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Fábio Campos Barcelos e Louise Gabler

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Além disso, é importante frisar que, como vimos, o modelo de Estado adotado durante

boa parte do século XX pregou o desenvolvimento econômico como forma de se alcançar o

bem-estar social, mas que, no Brasil, essa relação entre meios e fins sofreu uma inversão,

simbolizada pela famosa expressão: “é preciso deixar o bolo crescer para depois dividir”.

3

Durante esse período, o crescimento econômico acabou se tornando um objetivo em si,

criando um passivo na área social que foi determinante para os acontecimentos que

sobrevieram nas últimas duas décadas. De fato, no início dos anos 90, os indicadores sociais e

de distribuição de renda no país estavam entre os piores do mundo, a despeito das altas taxas

de crescimento do PIB durante a ditadura.

Assim, o cenário que se configurava quando da posse do presidente Collor era o

seguinte: a crise econômica havia abalado a capacidade do Estado de manter seus altos

investimentos, enquanto elevados índices de inflação provocados pelo grande déficit público

corroíam os salários e desestabilizavam o país. Ao mesmo tempo, após um longo período de

crescimento econômico, a avaliação era que o Estado havia fracassado no seu objetivo

primordial, o bem-estar da sociedade. Como resultado, os fortes laços que o uniam à economia

acabaram por contribuir para que a crise econômica fosse também interpretada como uma

crise do Estado. Como veremos mais à frente, a resposta dada pelo governo Collor para a

solução desses problemas passava pela adaptação do Estado brasileiro ao novo modelo

neoliberal, incorporando muitas das diretrizes estabelecidas pelo Consenso de Washington e

fazendo coro às iniciativas liberais que marcaram, na década de 1980, os governos do

presidente Reagan e da primeira-ministra Margareth Thatcher.

Observamos que, ao longo do século XX, o Estado esteve diante de um processo

histórico marcado por alterações na sua forma de atuação perante a sociedade. Uma vez que já

ressaltamos os mecanismos que unem a administração pública ao Estado, torna-se fácil

perceber que a trajetória percorrida por ambos está intimamente ligada. Assim, se o governo

Collor tinha a proposta de modernizar o Estado, o caminho para isso incluía necessariamente a

modernização da administração pública.

Um dos principais componentes históricos da administração pública brasileira sempre

foi o clientelismo, oriundo, sobretudo, do caráter patrimonialista do Estado nas primeiras

décadas do século XX, quando o poder das oligarquias locais era diretamente exercido dentro

do aparelho de Estado, fazendo parte da “cultura política” do país. A revolução de 1930,

imbuída de um caráter antioligárquico, simbolizou a primeira tentativa de se desvincular a

administração dessas influências.

4

Durante a ditadura de Vargas, buscou-se dar os primeiros

3 A frase é usualmente atribuída ao ex-ministro Delfim Netto, que ocupou o cargo de ministro da

Fazenda de 1967 a 74. O fato de que o ministro tenha negado, em entrevistas recentes, que a frase seja

de sua autoria não a torna menos emblemática em relação à política econômica do período, que

contrastava os elevados indicadores de crescimento econômico do país aos altos índices de

desigualdade de renda. Uma dessas entrevistas pode ser lida na revista

Desafios do Desenvolvimento

,

Ipea, n. 39, p. 112-119, dez. 2009-jan-2010. Disponível em:

<http://desafios2.ipea.gov.br/sites/000/ 17/edicoes/57/pdf/rd57entr14.pdf>

. Acesso em: 10 fev 2011.

4 O conjunto de reformas promovidas por Getúlio Vargas é bastante amplo e existe uma série de

publicações sobre o tema. Como referência, podemos citar os livros

Reforma administrativa na era de

Vargas

, de Beatriz Warlich (1985), e

As instituições brasileiras da era Vargas

, organizado por Maria

Celina D´Araújo (1999) e disponível em:

<http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/108.pdf>

.