a polícia, o ensino superior e os demais serviços que na capital fossem reservados ao governo da União; ou decretar as leis orgânicas para a execução completa da Constituição (Brasil. Constituição (1891), art. 34).

A seção referente ao Poder Executivo se inicia com a definição de que seu exercício competia ao presidente da República, como chefe eletivo da nação, substituído em seus impedimentos ou ausências pelo vice-presidente, eleito simultaneamente com ele. Na falta deste, seriam sucessivamente chamados à presidência “o vice-presidente do Senado, o presidente da Câmara e o do Supremo Tribunal Federal” (Brasil. Constituição (1891), art. 41, § 1º e 2º). A Constituição determinou que presidente e vice-presidente seriam eleitos por maioria absoluta de votos; se não fosse alcançada essa maioria, o Congresso elegeria, por maioria dos votos presentes, um deles, dentre os que tivessem alcançado as duas votações mais elevadas na eleição direta. Em caso de empate seria eleito o mais velho dos candidatos (Brasil. Constituição (1891), art. 47).

Eram condições de qualificação à presidência ou vice-presidência ser brasileiro nato, estar no exercício dos direitos políticos e ser maior de 35 anos, tal como para o Senado (Brasil. Constituição (1891), art. 41, § 1º e 2º). O mandato presidencial seria de quatro anos, e o presidente e o vice-presidente receberiam subsídio fixado pelo Congresso no período presidencial antecedente (Brasil. Constituição (1891), art. 43 e 46). No projeto de constituição apresentado ao Congresso Nacional, o mandato presidencial seria de seis anos e as eleições, indiretas, conforme o modelo norte-americano, o que foi derrotado pelos federalistas, que garantiram a eleição direta para presidente e senadores, e a redução do mandato presidencial para quatro anos (Souza Neto; Lynch, 2012, p. 311-318). A adoção do presidencialismo contrapunha-se às propostas dos liberais unionistas, que defendiam o parlamentarismo, com as quais Rui Barbosa alinhava-se, mas foram suplantadas pela necessidade de preservar a ordem republicana federativa e o controle “dos grandes estados e de suas oligarquias contra um poder central hegemônico e eventualmente autônomo, como havia sido o da Coroa” (Lynch, 2012, p. 130). Assim, comprometido com a consolidação do regime republicano e a preservação da ordem pública, constituiu-se, “sob pretexto de uma reprodução do modelo norte-americano, um presidencialismo exacerbado” (Comparato, 2004, p. 152).

Ao presidente da República competia exclusivamente sancionar e promulgar leis; nomear e demitir livremente os ministros de Estado; exercer o comando supremo do Exército e da Armada; declarar a guerra e fazer a paz; nomear os magistrados federais, mediante proposta do Supremo Tribunal Federal (STF); prestar contas anualmente ao Congresso Nacional; convocar o Congresso extraordinariamente; nomear os magistrados federais, a partir de proposição do STF, bem como os membros desse tribunal e os ministros diplomáticos, sujeitos à aprovação do Senado; declarar estado de sítio, nos casos de agressão estrangeira ou grave comoção interna; celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso, e aprovar os celebrados pelos estados (Brasil. Constituição (1891), art. 48).

A Constituição definia os ministros como auxiliares do presidente, “agentes de sua confiança”, que lhe subscreviam os atos, cada um à frente de um ministério (Brasil. Constituição (1891), art. 49). Não poderiam acumular outro emprego ou função pública, nem ser eleitos presidente ou vice-presidente da União, deputado ou senador. No caso de deputado ou senador, ao aceitar o cargo de ministro perderia o mandato, tendo que se proceder a nova eleição. Os titulares dos ministérios apresentariam relatórios anuais ao presidente e não poderiam comparecer às sessões do Congresso, apenas às comissões das câmaras (Brasil. Constituição (1891), art. 50 e 51).

Os ministros não eram considerados responsáveis, perante o Congresso ou tribunais, pelos conselhos dados ao presidente, porém respondiam por seus atos quanto aos crimes qualificados em lei (Brasil. Constituição (1891), art. 52). Decretada a procedência da acusação, o presidente ficava suspenso de suas funções. Dentre os crimes de responsabilidade incluíam-se atentar contra a existência política da União, a Constituição e a forma do governo federal, o livre exercício dos poderes políticos, o gozo e exercício legal dos direitos políticos ou individuais, a segurança interna do país, a probidade da administração, a guarda e o emprego do dinheiro público, e as leis orçamentárias votadas pelo Congresso (Brasil. Constituição (1891), art. 53 e 54).

O formato assumido pelo Poder Judiciário na Constituição de 1891 consagrava a forma federal de Estado, com uma organização dual, estabelecendo uma esfera federal e outra estadual. O órgão federal do Poder Judiciário era o Supremo Tribunal Federal, que substituiu o Supremo Tribunal de Justiça do Império, “e tantos juízes e tribunais federais, distribuídos pelo país, quantos o Congresso criar”, e nos estados contaria com tribunais e juízes estaduais (Brasil. Constituição (1891), art. 55). A justiça federal e as estaduais não poderiam intervir em questões submetidas às suas respectivas esferas, excetuados os casos expressamente declarados na Constituição (Brasil. Constituição (1891), art. 55, 61 e 62).

O Supremo Tribunal Federal seria composto por quinze juízes, escolhido entre os cidadãos de notável saber e reputação, maiores de 35 anos, devendo ter o nome aprovado pelo Senado. Os juízes federais seriam vitalícios e perderiam o cargo unicamente por sentença judicial. O presidente tinha o poder de designar, dentre os membros do STF, o procurador-geral da República (Brasil. Constituição (1891), art. 48, § 12º, 56, 57, e 58, § 2º). A Constituição aboliu ainda a suspensão de juízes pelo Executivo, por queixas contra eles, o que fora previsto na Constituição de 1824 (Brasil. Constituição (1824), art. 154; Baleeiro, 2001, p. 31).

As atribuições do STF foram divididas em duas grandes categorias de causas. A primeira seria o processo e julgamento, originário e privativo, do presidente da República, nos crimes comuns; dos ministros de Estado e diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade; das causas que envolvessem a União e estados, ou destes contra outros, as nações estrangeiras e a União ou os estados; e dos conflitos dos juízes ou tribunais federais entre si, ou entre estes e os estaduais (Brasil. Constituição (1891), art. 59, I). A segunda categoria seria o julgamento, em grau de recurso, das causas julgadas pelos juízes e tribunais federais; dos processos findos em matéria crime; das sentenças das justiças estaduais, em última instância, quando questionada a validade e vigência das leis federais; das leis ou atos dos governos estaduais em face da Constituição ou das leis federais (Brasil. Constituição (1891), art. 59, II e III).

Aos juízes federais competia processar e julgar as causas fundadas na Constituição; as causas contra a União ou Fazenda Nacional, ou de seu interesse contra particulares; litígios entre estados e cidadãos, ou entre cidadãos de estados diversos; os pleitos entre estados estrangeiros e cidadãos brasileiros, ou movidos por estrangeiros tendo por base convenções e tratados da União; as questões de direito marítimo e navegação, de direito criminal ou civil internacional; os crimes políticos (Brasil. Constituição (1891), art. 60).

Além do papel de guardião da Constituição, que deixou de ser exclusivo do Poder Legislativo, coube ao Judiciário exercer o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, atuando para assegurar a validade e vigência do ordenamento jurídico da República. A Constituição conferiu ao STF a função arbitral, em última instância, nas causas envolvendo a União e os estados, ou entre estes (Lynch, 2011, p. 305-311; Leite, 2003, p. 155-169). Assim, no formato político-institucional moldado pela Constituição, o Judiciário assumiu uma função até então estranha às suas atribuições, que fora encarregada no Império ao Poder Moderador (Lynch, 2011, p. 310). No entanto, a Constituição previu apenas o controle da constitucionalidade “sobre o caso concreto, seguindo o modelo norte-americano de controle difuso pela via indireta ou incidental”, ou seja, restrito à observância das leis estaduais diante da Constituição (Groff, 2008, p. 109). Foi somente em 1926, que a Emenda Constitucional de 3 de setembro conferiu ao STF a competência de “uniformizar a interpretação da Constituição e das leis federais” (Groff, 2008, p. 109).

No título referente aos estados, a Constituição determinava que se regeriam pela Constituição e leis que adotassem, “respeitados os princípios constitucionais da União” (Brasil. Constituição (1891), art. 63). Mas ficava garantido ainda aos estados legislar sobre todas as matérias que não fossem de competência exclusiva da União (Constituição (1891), art. 65, § 2º). Aos estados foi conferido o direito de estabelecerem linhas telegráficas em seus territórios e de constituir ligações entre si, podendo a União desapropriá-las, e de celebrar entre si ajustes e convenções sem caráter político. Foi assegurada a propriedade sobre as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União apenas a parte de território necessária à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais (Constituição (1891), art. 64). Essa foi mais uma vitória dos federalistas, assegurar a transferência aos estados das terras devolutas, o que tinha por objetivo impedir que o governo federal promovesse o assentamento dos imigrantes e ex-escravizados (Lynch, 2011, p. 317).

Passavam ainda ao domínio dos estados os próprios nacionais, em cujo território estivessem situados, que não fossem necessários para serviços da União. Aos estados era facultado celebrar entre si ajustes e convenções sem caráter político, e tudo o mais que não estivesse formal ou implicitamente vedado nas cláusulas expressas da Constituição. Mas estavam proibidos de recusar fé a documento da União ou de outros estados, rejeitar a moeda federal, guerrear entre si e denegar extradição de criminosos reclamados pelas justiças de outros estados ou do Distrito Federal (Brasil. Constituição (1891), art. 65 a 67).

Em relação aos municípios, a Constituição assegurava a autonomia em tudo quanto respeitasse ao seu “peculiar interesse” (Brasil. Constituição (1891), art. 68). Esse único artigo sobre os municípios foi resultado da atuação dos federalistas na Constituinte, que procuraram garantir que a definição da autonomia municipal fosse atribuída às constituições estaduais, preocupando-se em reafirmar a soberania dos estados, mais que dos municípios (Leite, 2003, p. 197). Essa estava longe de ser uma situação inédita, e o federalismo não fora capaz de resolvê-la. Durante o período imperial, o poder central havia se consolidado por meio de um sistema de concentração do poder provincial, o que significou a tutela e o enfraquecimento dos municípios (Leal, 2012). Em geral, as constituições estaduais incluíram a determinação de que os municípios seriam “regulados por uma ‘lei orgânica’, aplicável a todos”, elaborada pelas assembleias legislativas (Baleeiro, 2012, p. 33). Porém, o disposto na Constituição não fora capaz de definir com clareza as atribuições dos municípios em termos tributários, tornando-os dependentes da receita dos estados e do que seria disposto na legislação estadual. Essa debilidade financeira comprometeu a autonomia política dos municípios, reforçando o poder dos Executivos estaduais, o mandonismo local e o fenômeno que ficaria conhecido como clientelismo (Leal, 2012, p. 43).

A Constituição definiu juridicamente os cidadãos brasileiros como os nascidos no Brasil, mesmo de pai estrangeiro, que não estivesse a serviço de sua nação; os filhos de pai brasileiro ou ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior, desde que fixassem residência no país; os filhos de pai brasileiro que estivesse em outro país a serviço da República, ainda que não domiciliados no Brasil (Brasil. Constituição (1891), art. 69, § 1º ao 3º).

Em relação aos estrangeiros, a Constituição promoveu o que ficaria conhecido como a ‘grande naturalização’, um dispositivo transitório que considerava cidadão brasileiro todos os estrangeiros que estivessem no Brasil por ocasião da Proclamação da República e não declarassem, até seis meses após entrar em vigor a Constituição, o desejo de conservar a nacionalidade de origem; bem com os estrangeiros que possuíssem bens imóveis no Brasil, fossem casados com brasileiras ou tivessem filhos brasileiros, desde que residissem no país, salvo se manifestassem a intenção de mudar de nacionalidade; e os estrangeiros naturalizados (Brasil. Constituição (1891), art. 69, § 4º a 6º).

Tal proposição teve por base a Constituição de 1824, que permitiu a naturalização de todos os portugueses ou nascidos em suas possessões, residentes no Brasil na época em que se proclamou a Independência, caso manifestassem desejo de manter residência no país (Brasil. Constituição (1824), art. 5, IV). Na Constituinte, a ‘grande naturalização’ foi defendida pela bancada paulista, com apoio dos representantes de Santa Catarina, estados onde era forte o fluxo de imigrantes para o trabalho nas lavouras, no que se opunham os deputados mineiros, liderados por Epitácio Pessoa, paraibanos e positivistas. Na verdade, o tema da naturalização de estrangeiros residentes por ocasião da Proclamação de República já fora tratado num dos primeiros atos do governo provisório, o decreto 58-A, de 14 de novembro de 1889, tendo a Constituição tornado mais abrangente a concessão desse direito (Bonfá, 2008, p. 16-23).

A Constituição qualificou os eleitores como os maiores de 21 anos que se alistassem na forma da lei, definindo a seguir os que estavam impedidos de registrar-se e os casos que implicavam a perda dos direitos políticos. Estava vedado o alistamento eleitoral, para as eleições federais ou estaduais, aos mendigos, analfabetos e as praças de pré, exceção feita aos alunos das escolas militares de ensino superior, e aos religiosos. Ficavam inelegíveis os cidadãos não alistáveis (Brasil. Constituição (1891), art. 70). Os direitos políticos dos cidadãos só seriam suspensos em caso de incapacidade física ou moral, ou de condenação criminal, enquanto durassem os seus efeitos. A perda do direito estava prevista por ocasião de naturalização estrangeira ou por aceitação de emprego ou pensão de governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo federal (Brasil. Constituição (1891), art. 71).

Apesar das expectativas que a campanha republicana promovera, a república e o federalismo não foram capazes de dar conta da profunda exclusão social em que se encontrava grande parte da população brasileira. Seus direitos políticos já haviam sido reduzidos com a reforma eleitoral promovida pela Lei Saraiva, aprovada em 1881, que introduziu o voto direto para todos os cargos eletivos no Brasil, acabou com o voto obrigatório, aumentou a renda mínima dos eleitores para duzentos mil-réis e proibiu o voto dos analfabetos. A Constituição de 1891 derrubou apenas o critério censitário, mantendo o veto aos analfabetos e mendigos, além de não ter previsto o voto feminino, o que afastava das urnas grande parte da população brasileira (Carvalho, 2002, p. 40).

Mas foi na seção II, Declaração de Direitos, que a Constituição trouxe alterações consideráveis em relação ao texto de 1824. Assegurava a brasileiros e estrangeiros a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade; reafirmava a igualdade de todos perante a lei; garantia a liberdade de culto; declarava não admitir privilégio de nascimento e desconhecer foros de nobreza, extinguindo ordens honoríficas, títulos nobiliárquicos e de conselho; instituiu o casamento civil, secularizou os cemitérios, laicizou o ensino público e determinou que  nenhum culto ou igreja receberia subvenção oficial; aboliu a pena de morte, a pena de galés e a de banimento judicial; assegurou o direito de propriedade em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade pública; criou o habeas corpus, em caso de risco iminente de violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder (Brasil. Constituição (1891), art. 72).

A Constituição, além de especificar as garantias e direitos do cidadão, declarava que não estavam excluídos outras garantias e direitos não enumerados, “mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna” (Brasil. Constituição (1891), art. 78). Tal dispositivo é considerado a “pedra angular do Estado de direito” (Bonavides; Andrade, 1991, p. 259), mas a prática constitucional na Primeira República estaria longe de efetivar os direitos e garantias formalmente expressos. Os primeiros anos da consolidação republicana foram marcados por um quadro de acentuada instabilidade política, com três importantes revoltas no Rio de Janeiro, da Armada (1893), da Vacina (1904) e da Chibata (1910), além de graves conflitos nos estados. Tal cenário serviu como justificativa para a constante utilização de estados de sítio e intervenções federais, que “se tornaram parte da rotina institucional na qualidade de instrumentos de governo” durante a Primeira República” (Souza Neto; Lynch, 2012, p. 120).

A Constituição mantinha ainda o foro especial para militares de terra e mar nos delitos militares, composto de um Supremo Tribunal Militar, cujos membros seriam vitalícios, e dos conselhos militares para a formação da culpa e julgamento dos crimes (Brasil. Constituição (1891), art. 77). Assim, a justiça militar herdava a organização do período imperial, mantendo o Conselho Supremo Militar e de Justiça, com a denominação de Supremo Tribunal Militar, e que seria organizado somente em 1893, pelo decreto n. 149, de 18 de julho, sem mudanças significativas em suas atribuições.

Foi instituído ainda o Tribunal de Contas, com a função de verificar a legalidade das contas, antes de serem prestadas ao Congresso (Brasil. Constituição (1891), art. 89). Apesar de estabelecido pela Constituição, que previu que seus membros seriam nomeados pelo presidente da República, com aprovação do Senado, o Tribunal de Contas já havia sido efetivamente criado pelo decreto n. 966-A, de 7 de novembro de 1890, projeto do então ministro da Fazenda, Rui Barbosa.

A Constituição de 1891 também previu o estado de sítio, quando a segurança da República exigisse, nos casos de agressão estrangeira ou comoção interna (Brasil. Constituição (1891), art. 34, n. 21). Diante de “iminente perigo” e não se encontrando reunido o Congresso, o Poder Executivo poderia exercer a atribuição de declarar o estado de sítio (Brasil. Constituição (1891), art. 48, n. 15; art. 80, § 1º). Sob influência do paradigma constitucional argentino no que se refere ao estado de sítio, quando decretado, algumas das garantias constitucionais eram suspensas, ficando o Executivo federal autorizado a impor a detenção “em lugar não destinado aos réus de crimes comuns” ou o “desterro para outros sítios do território nacional” (Brasil. Constituição (1891), art. 48, n. 15; art. 80, § 2º, 1º; Lynch, 2012, p. 158).

A Constituição também determinava que, logo que se reunisse o Congresso, o presidente da República deveria prestar contas das medidas de exceção que houvessem sido tomadas na vigência do estado de sítio, bem como responsabilizava as autoridades que tivessem ordenado tais medidas pelos abusos cometidos (Brasil. Constituição (1891), art. 48, § 15º; art. 80, § 3º e 4º). Apesar disso, não tardaria para que o estado de sítio fosse usado como um instrumento político de controle do governo. Em 3 de novembro de 1891, o presidente Deodoro da Fonseca fechou o Congresso e decretou o primeiro estado de sítio após a promulgação da Constituição. Até 1930, o estado de sítio seria decretado onze vezes, período em que o governo experimentava um “interregno constitucional”: 1891, 1892, 1893, 1897, 1904, 1910, 1914, 1917/1918, 1922/1923, 1924/1926 e 1930 (Souza Neto; Lynch, 2012, p. 119).

A Constituição promulgada em 1891 estabeleceu um arranjo político-jurídico inspirado no modelo constitucional norte-americano de 1787, que estimulara o ideário político de várias gerações no Brasil. A Carta trouxe importantes mudanças, como a instituição de uma república federativa liberal, com sistema presidencialista de governo, adotou a divisão tripartite de poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e extinguiu o Poder Moderador, conferiu grande autonomia aos estados-membros, determinou a separação entre Estado e Igreja, com a afirmação da laicidade do Estado e a liberdade religiosa, bem como o fim dos privilégios de nascimento e de foros de nobreza, e a igualdade perante a lei, com a ampliação das garantias individuais da Carta de 1824.

Ainda que no plano formal tenham se efetivado muitas das disposições que a instauração da República e a Constituinte de 1890 haviam projetado, no plano real as tensões e conflitos locais na primeira década republicana conduziriam a uma instabilidade que colocava em risco a ordem política vigente. As disputas ideológicas entre civis e militares, a crise financeira, a grande autonomia dos estados,  as fraudes eleitorais, a utilização da intervenção federal como instrumento para resolução de conflitos entre estados da federação e grupos oligárquicos, associada à exclusão política da maioria da população, levariam ao pacto político que marcou a Primeira República, “à custa dos ideais republicanos de democracia representativa, de participação popular, de divisão de poderes”  (Carvalho, 2011, p. 157).

Dilma Cabral
Abr. 2020

 

 

Fontes e bibliografia

BALEEIRO, Aliomar. 1891. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. (Coleção Constituições brasileiras, v. 2). Disponível em: https://bit.ly/3aeCqbN. Acesso em: 24 mar. 2020.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. São Paulo: Malheiros, 2008.

BONFÁ, Rogério Luis Giampietro. “Com lei ou sem lei”: as expulsões de estrangeiros e o conflito entre o Executivo e o Judiciário na Primeira República. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2008. 

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, decretada e promulgada pelo Congresso Nacional Constituinte, em 24 de fevereiro de 1891. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 1, 1891.

______. Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889. Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da nação brasileira a república federativa, e estabelece as normas pelas quais se devem reger os estados federais. Coleção de leis do Brasil, Rio de janeiro, v. 1, p. 1, 1889a.

______. Decreto n. 7, de 20 de novembro de 1889. Dissolve e extingue as assembleias provinciais e fixa provisoriamente as atribuições dos governadores dos estados. Coleção de leis do Brasil, Rio de janeiro, v. 1, p. 6, 1889b.

______. Decreto n. 29, de 3 de dezembro de 1889. Nomeia uma comissão para elaborar um projeto de Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Coleção de leis do Brasil, Rio de janeiro, v. 1, p. 107, 1889c.

______. Decreto n. 78-B, de 21 de dezembro de 1889. Designa o dia 15 de setembro de 1890 para a eleição geral da Assembleia Constituinte e convoca a sua reunião para dois meses depois, na capital da República federal. Coleção de leis do Brasil, Rio de janeiro, v. 1, p. 275, 1889d.

______. Decreto n. 510, de 22 de junho de 1890. Publica a Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 6, p. 1.365, 1890a.

______. Decreto n. 914-A, de 23 de outubro de 1890. Coleção de leis do Brasil, Rio de Janeiro, v. 10, p. 3.010, 1890b.

CARVALHO, José Murilo de. República, democracia e federalismo Brasil, 1870-1891. Varia História, Belo Horizonte, v. 27, n. 45, p. 141-157, jun. 2011. Disponível em: https://bit.ly/3dyYfEP. Acesso em: 22 mar. 2020.

______. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

______. Radicalismo e republicanismo. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Pereira das (org.). Repensando o Brasil do oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 

CAVALCANTI, João Barbalho Uchôa. Constituição federal brasileira, 1891: comentada. ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002. 

COMPARATO, Fábio Konder. O Poder Judiciário no regime democrático. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 51, p. 151-159, ago. 2004. Disponível em: https://bit.ly/2V544mj. Acesso em: 1 abr. 2020. 

CONSTITUIÇÃO de 1824. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889). Disponível em: https://bit.ly/3yeeEZQ. Acesso em: 23 mar. 2020.

GROFF, Paulo Vargas. Os direitos fundamentais nas constituições brasileiras. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 45, n. 178, abr./jun. 2008. Disponível em: https://bit.ly/31TL78S. Acesso em: 20 mar. 2020. 

KOERNER, A. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República. Revista USP, n. 21, p. 58-69, 30 maio 1994. Disponível em: https://bit.ly/2UHna0z. Acesso em: 24 mar. 2020. 

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 

______. A divisão dos poderes no direito constitucional brasileiro. Revista de Direito Administrativo, v. 4, p. 405-420, 1946. Disponível em: https://bit.ly/3eRs0n6. Acesso em: 28 mar. 2020.        

LEITE, Fábio Carvalho. 1891: a construção da matriz político-institucional da república no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional e Teoria do Estado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: https://bit.ly/2QOJ0hn. Acesso em: 23 mar. 2020.

LESSA, Renato. A invenção republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira República brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 2015.

LEVI, Lúcio. Federalismo. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (org.). Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998, v. 1, p. 475-486. 

LYNCH, Christian Edward Cyril. O caminho para Washington passa por Buenos Aires: a recepção do conceito argentino do estado de sítio e seu papel na construção da República brasileira (1890-1898). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 27, n. 78, p. 149-169, fev. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3ysr9kK. Acesso em: 29 mar. 2020. 

______. O momento oligárquico: a construção institucional da República brasileira (1870-1891). História Constitucional, n. 12, p. 297-325, 2011. Disponível em: https://bit.ly/2WJofr8. Acesso em: 22 mar. 2020.

MORAES, João Quartim de. O poder constituinte e a força. Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n. 7, p. 67-86, dez. 1989.  Disponível em: https://bit.ly/33S6Iii. Acesso em: 26 mar. 2020. 

ROURE, Agenor de. A Constituinte republicana. v. 1, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1920. Disponível em: https://bit.ly/2ycVzwH. Acesso em: 23 mar. 2020.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; LYNCH, Christian Edward Cyril. O constitucionalismo da inefetividade: a Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio. Quaestio Iuris, v. 5, p. 85-136, 2012. Disponível em: https://bit.ly/2R1inWC. Acesso em: 19 mar. 2020.

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Coleção Constituições e Emendas Constitucionais, BR_RJANRIO_DK_C91

Notícias e Eventos

O III Encontro de História do IFPA ocorrerá entre os dias 10 e 11 de dezembro de 2024, no IFPA Campus Belém. Clique aqui para mais informações.