

Cadernos Mapa n. 3 ▪ Entre caminhos e descaminhos
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caráter exportador de bens primários, que a deixava dependente do comércio internacional, e
adotar o modelo de substituição de importações, no qual o Estado assumiria o papel de
orientar os recursos da economia em direção a um processo induzido de industrialização capaz
de produzir, em território nacional, os bens que até então eram importados. Foi assim que,
desde a década de 1930, o Estado brasileiro foi considerado um Estado produtor, atuando das
mais diversas formas na condução da atividade econômica. Fenômenos como a criação de
diversas empresas estatais durante o governo Vargas, os “50 anos em 5” de Kubitschek, o
milagre econômico da ditadura militar, são todos exemplos de como o Estado, a partir daquele
momento, sempre tomou para si, com certo sucesso de curto prazo, o papel de promotor do
crescimento econômico.
No entanto, após um período de grande prosperidade mundial, nomeado por
Hobsbawm como uma “Era de Ouro”, a situação começou a mudar a partir de meados dos
anos 70 e início dos 80. Se a proposta do modelo de substituição de importações de diminuir a
dependência do país em relação ao mercado internacional estava em pleno curso, as duas
crises do petróleo ocorridas em 1972 e 1979 mostraram que novos pontos de vulnerabilidade
haviam surgido. Depois de um período em que as taxas de crescimento do produto interno
bruto alcançaram níveis excepcionais, caracterizando o chamado “milagre econômico”, as
mudanças no cenário econômico internacional abriram frestas no modelo, demonstrando seu
esgotamento e deixando clara a necessidade de adaptações.
Medidas como o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND),
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adotado
durante o governo do general Geisel, marcaram a postura governamental de superar os
problemas a partir não de uma alteração, mas sim de um aprofundamento das políticas até
então em vigor. Na verdade, os governos militares buscaram, na política de crescimento
econômico, garantir o respaldo social para o regime de exceção implantado no país. No entanto,
no contexto econômico imposto pelas crises internacionais, as políticas do país não podiam
buscar só o crescimento, tinham que combater um novo inimigo, a inflação, que crescia
vertiginosamente. Vale dizer que, no início da década de 80, a busca em equilibrar essas duas
frentes de ação parecia não surtir os efeitos desejados, surgindo então outro fenômeno, a
chamada
estagflação
, uma mistura de recessão econômica com elevados índices de inflação: o
PIB brasileiro teve taxas negativas de crescimento em 1981 e 83 e a inflação superou o nível de
200% em 1983, 84 e 85.
É interessante observar que, assim como a crise de 1929, que deixou clara a
necessidade de adaptações no sistema econômico e marcou a derrocada de um modelo liberal
de concepção de Estado, os impactos da crise do petróleo na década de 70 também
promoveram uma reavaliação do modelo de Estado do bem-estar social, servindo para
demonstrar o esgotamento da substituição de importações e alterar, mais uma vez, a forma
como se acreditava que o Estado deveria atuar na economia e na sociedade.
2 O segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) foi um conjunto de investimentos públicos e
privados anunciado pelo governo que buscava aprofundar o modelo de substituição de importações.
As crises da década de 1970 haviam exposto a dependência do país em relação a uma série de
insumos, principalmente o petróleo. Assim, em vez de frear a economia diante das dificuldades
financeiras do governo, o PND provocou o aumento dos investimentos nesses “pontos de
estrangulamento” (infraestrutura, bens de capital, insumos, energia e exportação) como forma de
“ajuste estrutural” da economia nacional (Fausto, 2009, p. 495; Hermann, 2005, p. 100).