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é bastante evidente sua vinculação a um discurso narrativo e
nacionalista, no qual a coroa portuguesa desempenhava um papel
catártico de intruso estranho, agindo segundo um plano estrangeiro e
imperialista, personificando interesses alheios, explorando riquezas
locais e levando a cabo uma política agressiva de genocídio em relação
aos locais (Hespanha, 2007a, p. 4).
Para Hespanha, a crítica a essa visão de uma monarquia centralizada em suas
funções e poderes parte do fato de não ser possível identificar, de forma uniforme,
uma motivação, uma estratégia única que englobe a expansão marítima portuguesa.
Ideias como as de uma cruzada pela difusão da fé cristã, o engrandecimento do rei, a
expansão comercial, entre outras, seriam exemplos de explicações para a expansão
portuguesa, e cada uma delas poderia levar a políticas diferentes ou até mesmo
opostas (Hespanha, 2007a, p. 5). Assim, a concepção de centralização típica do regime
absolutista seria infiel à realidade no caso da administração de um império tão
heterogêneo.
Por trás da estrutura organizacional do império lusitano haveria então o que
Hespanha denomina “paradigma corporativista”, em que “a sociedade é vista como
um todo, onde as partes têm funções específicas e dependem umas das outras”,
utilizando assim a mesma comparação entre um todo e suas partes que utilizamos
neste trabalho (Gouvêa, Frazão, Santos, 2004, p. 96). Assim, o rei é o responsável pela
articulação das partes que compõem a sociedade, buscando um equilíbrio de poderes,
mas sujeito a uma “ordem natural” que não pode ser ignorada e que limitava o poder
real, atuando este como um pacto entre a sociedade e seu soberano. O rei passava
então a ser passível de cobrança por parte da sociedade, impedido de transgredir os
limites desse pacto, limitado por uma constante observância quanto a sua ética,
utilidade e conveniência, forçado a aceitar sua função essencial que era servir ao
Reino (Gouvêa, Frazão, Santos, 2004, p. 97). Dentro desse contexto, o poder real passa
a partilhar o espaço com poderes de maior ou menor hierarquia, cedendo a certos
deveres morais e sociais como piedade, misericórdia, gratidão e graça, característicos e
institucionalmente sedimentados na sociedade portuguesa (Hespanha, 2007a, p. 2). De