

Cadernos Mapa n. 3 ▪ Entre caminhos e descaminhos
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tema, algo inédito na história brasileira (Abrucio, 1993, p. 43).
A Constituição representava a
nova fase de abertura política do país e por isso suas disposições se voltavam para fortalecer as
instituições democráticas, enfatizando, no âmbito da administração púbica, não só o seu
controle externo pelo Ministério Público, mas também o estabelecimento dos princípios
básicos de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade
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como norteadores de sua
ação (Abrucio, 1993, p. 43; 2007, p. 69). Além disso, a Carta buscou modernizar uma série de
regras e normas relativas à profissionalização do serviço público, entre elas a previsão de um
regime jurídico único, a extensão aos funcionários públicos de direitos sociais como licença
paternidade, adicional de insalubridade etc., e uma série de regras relacionadas à meritocracia,
à admissão via concurso público e à estabilidade funcional (Abrucio, 1993, p. 43-44).
Também foram tomadas medidas polêmicas, como a alteração da natureza jurídica das
fundações, colocando-as no mesmo nível da administração direta e limitando, assim, sua
flexibilidade em termos de gestão e contratações, e a necessidade de aprovação do Poder
Legislativo para a criação, extinção e alteração de cargos no Executivo (p. 43-44). Como era de
se esperar, o conjunto de normas estabelecido na Carta Magna para o serviço público teve
impacto direto na organização da administração federal e gerou intenso debate sobre sua
eficácia. Como define Luciano Martins (1997, p. 32), a Constituição, ao mesmo tempo em que
seguiu a tendência de limitar a expansão do Estado, restringir as concessões feitas à
administração indireta nas décadas anteriores e implantar novas medidas de profissionalização
do serviço público, promoveu uma série de outras medidas que engessavam a administração e
expandiam os direitos de grande parte do funcionalismo, sem garantir receita para isso,
promovendo, assim, um congelamento do
status quo
. Segundo Abrucio (2007, p. 70), as
medidas adotadas pela Constituição tornaram a burocracia “mais ensimesmada e distante da
população”, e isso, somado ao agravamento da crise fiscal no final dos anos 1980 e à
persistência de antigos problemas na administração pública federal, pode ser visto como um
dos motivos do amplo debate que se instalou em torno de conceitos como o Estado mínimo e
a caça aos marajás, ambos elementos essenciais no programa de governo que elegeu, em
1989, o presidente Collor.
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Parece desnecessário dizer que uma análise completa do impacto da Constituição de
1988 sobre a administração pública ultrapassaria as nossas intenções imediatas. Da mesma
forma, a dinâmica das mudanças na trajetória da administração pública brasileira ao longo do
século XX possui uma série de outras particularidades cuja amplitude não poderíamos alcançar
neste trabalho. Felizmente, existe uma ampla bibliografia sobre o tema. Autores como Gileno
Fernandes Marcelino, Frederico Lustosa, Fernando Luiz Abrucio e Luciano Martins, entre outros,
podem servir de referência para quem pretende entender de maneira mais aprofundada o
6 A esses princípios foi adicionado o da eficiência, por meio da emenda constitucional n. 19, de 4 de
junho de 1998.
7 Essas avaliações referentes ao “congelamento do
status quo
” na administração e a uma burocracia
“distante da população” são aqui ressaltadas devido à sua apropriação pelos governos na década de
1990, como base para as sucessivas reformas administrativas. É importante frisar que essa visão,
apesar de muito popular, não é unânime. Os diagnósticos apresentados em
Estrutura e organização do
Poder Executivo
(Andrade; Jaccoud, 1993), organizado, como vimos, a partir de análises feitas na Enap,
um órgão governamental, sugerem que as deficiências da administração pública possuíam diversas
causas, atreladas também às próprias políticas governamentais para o funcionalismo e à administração
como um todo.