Laboratório para análise de terra do Instituto de Química
Laboratório para análise de terra do Instituto de Química

O Instituto de Química foi criado pela lei n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918, com a finalidade de realizar pesquisas nas áreas da agricultura, indústria e pecuária; proceder a análises e estudos químicos, atendendo a requisição de particulares ou de governos estaduais e municipais; promover o ensino de química; estudar as forragens destinadas à alimentação animal; cumprir as disposições legais relativas à fiscalização da manteiga; e inspecionar adubos, inseticidas e fungicidas (Brasil, 1919b p. 129).

As primeiras instituições oficiais ligadas à pesquisa e difusão da química foram estabelecidas no contexto da transferência da corte portuguesa para o Brasil, refletindo as transformações ocorridas no século XVIII, quando esse domínio científico passou a ter seus próprios campos de trabalho inseridos entre os interesses do Estado, “abrindo [...] o caminho para a sua plena institucionalização, e para a profissionalização dos químicos” (Afonso; Santos, 2009, p. 17). Em 1812, foi instituído o Laboratório Químico-Prático, com o objetivo de analisar os produtos naturais existentes nas colônias portuguesas visando ao seu aproveitamento econômico, e em 1819, o Laboratório de Química, com finalidades semelhantes. Ambas as estruturas deixaram de funcionar em curto espaço de tempo, mas, em 1824, foi organizado o laboratório de química do Museu Imperial, que teria vigência mais duradoura. Ao lado dessas experiências, o ensino de química ganhou espaço nos currículos da Academia Real Militar, das escolas de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, e do Curso de Agricultura da Bahia, também fundados naquele momento.

No período republicano, a criação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, a partir do desmembramento da antiga pasta da Indústria, Viação e Obras Públicas, impulsionou o surgimento de repartições que atribuíram à química um papel importante para o desenvolvimento da agricultura, da pecuária e da indústria brasileiras.

As primeiras ações do novo ministério, cuja instalação foi resultado da movimentação política de setores agrários distanciados do centro do poder dominado pelos cafeicultores paulistas, foram orientadas pelas ideias de diversificação e modernização da agricultura (Mendonça, 1997). Tais orientações serviram de fundamento para a elaboração de um amplo projeto de ensino, pesquisa e difusão científica, que buscou alcançar todas as regiões do país. No interior desse projeto, mereceu destaque o estabelecimento de laboratórios e cadeiras dedicadas ao ensino de química agrícola, ramo responsável por inovações que tornaram mais lucrativas as atividades do campo (Estação..., 2020).

As dificuldades de importação de bens de consumo geradas na conjuntura da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) estimularam a fundação de novas fábricas e colocaram na ordem do dia a necessidade do desenvolvimento de produtos químicos e de formação de mão de obra especializada (Afonso; Santos, 2009, p. 24; Santos; Pinto; Alencastro, 2006, p. 621). Tal tarefa foi assumida pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio com a criação, em 1915, da Estação Central de Química Agrícola, que teve uma rápida trajetória, encerrando suas atividades entre o final desse ano e o início de 1916.

As funções desempenhadas pela Estação Central de Química Agrícola foram absorvidas, em 1918, pelo Instituto de Química, ao qual foram incorporadas, ainda, as competências relacionadas à fiscalização da manteiga, que estavam a cargo do Serviço de Indústria Pastoril.

O Instituto de Química foi regulamentado pelo decreto n. 12.914, de 13 de março de 1918, que designou para o trabalho no órgão um diretor, dois assistentes, três ajudantes, um secretário, um escriturário-datilógrafo, dois inspetores do fabrico de manteiga e três serventes. O mesmo ato fixou as taxas cobradas para a realização de análises e estudos requisitados pelos governos estaduais e municipais e por particulares, e definiu uma série de procedimentos para a fiscalização da manteiga, que incluíam a aplicação de multas em caso de constatação de fraudes e a manutenção de um registro de fabricantes e outros profissionais dedicados à sua produção (Brasil, 1919b).

Em relação ao ensino, o decreto n. 12.914 previu a existência de dois tipos de cursos, que seriam pagos, os “científicos” e os abreviados. Os primeiros se dividiam em regular e de “alta especialização química”, e eram reservados para a formação de químicos profissionais. Os abreviados eram voltados para todos aqueles que necessitassem de conhecimentos práticos para aplicação na indústria e no comércio (Brasil, 1919b).

Nos seus primeiros anos, o Instituto de Química não conseguiu dar cumprimento a todas a suas atribuições, em razão do número reduzido de funcionários, limitando-se à realização dos cursos, à fiscalização da manteiga e à análise de amostras de gêneros destinados à exportação, que foi determinada pelo decreto n. 12.982, de 24 de abril de 1918, com o fim de evitar fraudes que prejudicassem o “bom nome do nosso comércio no exterior” (Brasil, 1918 p. 6.011; 1920, p. 31-32).

Em 1920, os cursos foram paralisados por falta de alunos. Além da distância da sede do órgão em relação ao centro da cidade, a concorrência dos cursos criados na Escola Politécnica e na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, e a não concessão de nenhum tipo de titulação contribuíram, de acordo com o relatório ministerial, para o fim dessa experiência (Brasil, 1921, p. 210). O órgão também parou de executar, em 1920, no Distrito Federal, o serviço de fiscalização da manteiga, do qual ficou encarregado o Departamento Nacional de Saúde Pública, do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Ainda em 1920, no contexto de reorientação das diretrizes ministeriais, que se voltou para a ampliação da estrutura dedicada ao aperfeiçoamento e controle dos produtos agrícolas, sobretudo das matérias-primas utilizadas pelas indústrias (Mendonça, 1997, p. 161), o Instituto de Química passou a atuar em conjunto com outras repartições. Uma delas foi o Instituto Biológico de Defesa Agrícola, com o qual dividia a tarefa de examinar os produtos pendentes de registro e os pedidos de patentes de invenção de inseticidas e de aparelhos para sua aplicação. Além disso, o Instituto de Química recebia demandas de outros órgãos, como o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil e a Diretoria-Geral do Serviço do Povoamento, para análise de vegetais, minerais, solos etc.

O Instituto de Química recebeu novo regulamento em 1921, pelo decreto n. 14.675, de 17 de fevereiro, que promoveu poucas alterações em sua organização. Foram excluídas as competências relativas ao ensino de química e ao estudo das forragens, que, no entanto, continuaram a ser empreendidos pelo órgão, de forma compartilhada com o Serviço de Indústria Pastoril, de acordo com os decretos n. 14.711, de 5 de março de 1921, e n. 17.387, de 21 de julho de 1926. Por outro lado, foram incluídas como atribuições a publicação das Memórias do Instituto de Química e a elaboração de pareceres sobre todos os trabalhos editados pelo ministério referentes a sua especialidade (Brasil, 1922, p. 479-484). Essas mudanças ocorreram juntamente com a ampliação das instalações físicas, por meio da construção de cinco laboratórios, salas para preparo de amostras e abrigo dos aparelhos destinados ao doseamento de nitrogênio e para o estudo de bioquímica da alimentação dos animais, oficina mecânica, entre outras (Brasil, 1925, p. 97).

A partir de 1923, o Instituto de Química passou a exercer a inspeção sanitária e comercial relacionada à fabricação da banha e do vinho, que foi regulamentada pelo decreto n. 16.054, de 26 de maio. Dois anos depois, o órgão voltou a realizar o serviço de fiscalização da manteiga, ficando sua atuação limitada ao comércio interestadual (Brasil, 1929, p. 415).

Novas mudanças ocorreram no governo de Getúlio Vargas, que promoveu uma grande reforma na pasta da Agricultura, resultando na criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em 1934, o decreto n. 23.979, de 8 de março, alterou sua denominação para Instituto de Química Agrícola e transferiu parte de suas funções para o Instituto de Biologia Animal.

 

Angélica Ricci Camargo
Dez. 2020

 

Fontes e bibliografia

AFONSO, Júlio Carlos; SANTOS, Nadja Paraense. Instituto de Química da UFRJ – 50 anos. Rio de Janeiro: Oficina de Livros, 2009.

BRASIL. Lei n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918. Fixa a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1918. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 5-117, 1919a.

______. Decreto n. 12.914, de 13 de março de 1918. Aprova o regulamento do Instituto de Química criado pelo artigo 96 da lei n. 3.454, de 6 de janeiro de 1918. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 129, 1919b.

______. Decreto n. 12.982, de 24 de abril de 1918. Estabelece medidas para a fiscalização de gêneros alimentícios de produção nacional. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 28 abr. 1918. Seção 1, p. 6.011.

______. Decreto n. 14.675, de 17 de fevereiro de 1921. Dá novo regulamento ao Instituto de Química. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 479-484, 1922.

______. Decreto n. 23.979, de 8 de março de 1934. Extingue no Ministério da Agricultura a Diretoria-Geral de Pesquisas Científicas, criada pelo decreto n. 22.338, de 11 de janeiro de 1933, aprova os regulamentos das diversas dependências do mesmo ministério e consolida a legislação referente à reorganização, por que acaba de passar. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2 p. 59-62, 1935.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Ildefonso Simões Lopes em 1919. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas Boas & C., 1920. Disponível em: https://bit.ly/2KQFT8p. Acesso em: 22 dez. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Ildefonso Simões Lopes em 1920. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas Boas & C., 1921. Disponível em: https://bit.ly/37Hyj9u. Acesso em: 22 dez. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Miguel Calmon Du Pin e Almeida em 1922. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925. Disponível em: https://bit.ly/2WFR3xM. Acesso em: 22 dez. 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio Miguel Calmon Du Pin e Almeida em 1925. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1929. Disponível em: https://bit.ly/3aAqjsE. Acesso em: 22 dez. 2020.

ESTAÇÃO Central de Química Agrícola. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: . Acesso em: https://bit.ly/3GA4ZDE. Acesso em: 21 nov. 2022.

INSTITUTO Biológico de Defesa Agrícola. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira da Primeira República (1889-1930), 2020. Disponível em: https://bit.ly/3KKjzXW. Acesso em: 16 mar. 2022.

INSTITUTO de Química. In: DICIONÁRIO Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Disponível em: https://bit.ly/2KWQ1fV. Acesso em: 23 dez. 2020.

MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.

SANTOS, Nadja Paraense dos; PINTO, Ângelo C.; ALENCASTRO, Ricardo Bicca. Façamos químicos: a “certidão de nascimento” dos cursos de química no Brasil. Química Nova, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 621-626, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3gqe9D6. Acesso em: 22 dez. 2020.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_DB Agricultura

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

 

Referência da imagem

Arthur Torres Filho. O ensino agrícola no Brasil, seu estado atual e a necessidade de sua reforma. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. Arquivo Nacional, ACG 12054